'Pela organização e distribuição da nossa produção em agitação e propaganda (ou, o lugar da biblioteca comuna na revolução brasileira' (Wel)

Essas bibliotecas serviriam como um pólo ideológico da classe trabalhadora na tentativa de fazer um contraponto à ideologia burguesa, seria um local de enraizamento da comunidade, uma forma de materialização da sua memória e da sua cultura, onde nós teríamos uma incidência.

'Pela organização e distribuição da nossa produção em agitação e propaganda (ou, o lugar da biblioteca comuna na revolução brasileira' (Wel)
"A biblioteca deve servir como um viveiro cultural na comunidade, um polo que se alimenta da cultura do bairro e a alimenta de volta."

Por Wel para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo essa tribuna a partir de inquietações minhas com a nossa produção (em especial, sua distribuição) em agitprop, principalmente aquela centrada nas mídias sociais e nas produções editoriais como Lavrapalavra e Ruptura. Venho acompanhando as tribunas de debate acerca do papel do jornal como órgão central, e tenho acordo e desacordo com diversos pontos colocados, mas aqui, não quero dedicar esse texto para ser mais um sobre o jornal, mas sim, sobre todas as modalidades de publicações (físicas e digitais) que temos e que servem ao propósito de levar nossa linha política para as massas.

Em muitas das tribunas sobre o papel do jornal, um ponto que vez ou outra surgia ia na linha da suposta obsolescência do físico em detrimento do digital, ou qualquer coisa que vá no caminho do debate entre analógico x digital. Camaradas, acredito haver uma miopia nesse debate que perde de vista algo que considero central em termos de propagar nossa linha política: seja em panfletos, nos jornais ou em vídeos do YouTube, nossa produção em agitprop se localiza em uma dimensão de produção de materiais informativos, e essa informação está em diversos suportes e formatos, servindo a diversos fins e atendendo a públicos múltiplos.

Gostaria de resgatar uma frase da tribuna do camarada Deutério, onde ele diz que “nosso objetivo final é a necessária a criação de um amplo complexo de agitação e propaganda, que tenha o jornal impresso como esqueleto da direção ideológica”. Acredito que o camarada foi certeiro em sua colocação, e gostaria de desenvolver meu pensamento a partir disso. O jornal, os canais de YouTube, os podcasts, páginas de Instagram e editoras são, em sua essência, veículos de um complexo de agitação e propaganda que se encarrega de produzir informações que irão, aliadas ao trabalho prático de base, elevar a consciências das massas em direção a construção da revolução brasileira. E como tal, eles precisam ser organizados, e, principalmente, ter sua produção distribuída de forma tal, que consiga ter capilaridade nas mais diversas realidades do nosso povo.

Tenho muito acordo com a proposta do camarada, sobre a criação de um “complexo de produção em agitação e propaganda”. Precisamos ter um Órgão Central que vai servir como o centro de gravidade de todo nosso material propagandístico, numa unidade de ação pela conquista das mentes, servindo como um processo de produção de “contra-informação” que virá a se opor ao senso comum que se encontra cercado pelas produções ideológicas burguesas de grupos como as Organizações Globo (que tem TV, editoras, produtoras de cinema, jornais, etc).

Como disse anteriormente, nossa produção em agitprop se dá através de materiais informativos, e temos que ter um olhar mais ampliado a respeito justamente dos possíveis suportes onde essa informação pode estar, para aí então termos um verdadeiro complexo de produção que dê conta de ampliar o alcance de nossa linha política. Precisamos mapear os veículos e tipos de materiais com possibilidade de serem produzidos, traçarmos um plano estratégico de quais locais nós queremos chegar e a quais públicos queremos atingir, e direcionar essa produção na direção dessa estratégia.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não podemos cair no delírio da “democratização da informação trazida pela internet”, porque sabemos bem que essa democracia é uma falácia. Não apenas em termos de acesso a aparelhos de qualidade, como também as políticas de pacotes de dados das operadoras que condicionam o acesso a aplicativos específicos, como também o próprio algoritmo de redirecionamento das plataformas. Em termos do digital, devemos ter um núcleo central para sua produção, e ela ser apenas um braço dentro de um corpo muito maior que vai para além dela. Retornarei a esse ponto mais a frente.

