População amazônica sofre sob o cerco do latifúndio, garimpo e tráfico

Articulação entre atividades predatórias vem fortalecendo a cadeia de crimes ambientais e alavancando a violência contra povos indígenas, quilombolas e trabalhadores pobres em toda a região Norte do país.

População amazônica sofre sob o cerco do latifúndio, garimpo e tráfico
Reprodução/Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Por Redação

Nota da Redação: A Amazônia Legal é uma região do Brasil que abrange nove estados. São eles: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

Há uma nítida escalada de índices de violência urbana e rural na região da Amazônia Legal no país, que vem sendo resumida, ao menos nos últimos anos, à expansão de conflitos urbanos entre facções do tráfico de drogas vindas do sudeste, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Estas facções, além de comandarem majoritariamente o trâmite de compra e escoamento de drogas e armas na região, também passaram a se articular com outros grupos criminosos na extração ilegal de madeiras, garimpo e grilagem de terras. Esta conexão entre o latifúndio, o narcotráfico e a mineração vem fortalecendo a cadeia dos crimes ambientais e alavancando a violência contra povos indígenas, quilombolas e trabalhadores pobres das áreas urbanas e rurais em toda a Região Norte do país.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, desde 2012, a região da Amazônia Legal possui índices de violência letal mais elevados do que a média nacional. Em 2022, os Estados Amazônicos apresentaram uma média de 26,7 mortes a cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa dos demais estados foi de 17,7, ou seja, uma média 50,8% superior à média nacional. Nesse mesmo ano, dentre a Região Norte, o Amazonas apresentou uma taxa de homicídios ainda maior que as médias regional e nacional, com um número de 33,1 mortes para cada 100 mil habitantes.

A região da Amazônia Legal tem um papel fundamental no fluxo de drogas que chegam e saem do país, devido à tríplice fronteira com Peru, Colômbia e Bolívia. Portanto, o território não apenas se tornou um alvo de disputa, mas também um ponto estratégico para negócios entre garimpeiros e narcotraficantes. Grupos armados brasileiros – das facções às milícias rurais ligadas ao latifúndio e ao garimpo, que operam negócios nesses mercados de escoamento de drogas, armas, madeira e ouro – passam, neste contexto, também a formar alianças nas áreas de fronteiras com grupos armados estrangeiros que atuam nesses mercados, estendendo “alianças” também às fronteiras com a Venezuela, Guiana e Suriname.

É possível observar o envolvimento das facções nos garimpos da Terra Indígena Yanomami, por exemplo. O PCC se inseriu na região através do comércio ilegal de drogas, utilizando as mesmas rotas de escoamento do garimpo ilegal de ouro, e pela possibilidade de atuar na segurança armada do local, mas com o passar do tempo, os indivíduos faccionados passaram a exercer outras funções, como a operação de máquinas de extração de ouro, a administração de pontos de exploração sexual e o controle de circulação no território, com a cobrança de pedágios. A dificuldade de deslocamento ágil nos territórios e o sucateamento de órgãos e forças de fiscalização do Estado acaba por dar um nível de proteção a mais a esses negócios.

Há uma disparidade entre os recursos destinados por organismos federais para a segurança da Amazônia Legal, e os recursos direcionados ao policiamento ostensivo nas capitais e centros urbanos. Enquanto a polícia promove a política de “guerra contra as drogas” nas periferias e alavanca índices de violência policial na região, colocando em risco a vida de milhares de trabalhadores inocentes, a política de sucateamento de órgãos de fiscalização ambiental, decorrente da lógica liberal de ajuste fiscal permanente, forma espaços “vazios” de policiamento ambiental e controle contra crimes ambientais nos territórios amazônico. No ano de 2021, 1.057 pessoas foram mortas por policiais na Amazônia Legal, uma taxa de 3,6 por 100 mil habitantes, enquanto nos demais estados brasileiros, a taxa foi de 2,8 por 100 mil.

