'Parâmetros para nossa política de Relações Internacionais' (P. Acácio)

Por trás da questão da leitura leninista do imperialismo contra a leitura oportunista do mundo multipolar está a defesa do princípio de independência de classe, de hegemonia do proletariado.

'Parâmetros para nossa política de Relações Internacionais' (P. Acácio)
"Camaradas, fiz esse longo esforço de análise do MCI e de nossas tarefas nele para que a militância possa pensar e se apropriar de qual é o cenário no qual nos encontramos e como podemos atuar nele para avançar o movimento comunista. A burguesia está articulada internacionalmente, é dever dos comunistas avançar na sua articulação internacional, sempre tendo em mente que a revolução, apesar de ocorrer na maior parte das vezes a nível nacional, está fadada ao fracasso sem sua internacionalização."

Por P. Acácio para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, na etapa de base do meu núcleo, apresentei o seguinte destaque à seção “Sobre nossa posição no Movimento Comunista Internacional” das nossas teses sobre Estratégia e Táticas (destaques esses que estão de sugestão aqui para todos os camaradas!):

14. Isso implica uma coordenação de ações e diálogos com os demais Partidos Comunistas e Operários revolucionários, como o Partido Comunista da Grécia (KKE), o Partido Comunista da Turquia (TKP), o Partido Comunista do México (PCM), o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE), entre outros. como os integrantes da Ação Comunista Europeia (ACE), o Partido Comunista do México (PCM), o Partido Comunista da Venezuela (PCV), o Partido Comunista Argentino (PCA), entre outros. [1]

15. O Partido buscará a participação na Revista Comunista Internacional (RCI), tanto contribuindo com materiais quanto em seu Conselho Editorial. Também publicará as edições da RCI em português. Entendendo que a periodicidade anual da RCI é insuficiente para forjar unidade ideológica no MCI e para rumar para a construção de uma nova Internacional Comunista, deveremos disputar politicamente para que sua periodicidade seja pelo menos trimestral, com ampla liberdade de polêmica pública entre as organizações que constroem a RCI. É fundamental difundir a essencial prática leninista de polêmica pública no pólo revolucionário do movimento comunista internacional (MCI).

16. O Partido buscará a organização de um fórum permanente de organizações e partidos revolucionários da América Latina de todo o continente americano. Esse fórum deverá organizar não apenas discussões, mas a articulação da luta revolucionária do proletariado em nosso continente. Devemos construir esse fórum visando o reforço da ala revolucionária do MCI a nível internacional e visando a construção de uma nova Internacional Comunista. Devemos disputar politicamente para que esse fórum tenha site e imprensa próprias, com ampla liberdade de polêmica pública, buscando avançar na difusão dessa fundamental prática leninista na construção da unidade ideológica dos partidos do continente.

Começando pelo parágrafo 14: a Ação Comunista Europeia é fundada [2] em novembro de 2023, após a dissolução [3] da Iniciativa Comunista Europeia em setembro do mesmo ano, após 10 anos de atividade. O caráter da ICE era o de articular ações comuns, debates e trocas bilaterais de experiência entre as organizações participantes a partir de uma certa base de princípios e linhas políticas, das quais as mais fundamentais para esse debate que trago são:

“Contra a guerra imperialista, pela eliminação das suas causas, as contradições inter-imperialistas e a concorrência.”; “Contra a burguesia em todos os estados capitalistas, as políticas anti-populares dos governos e partidos burgueses, sejam social-democratas ou liberais.”  (Documento de dissolução da ICE, link disponível na referência nº 3)

Nesse sentido, a dissolução da ICE e a criação da ACE ocorre pelo seguinte motivo:

“Alguns partidos contestaram o caráter do imperialismo como capitalismo monopolista, o estágio superior do capitalismo, como definido pelos princípios leninistas. Posições foram exprimidas que limitavam o fenômeno do imperialismo aos EUA e sua política externa, e discordavam que cada estado capitalista participa do sistema imperialista de acordo com seu poder econômico, político e militar, no contexto do desenvolvimento desigual.” (Referência nº 3 nessa tribuna)

A avaliação acima citada é do KKE, e ela se mostra correta pelo fato de que vários partidos que faziam parte da ICE, sob aquela bandeira de princípios, começaram já em maio de 2022 a frequentar as reuniões da Plataforma Mundial Anti-Imperialista, que tem como linha política fundamental a defesa de que a contradição “central” do mundo hoje é a contradição entre o imperialismo e os povos oprimidos, entendendo o imperialismo hoje como a política externa agressiva dos EUA (e da UE em “2º lugar”, a depender da organização), pois esse é o país econômica e militarmente mais poderoso do mundo, de modo que a união da Rússia e da China configura o caminho anti-imperialista para libertação dos povos e toda essa bobajada do oportunismo multipolar. [5]

Os partidos da ICE que frequentaram a Plataforma são: Partido dos Trabalhadores Húngaros, Partido Comunista da Polônia, Polo de Ressurgimento Comunista na França (PRCF), Partido Comunista da Boêmia e Morávia, Partido dos Trabalhadores Socialistas Croata, Partido dos Trabalhadores da Irlanda, Partido Comunista (Itália), Novo Partido Comunista da Iugoslávia e Partido dos Trabalhadores Comunistas Russos (KPSS-CPSU).