Depois de pensarmos em quais os tipos de materiais e a quais veículos iremos dedicar nossa produção, devemos nos voltar para pensar também no conteúdo desses materiais - e isso é algo crucial. É nesse ponto onde gostaria de pegar como exemplo as duas editoras que temos relação, que são a Lavrapalavra e a Ruptura. Ambas possuem um papel importantíssimo no preparo intelectual de nossa militância e do movimento comunista brasileiro de uma forma geral, e sabemos bem que foi o trabalho de uma delas que gerou uma série de polêmicas com o CC do antigo PCB por conta de alguns livros muito específicos; mas sem desmerecer o trabalho dos camaradas dessas editoras, eu gostaria de fazer uma provocação: esses livros servem a quem?

Camaradas, se estamos falando de aumentar o alcance da nossa linha política, somente livros de preparo teórico não irão fazer isso, pois sua abrangência é bastante limitada. É preciso termos uma editora comunista cuja produção seja plural e consiga atender a diversos públicos da classe trabalhadora, e que não se centre somente em produções teóricas, mas também artísticas e culturais.

Por exemplo, por maiores que sejam nossas divergências políticas com a Sabrina Fernandes, devemos ter a honestidade de assumir que o trabalho que ela fez com seu livro “Se quiser mudar o mundo: um guia político para quem se importa” foi formidável. É um livro de introdução política ao ecossocialismo muito bom e bastante didático, com um trabalho editorial e estético bastante coeso, e que consegue informar com muita qualidade pessoas que querem se formar politicamente (em especial, acho um livro muito bom para o público adolescente). Qual livro podemos dizer que faz um trabalho similar com o marxismo-leninismo?

O livro da Sabrina é uma exceção à esquerda num oceano de produções editoriais de “introdução política” repleta de livros de direita, como a obra “Política é para todos” da Gabriela Prioli, ou a série horrível e irresponsável (para dizer o mínimo) dos Guias Politicamente Incorretos. São obras que se vendem como leves, introdutórias, e de linguagem simplificada, que atingem pessoas em busca de formação política e que não sabem muito bem por onde começar. Onde está a produção marxista-leninista neste aspecto? Estamos diversificando nossa produção de forma que ela consiga atingir vários tipos de públicos?

Outros dois bons exemplos são o selo Boitatá, da editora Boitempo, e o trabalho do camarada Gustavo Gaiofato no YouTube. No primeiro caso, temos um selo responsável por publicar livros infantis que cumpre um trabalho muito bom na produção de uma “literatura infantil marxista” em território nacional. Já o camarada Gustavo, em sua produção digital, consegue dialogar com um público jovem por meio da linguagem e das plataformas que usa, e sabemos bem que isso serviu para aproximar diversas pessoas que hoje são militantes da UJC, por exemplo.

Sendo assim, camaradas, não basta apenas pensarmos em quais os veículos que vamos utilizar, se não pensarmos também em quais tipos de obra iremos publicar - tendo em mente em quais setores da sociedade nós queremos chegar. Onde está a produção literária marxista-leninista? A produção infantil e infanto-juvenil? Os livros de introdução histórica? E para além disso: produções de psicologia que façam frente aos livros de autoajuda, livros de saúde que forneçam um contraponto à produção massiva das dietas milagrosas que vomitam gordofobia. Precisamos diversificar nossa produção se queremos realmente expandir nossa mensagem.

E isso está não somente nas produções bibliográficas, mas também no audiovisual. Curtas, médias e, até mesmo, longas metragens (de ficção e não ficção) que sirvam como maneira de comunicar a nossa linha política. Algo que alguns camaradas daqui do estado já comentaram em conversas informais e em momentos de debate, e que eu tenho total acordo, é sobre o uso de editais culturais como a Lei Paulo Gustavo para fomentar a produção de obras culturais que sirvam tanto como atividades de finanças, como enquanto peças de agitação e propaganda.