A consequência lógica dessa política é a abertura de margem para que as facções, garimpeiros e grileiros dominem o local, intensificando a disputa pelo monopólio das rotas de comércio de drogas, armas, ouro e madeira e a disseminação de diversos crimes ambientais. A impunidade garantida gera a segurança prática necessária aos negócios legais e ilegais que elegem bancadas nas casas legislativas que buscam dar “segurança jurídica” aos negócios criminosos, principalmente os do garimpo, com a derrubada de legislações ambientais. Todos esses fatores se somam ao retrocesso nas leis que garantem a defesa dos povos indígenas, que têm suas terras invadidas constantemente e não possuem o aparato necessário do Estado para lidar com a violência e conflitos promovidos pelo chamado “narcogarimpo” e por milícias rurais ligadas ao latifúndio. Organizações como Ibama, ICMBio, e Funai têm realizado operações de fiscalização e combate à exploração de recursos naturais em Terras Indígenas, porém, os moradores continuam relatando que estas são insuficientes, pois os invasores retomam suas atividades quase que instantaneamente após o fim das ações de fiscalização. As queimadas também se alastram, enquanto tática de grilagem de terras, em um cenário de falta de bases fixas de corpo de bombeiros em diversos municípios da região.

Em 2023, foram registrados pelo menos 276 invasões de Terras Indígenas ao redor do país, sendo 196 na Amazônia Legal, com destaque para Amazonas (44), Pará (40), Mato Grosso (38), Maranhão (26) e Rondônia (20). Os índices de assassinatos também são alarmantes: cerca de 208 pessoas indígenas foram assassinadas no Brasil, sendo 111 registradas nos estados amazônicos. Roraima (47) e Amazonas (36) lideram os números na região.

Já os povos quilombolas tiveram sua existência negligenciada durante muito tempo, e só passaram a ser incluídos no Censo Demográfico do IBGE em 2022. O Censo mostra que na Amazônia Legal, a população quilombola corresponde a 1,6% da população da região, com 426.449 pessoas declaradas. Foram identificados 1.831 territórios quilombolas, porém, apenas 179 foram devidamente homologados ou tiveram titulação, instrumento jurídico que garante a propriedade coletiva da terra e preserva a área de invasões ilegais para fins de grilagem, especulação imobiliária ou escoamento de drogas e armas.

O não reconhecimento das comunidades quilombolas e as invasões em terras indígenas são determinantes para compreender a relação entre os conflitos fundiários e os altos índices de violência na região da Amazônia Legal, o que evidencia a fragilidade dos direitos de povos originários e reverbera a necessidade de intensificar a discussão acerca da criação de políticas públicas e a leniência governamental em relação à segurança pública da população amazônica. Em 2023, o Brasil foi apontado como o 2º país com maior número de defensores do meio ambiente assassinados, ficando atrás apenas da Colômbia, em documento que destaca o papel central dos conflitos que envolvem a atividade do garimpo nas terras indígenas no Brasil.

O que se demonstra, principalmente a partir de discussões legislativas no Congresso Nacional – que foram ostensivamente impulsionadas no Governo Bolsonaro-Mourão –, é que as principais movimentações nos últimos anos foram no sentido de enfraquecer legislações ambientais e abrir espaço ao garimpo e ao latifúndio na região. Em relação ao atual Governo Federal, a greve dos servidores do Ibama e ICMBio demonstrou como a política de sucateamento é constante e evidenciou as contradições da política ambiental do Governo Lula, mas também chama atenção a frouxidão das normas do Banco Central na concessão de crédito rural a latifundiários que cometem crimes ambientais.

Enquanto o escoamento de ouro, madeira, armas e drogas se avoluma em rotas fronteiriças, que seriam de responsabilidade de fiscalização pelo Exército Brasileiro, e as áreas do campo e de floresta são esvaziadas de organismos de fiscalização ambiental do Estado, é nas periferias urbanas que se concentram as forças policiais, que produzem as maiores taxas de policiais por habitante do país em Estados como Amapá e Amazonas, e a violência produzida pelos conflitos entre as polícias, facções do tráfico de drogas e armas, e milícias urbanas.

A resposta a essa escalada da violência não pode se dar com o aprofundamento da política de guerra às drogas e de avanço da letalidade policial, que é na prática uma política de controle social que vitima trabalhadores por onde é aplicada, mas, sim, com o enfrentamento ao poder econômico e político do agronegócio, do garimpo e das facções que se articulam por interesses comuns de controle territorial e de mercado, como na exploração de trabalhadores, na expulsão e morte de povos indígenas e quilombolas e na destruição dos biomas da região amazônica.