'Partido dos Panteras Negras: Aportes para o trabalho de base comunitário' (GPP)

Escrevo esse pequeno texto como uma contribuição teórica que faça-nos debruçarmos acerca dos acúmulos do marxismo-leninismo na luta de bairros e comunidades a partir da experiência do Partido dos Panteras Negras, em um de suas frentes mais exitosas.

'Partido dos Panteras Negras: Aportes para o trabalho de base comunitário' (GPP)

Por GPP para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

“Nosso papel nesta sociedade é de preparar nós mesmos e as massas para a mudança. A mudança que nós queremos está desta sociedade decadente” (The Black Panther, v.3, n.11)

Escrevo esse pequeno texto como uma contribuição teórica que faça-nos debruçarmos acerca dos acúmulos do marxismo-leninismo na luta de bairros e comunidades a partir da experiência do Partido dos Panteras Negras, em um de suas frentes mais exitosas, a do trabalho de base a partir das necessidades concretas da população com as comunidades negras dos Estados Unidos nas décadas de 60 e 70.

Tendo como principal pressuposto desse texto que, muito temos a aprender com a experiência concreta dos Panteras. O Partido dos Panteras Negras, enquanto uma organização de vanguarda que tinha como princípio político a conexão com os interesses e demandas das massas como forma de trabalho e politização. Deste modo, chegando ao seu clímax, no momento em que produziram um amplo movimento de massas dos oprimidos colocando como principal inimigo o sistema capitalista-imperialista dos Estados Unidos, que espoliou aos mais pobres, enquanto enriquecia suas classes dominantes. No texto publicado no ano de 1967, 1 ano após sua fundação, sob o título “O Manejo correto de uma Revolução” , pelo seu presidente e co-fundador, Huey P. Newton, afirma que:

“O principal propósito da vanguarda deve ser elevar a consciência das massas graças a programas educacionais e outras atividades. As massas dormentes devem ser bombardeadas com a correta abordagem para  luta mediante a atividade do partido de vanguarda Portanto, as massas devem saber que o Partido existe. O Partido deve usar todos os meios disponíveis para fazer com que estas informações se disseminam para as massas. Se as massas não têm conhecimento do Partido, então será impossível que sigam seu programa.

O partido de vanguarda nunca é clandestino no começo de sua existência; isso limitaria sua efetividade e seu processo educativo. Como se pode educar o povo que não o conhece e respeita? O partido deve existir acima do solo enquanto a estrutura de poder dos cães permitir; e com alguma esperança, quando o partido for obrigado a submergir para a clandestinidade, sua mensagem do partido já terá se espalhado pelo povo. As atividades do partido de vanguarda na legalidade terão necessariamente vida curta. Assim, o partido deve causar um tremendo impacto sobre o povo antes de ser levado à clandestinidade Aí, então o povo saberá que ele existe, e buscará mais informações sobre suas atividades caso seja forçado aos subterrâneos” (MANOEL; LANDI, 2020, p.95-96)

Por volta do final da década de 60 (68-69), tiveram seus momentos de maior crescimento chegando até 5 mil membros e mais de 30 comitês de apoio e auto-defesa em diferentes cidades do Estados Unidos. Tal movimento de massas radicalizado cresceu e ofereceu um potencial revolucionário tão grande que neste contexto os EUA tiveram de criar uma operação secreta denominada de ‘COINTELPRO’[1], para perseguição de comunistas e movimentos negros de esquerda, tendo como principais alvos naquela década Malcom X, Martin Luther King, Comunistas organizados em distintos partidos, movimentos contra a guerra do vietnã e o Partido dos Panteras Negras.