Enquanto bibliotecário, algo que observei (e ainda observo) tanto durante meu trabalho em bibliotecas de instituições e organizando acervos pessoais, quanto em idas e garimpadas em livrarias, é a pluralidade da produção burguesa nos mais diversos formatos. São livros da Companhia das Letras, por exemplo, que gritam “empoderamento negro” num viés extremamente liberal e colonizado por uma lógica estadunidense, ou os diversos acervos de psicologia em bibliotecas que estão abarrotados de livros de autoajuda, inteligência emocional e outras obras do gênero “A sutil arte de ligar o foda-se”. Isso não está presente somente nas editoras, mas em todo o tipo de produção informacional e cultural dos liberais. Se a burguesia bombardeia a classe trabalhadora constantemente com sua ideologia, é chegada mais do que a hora de organizarmos os veículos de ideologia da classe trabalhadora.

Esse complexo de agitação e propaganda, portanto, deve abarcar as produções bibliográficas, o jornal, as produções audiovisuais e as digitais. Sobre a última, as mídias sociais possuem um caráter tanto de produção quanto de distribuição de conteúdo (principalmente por meio dos algoritmos), e acredito que seja justamente por conta do caráter da distribuição que alguns camaradas possam acreditar que seja mais vantajoso focarmos no digital. Porém, como disse anteriormente, o próprio digital possui limitações, e o problema da distribuição pode ser tratado de outra forma.

Vejam, camaradas, de nada adianta termos diversos veículos de produção se esses materiais não se distribuem. Temos os sites das editoras, por exemplo, mas há limitações, sabemos. Podemos ter a banquinha da UJC, que se utiliza de livros da Lavrapalavra para venda, mas também há limitações (afinal de contas não são todas as pessoas que se interessarão logo de cara por livros como ‘O centralismo democrático de Lênin’). Nossa produção precisa ser distribuída, e precisa ser de uma forma que consiga se capilarizar nos diversos setores da classe trabalhadora, e, como bibliotecário, não posso pensar nisso sem ir automaticamente numa alternativa que me parece muito condizente: precisamos de bibliotecas.

De uma forma geral, as bibliotecas servem como ambientes de reprodução da ideologia burguesa, justamente por expressarem o caráter das instituições às quais estão vinculadas. As bibliotecas com o maior potencial subversivo e que podem representar de maneira mais fiel a ideologia da classe trabalhadora são as bibliotecas comunitárias. Minha ideia é que, aliado ao complexo de agitação e propaganda, e por meio de um fortalecimento do trabalho nos bairros, nós possamos construir algo como uma Rede de Bibliotecas do Poder Popular.

Uma vez organizado nosso complexo e definida como se dará a nossa produção, precisamos fazer com que ela chegue na classe trabalhadora, e isso poderia ser feito se tivermos um trabalho consistente nos bairros e consigamos construir bibliotecas comunitárias neles. Parte da produção dessas editoras e do jornal, por exemplo, poderia ser doado para essas bibliotecas, que se encarregariam de inserir essas obras em seus acervos, ampliando assim o raio de acesso a essas produções.

A questão que fica em aberto, e para a qual eu ainda não tenho resposta, é se seria interessante nós construirmos nossas bibliotecas, ajudarmos na construção de bibliotecas já existentes, ou aliarmos ambas as táticas a depender da realidade do bairro. De uma forma ou de outra, para seguir nesse caminho, é preciso uma superação da compreensão da biblioteca apenas como um prédio com livros, estática, sem vida e silenciosa - algo que a Biblioteconomia, por exemplo, já discute há um certo tempo.

A biblioteca deve servir como um viveiro cultural na comunidade, um polo que se alimenta da cultura do bairro e a alimenta de volta. Ela seria o local na qual as produções audiovisuais que fizermos, por exemplo, poderiam ser material para um cine-debate, ou até mesmo o local de construção de uma rádio comunitária. Em termos práticos, temos muito o que aprender com a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, por exemplo, ou a Releitura - Bibliotecas Comunitárias em Rede, em Recife.

