'Ponderações breves sobre o futuro da nossa aproximação com o MST' (Isadora Maria)
É necessário limpar o terreno das diferenças do que é a luta pela terra enquanto movimento social, composto de organizações mais ou menos nacionalizadas, e o que são as organizações que atuam nessa luta. O MST não é todo o movimento de luta pela terra, mas uma organização dentro deste movimento.
Por Isadora Maria para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, não pretendo por meio desta tribuna dar uma resposta integral à qual deve ser nossa tática de aproximação com movimentos sociais, mas colocar algumas ponderações motivadas pela onda crescente de defesas da inserção e disputa do MST, partindo deste ponto para questões mais abrangentes.
É necessário, primeiro, limpar o terreno das diferenças do que é a luta pela terra enquanto movimento social, composto de inúmeras organizações mais ou menos nacionalizadas, e o que são as organizações que atuam nessa luta. O MST não é todo o movimento social de luta pela terra, mas uma organização política dentro deste movimento.
Partimos de um ponto pré-racha onde nossas relações a nível nacional com outras organizações eram, de forma dúbia, ao mesmo tempo sectárias e reboquistas. Sectárias, pois não abríamos um diálogo consistente e não construíamos táticas conjuntas de forma consequente com organizações do campo revolucionário (fora pontualmente no movimento estudantil). E reboquistas, pois nossa tática eleitoral se colocava cada vez mais na aliança com os setores mais rebaixados da social-democracia. Da mesma forma, é muito nebuloso qual é o nosso programa para a questão agrária. O ponto comum é a nacionalização das terras (método bolchevique); com ou sem usufruto de pequenos agricultores? Defendemos um sistema de cooperativas ou comunas? O Estado é o empregador das cooperativas? O que é a planificação estatal dentro disso?
Nessa confusão, parte da militância nos vê aderindo ao programa do MST, a chamada Reforma Agrária Popular. Essa perspectiva se baseia no princípio da função social da terra, que é um princípio democrático-burguês, na medida em que não é a eliminação do latifúndio enquanto estrutura basilar do poder político no Brasil, mas é a ocupação e usufruto de latifúndios improdutivos. Os latifúndios podem existir, contanto que eles cumpram sua função social, que é medida pela produtividade que se alcança. Existe uma moralização muito ampla nos discursos sobre o quanto os latifúndios improdutivos são maléficos para o Brasil; se forem produtivos, então tudo bem?
Uma reforma agrária que se baseia no princípio da função social da terra não visa nem a eliminação do latifúndio nem a eliminação da propriedade privada, pois prevê a manutenção desta última. Com isso, essa luta não é, de forma nenhuma, uma resposta revolucionária ao agronegócio, ao latifúndio e à monocultura. Não há nacionalização de terras ou sequer uma reforma agrária ampla parcelar; no fim a função social da terra acaba enclausurando a luta pela terra dentro dos limites estabelecidos pelos capital e pelo agronegócio. Essa é a teoria que embasa a luta do MST, do PT, da CUT e de todo o campo democrático-popular (e incluem-se aqui as tais vertentes mais rebaixadas da social-democracia) desde a década de 70, uma luta que consiste em cobrar da burguesia o cumprimento da função social da terra. Dessa forma, observar o projeto da Reforma Agrária Popular como se fosse o nosso horizonte e como se isso bastasse, é, também, etapista, pois a Reforma Agrária se torna uma tarefa democrático-burguesa em atraso (a burguesia deveria cumprir a função social da terra, e não cumpre) para que nós, eventualmente, possamos nacionalizar a terra. De que forma se dá essa nacionalização, então?
Isso explica, em parte, a hegemonia do campo democrático-popular sobre o MST. O MST não adere à essa perspectiva por estar preso ao PT, mas o contrário, por ter essa concepção anterior que se amarraram ao PT no cerne do desenvolvimento das lutas, permitindo que o Partido dos Trabalhadores exercesse essa hegemonia no movimento. Isso contribui, também, para a própria confusão entre o que é a luta pela terra e o que é o MST dentro dessa luta.
Apelar para o princípio da função social da terra como forma tática do atendimento imediato às demandas des trabalhadores sem-terra, utilizando disso para consolidação de assentamentos, não é um problema (inclusive é essencial, pois a luta pela Reforma Agrária é uma tática em si). O problema é como isso facilmente se torna, sem um programa revolucionário de nacionalização de terras, um horizonte estratégico da Reforma Agrária. Da mesma forma, é positivo como o MST desenvolve o conhecimento científico e popular em agroecologia, mas é problemático como isso não se torna uma bandeira de luta contra a estrutura de propriedade latifundária no capitalismo.
Na conjuntura, o MST é a única organização política que consegue de fato organizar parte da classe trabalhadora rural em torno de um programa de luta coletivo e estender suas ações de forma territorializada. Grande parte dos argumentos para defesa da nossa inserção no MST se pautam em ter humildade para aprender com eles; de fato, para não incorrermos em sectarismo, se vamos começar de algum lugar, é no seio de luta conjunta que começamos e aprendemos. Mas para não cair no reboquismo: o que fazemos com esse aprendizado - como transformamos ele em elementos para uma política própria, independente e revolucionária, para a luta pela terra? Isso faz parte do papel de vanguarda em qualquer local de inserção.
Apesar de existir, de fato, muitas críticas das bases do MST à política do campo democrático-popular e à não-Reforma Agrária, é ingênuo acreditar que o PT nos permitiria crescer e disputar de fato hegemonia dentro do MST. Dessa forma, creio que grande parte do debate está colocando o MST como o equivalente à toda a luta pela terra, como se nosso papel fosse disputar essa organização (as bases, as direções e a hegemonia), e não se inserir e organizar o proletariado na luta pela terra.