Sendo criado pelo seu então diretor, J. Edgar Hoover do FBI, a COINTELPRO teve diversos alvos, mas vale notar que, das 290 ações de espionagem catalogadas pelo programa, 245 eram direcionadas exclusivamente aos Panteras Negras. Hoover temia a ascensão do partido dos panteras negras que conseguiu agregar setores oprimidos distintos sob suas bandeiras, a tal ponto que, em uma declaração dita durante uma coletiva de imprensa acerca da guerra contra o Vietnã, Hoover afirmou que os Panteras Negras eram a principal ameaça contra o capitalismo norte-americano. Diante de tal legado, não pode-se ter outra conclusão se não o estudo com afinco e compreensão de seus erros, mas principalmente de seus acertos que produziram a maior ameaça que abalou o coração do império.

Não existe ainda uma literatura comum de interpretação do que foi o fenômeno do Partido dos Panteras Negras enquanto um partido de orientação marxista-leninista e explícito de inspiração terceiro-mundista que, do ponto de vista das classes sociais, se apoiou nas distintas classes oprimidas, inclusive abaixo do proletariado formal para uma composição de uma coalizão revolucionária. Enquanto marxistas-leninistas vejo como importante compreendermos em profundidade seu legado.

Nesse esforço, muitas imagens preconceituosas foram feitas como formas de representação do partido, a mídia por exemplo enfatizou o aspecto armado, de homens e mulheres negras que pegaram em armas para a organização da auto-defesa coletiva de suas comunidades, com suas próprias mãos, por exemplo a crítica de Hannah Arendt ao aspecto da violência revolucionária. Para esse breve texto, focarei no aspecto da memória que, para a maioria dos moradores das comunidades pobres dos EUA, os panteras negras foram aqueles que pela primeira vez, trouxeram comida, alfabetização e a possibilidade concreta em que os oprimidos podem se organizar e construir um outro mundo possível.

I. Programa de Serviços Sociais Comunitários:

De acordo com o crescimento da capilarização do Partido, os panteras negras começaram um de seus projetos mais exitosos, os chamados “programas de sobrevivência”. Este programa consistia basicamente na prestação de serviços sociais comunitários através de contato com profissionais de distintas áreas, membros do partido e voluntários, que prestavam serviços gratuitos sobretudo para pessoas pobres das comunidades negras e latinas dos Estados Unidos.

Assim, implementaram programas de escolas e hospitais comunitários ou à preço popular, principalmente no combate à anemia falciforme, negligenciada pelo governo norte-americano. Além disso, pela sua frente de educação socialista, também realizavam distribuição de alimentos e transportes para as crianças: “O currículo é desenvolvido para satisfazer as necessidades da juventude, para guiá­la em sua busca por verdades e princípios revolucionários. Um desjejum e um lanche bem balanceado são servidos diariamente” (SAMYN, 2018, p.282)

Em uma realidade de crescente privatização, sem um sistema público de saúde, e predominância das alas conservadoras na assistência social que, pensavam mais o conceito de caridade do que acesso a direitos, seus programas foram muito bem recebidos pela população e tiveram grande êxito de enraizamento entre as camadas mais pauperizadas da classe trabalhadora estadunidense.

II. “Escolas da Libertação” e Educação Popular:

As escolas de libertação, como foram chamadas, foram um dos programas mais interessantes do partido dos panteras negras, pelo fato que tratavam acerca de escolas de alfabetização e formação política desde jovem com as comunidades negras dos Estados Unidos. Elas dialogavam diretamente com a realização de dos princípios políticos contidos no documento paradigmático da ‘Plataforma e Programa do Partido dos Panteras Negras: O que queremos, no que nós acreditamos’ ou mais popularmente conhecido programa de 10 pontos[2], no qual é dito que:

“5. Queremos uma Educação para o nosso Povo que Exponha a Verdadeira Natureza desta decadente sociedade americana. Queremos uma Educação que nos ensine a nossa verdadeira História e o nosso papel na sociedade atual.

Acreditamos num sistema de ensino quê dê ao nosso povo um conhecimento de si mesmo. Se um homem não se conhece a si mesmo nem a sua posição na sociedade e no mundo tem poucas possibilidades de relacionar-se com qualquer outra coisa”[3]

No texto “A escola da libertação do ponto de vista de uma mãe”(p.293-302) publicada na obra “Por uma Revolução Anti-racista: uma antologia de textos dos Panteras Negras (1968-1971)” traz algumas contribuições acerca do funcionamento destas escolas. Neste escrito é demonstrado a preocupação que o Partido tinha com a nutrição dos mais jovens como pressuposto do ensino.