Fica claro aqui que a questão da leitura leninista do imperialismo contra a leitura oportunista do mundo multipolar foi a questão central dessa dissolução e, mais ainda, trata-se do fato de que ela é a questão central que divide o Movimento Comunista Internacional (MCI) hoje. Entretanto, essa questão, apesar de ser central, esconde a questão central de fato por trás de si, que é a defesa do princípio de independência de classe, de hegemonia do proletariado. Isso pelo seguinte motivo, quando se coloca que os Estados Unidos na verdade são O imperialismo no mundo hoje, pois se entende imperialismo como a política econômica e geopolítica agressiva do país mais poderoso do mundo, se contrabandeia por trás disso a ideia muito clara de que qualquer governo – seja ele burguês de qualquer tipo – pode ser anti-imperialista desde que, de alguma maneira, busque algum nível de disputa e divergência com a política externa dos EUA. Logo, colocado que a contradição principal do mundo hoje seria a contradição entre imperialismo e países explorados por esse imperialismo, secundarizando absolutamente a contradição entre proletariado e burguesia, a única conclusão política disso é que, abandonando a construção de uma política revolucionária de classe, sem concessões à burguesia, o movimento comunista deve, na verdade, apoiar governos burgueses desde que apresentem qualquer tipo de hostilidade perante os EUA. Os objetivos aqui são dois, criar base de apoio para a expansão imperialista russa e chinesa, quebrando a resistência ideológica de partidos comunistas pelo mundo, e difundir entre o movimento comunista uma prática política reboquista em relação a burguesias “nacionalistas” de todo tipo. É o fim de qualquer possibilidade de revolução e o reino do oportunismo, do peleguismo! Recomendo fortemente aos camaradas que busquem se informar sobre o etapismo e a Declaração de Março de 58 do PCB.

Desta maneira, camarada, podemos contextualizar que o movimento comunista no mundo todo passa hoje pela disputa entre essa linha revolucionária e essa linha oportunista – sendo isso que, objetivamente, divide o MCI em dois pólos. Todo o processo de cisão do PCB e a criação do PCB-RR se inserem nesse contexto e, evidentemente, não é coincidência. O velho PCB ficou para o lado oportunista e nós nos organizamos para garantir a construção da linha revolucionária no Brasil. Portanto, camaradas, no destaque de número 14 trata-se de nos localizarmos em qual campo nos encontramos hoje no movimento comunista. Daí, a necessidade de citar alguns partidos e a ACE, que hoje é, em termos de articulação internacional do movimento comunista, o que há de mais avançado.

Camaradas no meu núcleo levantaram a seguinte divergência: de que a ACE é extremamente nova, logo não poderíamos “nos enfiar em mais uma coisa sem conhecê-la direito”, de que não tínhamos acúmulos sobre todos os partidos que compõem a ACE, logo não tínhamos como incluí-la nesse destaque e que fazê-lo seria seguidismo do KKE.

Essas posições estão profundamente equivocadas.

Primeiro, camaradas, é importante colocar a ACE nesse destaque pelos motivos acima elencados: ela é o que de mais avançado em termos de articulação internacional em nosso campo e ela só foi fundada e sua predecessora dissolvida pois a unidade de ação se tornou impossível com as divergências que hoje dividem todo o MCI, logo a ACE foi fundada exatamente para se separar da linha oportunista e poder construir suas ações dentro das diretrizes políticas da linha revolucionária, que é exatamente o campo político no qual o PCB-RR se coloca, quanto a isso, não há discussão.

Segundo que não estamos “nos enfiando na ACE”. Tendo estabelecido que ela está em nosso campo político, estamos buscando priorizar o estabelecimento de diálogo e ações comuns com todas as organizações que a compõem, se trata da construção de relações bilaterais e eventuais campanhas internacionais em datas combinadas, camaradas.

Terceiro, em que mundo é seguidismo do KKE buscar diálogo e, portanto, capacidade de disputa e influência política (para disputas que temos que fazer inclusive contra o KKE) dentro da Europa? Nos isolar desses partidos – ainda mais que o que está sendo proposto são só relações bilaterais e eventuais campanhas conjuntas – não nos trás nada de positivo, impede que a gente receba acúmulos de outras organizações, impede que tenhamos uma leitura melhor do movimento comunista europeu e impede que nossos debates cheguem mais longe no campo internacional.