O trabalho na biblioteca necessita de agente culturais, mediadores culturais, que irão pensar em ações com base tanto no acervo existente, quanto na realidade material da comunidade, e esse trabalho é feito junto com os moradores. Eles participam no processo de escolha do acervo, na elaboração e organização das atividades, e até mesmo na política de classificação do acervo. É possível também haver moradores que irão trabalhar na própria biblioteca, de forma que o ambiente seja construído como parte da comunidade, por e para ela, e não apesar dela.

É por isso que para a construção dessa rede de bibliotecas, o caminho principal é o fortalecimento do trabalho nos bairros e de cultura. Devemos enxergar a produção nesse complexo de agitprop como co-dependente desse trabalho de base nos bairros - se ele não está qualificado e fortalecido, nossa produção não irá chegar onde deveria chegar. Com uma rede de bibliotecas, conseguimos ter um veículo de comunicação dos trabalhos nos bairros, tanto a nível local, quanto a nível nacional, unificando assim nossa unidade de ação em agitprop e cultura.

É preciso um duplo esforço então: de organizarmos nosso complexo de agitprop, definindo onde e como queremos chegar, e de fortalecermos um trabalho de base que dê conta de fazer com que essa produção chegue onde precisa estar. O trabalho na biblioteca, por meio dos militantes do núcleo de bairros e moradores, fará a mediação dessas obras com a comunidade, como um trabalho de elevação da consciência. Seria possível, por exemplo, fazer uma atividade na biblioteca que se utiliza de um vídeo de Jones em uma semana, e uma ação de contação de histórias na semana seguinte com uma obra literária publicada por uma de nossas editoras, para depois fazer um cine-clube de um curta metragem feito pela própria comunidade no qual nós tivemos participação em sua realização.

Essas bibliotecas serviriam como um pólo ideológico da classe trabalhadora na tentativa de fazer um contraponto à ideologia burguesa, seria um local de enraizamento da comunidade, uma forma de materialização da sua memória e da sua cultura, onde nós teríamos uma incidência.

Existem diversas discussões próprias do caráter das bibliotecas comunitárias e sua forma de funcionamento que eu não me dedicarei nesse texto por não ser seu objetivo. A questão principal aqui é a necessidade de alinharmos nossa estratégia em agitação e propaganda e enxergarmos suas possibilidades no trabalho de base. Acredito, portanto, que se nos lançarmos na missão histórica de construir a revolução brasileira, devemos colocar no horizonte as bibliotecas comunitárias como um ponto tático tanto de nosso enraizamento nos bairros quanto da ampliação do alcance de nossa linha política.

Esse trabalho não pode e não deve ser feito sem o contato com bibliotecáries e mediadores culturais em geral que atuam na construção dessas bibliotecas, de forma a termos acúmulos mais apropriados a respeito de seu funcionamento; nem de uma forma vertical, vinda da organização para a comunidade, pois nenhuma biblioteca comunitária deve surgir de forma imposta, mas sim de maneira orgânica.

Acredito que, uma vez organizado o nosso complexo e definido quais os veículos e formas táticas de nossa produção, ao mesmo tempo tendo como suporte um trabalho fortalecido em bairros e cultura, teremos uma rede de produção e distribuição em agitprop que tem potencial de fornecer um contraponto à ideologia burguesa e qualificar nosso trabalho militante em agitprop.

Finalizo este texto reconhecendo as possíveis limitações do que trouxe aqui, em especial sobre a dinâmica própria dos trabalhos de bairro e cultura que temos acumulado pelo país. Acredito que ainda há muito o que ser desenvolvido e criticado, não só no ponto das bibliotecas comunitárias, mas também em toda a ideia do complexo de agitação e propaganda. Por fim, expresso meus desejos de que esse debate seja amadurecido, para que possamos encontrar alternativas robustas e condizentes com nossa realidade e com o desafio que se coloca no horizonte.

Viva a revolução brasileira!