Em suas atividades já começavam o dia às 9hrs da manhã com um média de 3-4 crianças e com um café da manhã nutritivo baseado em cereais, leite e frutas, somente depois que todos comiam e as crianças junto com os voluntários limpavam as mesas, que se iniciavam os trabalhos educativos. Seu programa de alimentação popular entre os anos de 1968 e 1969 chegou a alimentar cerca de 20 mil crianças.

O modelo das escolas de libertação tinha por proposta de se adequar às dificuldades de ensino que cada aluno apresentava. Além disso, podendo contar com o fornecimento de atendimento hospitalar gratuito que já tinha sido consolidado nesta época. Nesta proposta pedagógica era também empregado, como recursos didáticos, atividades lúdicas, pinturas e inclusive a educação física, em que:

“As crianças também recebem uma oportunidade para exercitar seus talentos criativos desenhando a partir de ilustrações do jornal do Partido Pantera Negra, ou livremente. As crianças – se não os adultos – conhecem o que estão desenhando. Examinando as confusas formas coloridas no papel de uma criança de quatro anos, eu perguntei o que era "aquilo". Ela confiantemente respondeu: “É um grande armazém onde eles roubam o povo”. É isso mesmo" (SAMYN, 2018, p.298)

Enquanto isso, a educação física era observada por um voluntário encarregado pelo partido, que atuava como um mediador dos exercícios, e que por meio da educação física trabalhavam a confiança e a delegação de responsabilidades para os mais jovens: “Parte do treinamento incluía exercícios físicos. Cada uma das crianças assume um turno para “ensinar” a turma, liderando nos vários exercícios. Líderes são escolhidos de acordo com seu comportamento e grau de responsabilidade." (SAMYN, 2018, p.297)

Em suas escolas tinham aula sobre a história dos Estados Unidos e é  notável o desenvolvimento de um tipo de pedagogia própria através dos conceitos de escuta, libertação (associada a valores revolucionárias) e disciplina, (entendida para os jovens enquanto o cuidado consigo e com os demais coletivamente), de modo que:

"A educação é bem recebida. As crianças retêm o conhecimento bem, pois conceitos fundamentais e complicados são postos em termos simples. Definições como “Libertação significa Liberdade”, “Revolução significa mudança”, “Revolucionários são transformadores” são facilmente compreendidos pelas crianças, e cada uma das definições é explicada em mais detalhes no decorrer do estudo. Todas as personalidades chave no Partido Pantera Negra e na política são identificados com grandes pôsteres ou fotos, com um significado chave adicionado, de modo que as crianças não esquecerão esses indivíduos." (p.296)

"A disciplina para um grupo tão jovem não é um problema. A disciplina é reforçada em um sentido social positivo; crianças são ensinadas a serem responsáveis para consigo mesmas e para com os outros. (...) Se você quer ser um revolucionário, você deve ouvir”. Elas são também advertidas de que atos egoístas e irresponsáveis não são socialistas." (SAMYN, 2018, p.297)

É comentado também acerca da organização dos dias, no qual cada dia era dedicado para um estudo específico. Na sua organização das disciplinas escolares, 3 dias da semana eram passados dentro de sala de aula, às quinta viam filmes, e sexta reservado para excursões pela comunidade. Com destaque para os chamados “Dias de Campo”, no qual o partido levava as crianças à campo para aprender com exemplos práticos acerca de temáticas sociais, no sentido de:

“Os Dias de Campo são organizados em torno de atividades dos Panteras, e são planejados para demonstrar graficamente a natureza racista e de classe da sociedade na qual as crianças vivem (...) Durante a semana, as crianças estudaram sobre acontecimentos atuais e cultura revolucionária, bem como sobre teoria da luta de classes." (SAMYN, 2018, p.295-296)

O Jornal do partido, ‘The Black Panther”, chegou a ter circulação de até 250.000 edições de exemplares em circulação, no qual realizavam também formas de educação coletiva, por meio da polêmica pedagógica, em que socializam acúmulos e distintas visões sobre os rumos da organização. É notável a importância que davam para a Educação Política Comunitária e que convocaram seus membros e amigos do partido para a participação desta: “A educação das massas é primordial para o Partido de Vanguarda. Povo, participe deste programa revolucionário para continuar a luta por liberdade neste país." (SAMYN, 2018, p.283). Por fim, este breve escrito se encerra com um relato da mãe acerca de sua visão sobre o caráter emancipatório da educação realizada pelos Panteras Negras. No sentido de armar os jovens com as ferramentas para o cuidado, correção de condutas, formação política, compreensão e transformação do mundo. Em suas palavras:

"Não estou inteiramente certa do que meu filho de dois anos aprendeu, seja sobre os Panteras ou sobre a luta revolucionária, embora ele tenha se beneficiado da disciplina e da conduta diária com as outras crianças. Mas uma coisa é certa: o Partido Pantera Negra descobriu um conceito muito revolucionário na educação e, quando chegar o outono, os ‘pequenos transformadores’ marcharão para a escola bem nutridos de comida e pensamentos para ensinar a outros o que aprenderam. Eles crescerão plenamente capazes de confrontar a “estrutura de poder”, a classe dominante de forma efetiva, plenamente preparados para travar qualquer tipo de luta que for exigida para recriar a América de acordo com diretrizes mais humanas, justas e socialistas." (SAMYN, 2018, p.300)

REFERÊNCIAS:

●       CEM FLORES. Aprender com os Panteras Negras. 09 de Janeiro de 2019. Disponível em: < https://cemflores.org/2019/01/09/aprender-com-os-panteras-negras

●       JACOBIN. Resenha do filme: Vanguard of the revolution sob o título de 'O Socialismo dos Panteras Negras'. (Por Robert Greene). 20 de Setembro de 2023  Disponível em: < https://jacobin.com.br/2023/09/o-socialismo-dos-panteras-negras/

●       JACOBIN. O Legado do Partido dos Panteras Negras. 05 de Setembro de 2019. Disponível em: < https://jacobin.com.br/2019/09/o-legado-do-partido-dos-panteras-negras/>

●       MANOEL, Jones; LANDI, Gabriel (Org.) . Raça Classe e Revolução: A Luta pelo Poder Popular nos Estados Unidos - Volume 2: Coleção Quebrando as Correntes. São Paulo. Editora Autonomia Literária. 2020.

●       OUTRAS PALAVRAS. A história dos Panteras Negras em 27 Marcantes. 26 de Maio de 2017. Disponível em: < https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-historia-dos-panteras-negras-em-27-fatos-marcantes/

●       PARTIDO DOS PANTERAS NEGRAS. O Programa de 10 Pontos. 15 de Outubro de 1996. Disponível em: < https://www.marxists.org/portugues/tematica/1966/10/15.htm

●       SAMYN, Henrique Marques. Por uma revolução antirracista uma antologia de textos dos Panteras Negras (1968-­1971). Rio de Janeiro. Nova Cultura. 2018.

●       TRADUAGINDO. Jovens Panteras Negras explicam o Programa de Dez Pontos. 2 de Setembro de 2021. Disponível em: < https://traduagindo.com/2021/09/02/jovens-panteras-negras-explicam-o-programa-dez-pontos/


[1] - Sobre a operação COINTELRPO-FBI,  ver mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-historia-dos-panteras-negras-em-27-fatos-marcantes/

[2] - Ver mais em: https://traduagindo.com/2021/09/02/jovens-panteras-negras-explicam-o-programa-dez-pontos/

[3] - Nota da edição mais recente da coleção quebrando as correntes volume 2: “Na edição de 1972, o final da frase é alterado para: pouca possibilidade de saber qualquer outra coisa”