Por fim, camaradas, a ACE não é uma coisa nova sobre a qual a gente não sabe nada. É fato que ela foi fundada há pouqcoss meses, mas, de novo, sua razão de fundação é uma disputa política internacional sobre a qual estamos plenamente esclarecidos enquanto organização e sobre a qual temos posição fechada e os três principais partidos da ACE, seus dirigentes políticos de fato, são partidos com os quais temos relações bilaterais há anos, partidos com os quais temos boa relação e que conhecemos bem: o KKE, o TKP e o PCTE. Não se trata, portanto, de algo novo, camaradas!

Por fim, a lista de partidos citados nominalmente se justifica pela mesma divergência política internacional analisada anteriormente. São partidos que publicamente sempre se manifestam pela leitura leninista do imperialismo e pela política de independência de classe. O PCV, particularmente, em sua luta encarniçada contra o PSUV – que há anos já deixou clara sua política burguesa, oportunista e de abandono até do reformismo do período chavista – vem vivendo e denunciando um exemplo histórico do papel profundamente burguês que a “esquerda” não-revolucionária tem, ainda mais quando confrontado de maneira firme, dura e constante por um partido revolucionário. Poderíamos citar outros partidos e organizações que não estão na lista daquele destaque, mas que tranquilamente poderiam estar, como a KO (Organização Comunista, da Alemanha), a Communist Workers Platform (que tem um contato direto recorrente já com o PCM), entre outros. E aqui já destaco minha limitação – para impelir a formulação coletiva – da realidade dessa disputa do movimento comunista na África, Oceania, Ásia e Caribe.

Seguindo para o artigo 15, cabe primeiro um esclarecimento do que é a Revista Comunista Internacional (RCI). É um livrinho anual, que conta em torno de 100 páginas e uns 5 textos por edição, mais recentemente sendo uma publicação mais centrada nas organizações do campo revolucionário do MCI. Pretende-se um espaço de debate – e, portanto, disputa – internacional entre os partidos. Entretanto, entendo a RCI como extremamente limitada pela combinação de sua periodicidade e tamanho. Me parece impossível sustentar um debate de qualidade e forjar qualquer tipo de unidade ideológica por meio da divergência lendo 5 textos que somam 100 páginas a cada ano, 5 textos esses escritos por quaisquer 5 organizações de um universo de muitas mais. A RCI hoje não tem os moldes para cumprir a tarefa que pretende cumprir. Em segundo lugar, até onde pude averiguar e até onde me informaram, nós, do PCB-RR, somos a única organização do mundo que defende a polêmica pública leninista e que tem a compreensão e formulação que temos sobre seu papel. Desta maneira, fica claro que temos uma disputa a construir para que essa questão, que consideramos fundamental para a construção da revolução, seja difundida para todos os partidos revolucionários do mundo. Entretanto, naturalmente, isso encontrará resistências.

É importante chamar a atenção dos camaradas para a redação do meu destaque ao parágrafo 15 quando falo de “disputar politicamente”, ou seja, devemos – entre mediações, demarcações e concessões – avançar o papel e o espaço da polêmica pública no MCI.

Entrando agora no parágrafo 16. A tese, em sua versão original, defende que criemos um espaço latino-americano análogo ao que é a Ação Comunista Europeia, ou seja, um espaço permanente de debate e diálogo, fundado em alguns princípios políticos de acordo geral, sem qualquer capacidade ou pretensão de centralização dos partidos membros e que, analisando as dinâmicas e conjunturas continentais, busque organizar ações conjuntas. Essa sugestão, em relação ao que temos hoje no continente, é sem dúvidas um avanço gigante, porém é absolutamente realista que tenhamos um avanço ainda maior com os destaques que apresento ao parágrafo.

Primeiro, percebam o destaque de “da América Latina” e sua substituição por “de todo o continente americano”. A esse ponto do destaque, surgiram em meu núcleo divergências que iam no seguinte sentido: a América Latina tem uma dinâmica política própria; é necessário um espaço no qual possamos articular somente para a América Latina; a América Latina precisa de uma organização só sua etc.

Deixando de lado aqui a crítica ao que considero um linha que tende a ser de direita, de um chauvinismo latino-americanista no movimento comunista (e não foi nesse sentido a divergência que os camaradas apresentaram), acho que os camaradas, apesar de absolutamente errados, apresentaram questionamentos válidos e que merecem ser respondidos com seriedade.

Primeiro, quais organizações tenho em mente quando falo da América do Norte? Dos Estados Unidos são: Communist Workers Platform (CWP), Party for Socialism and Liberation (PSL) e People’s Forum. Peço aos camaradas que conheçam organizações que tenham uma linha próxima ou em cima do muro em relação ao campo revolucionário do MCI de Porto Rico, Havaí e outras colônias dos EUA que me informem para enriquecer essa lista. Do Canadá me refiro exclusivamente ao Partido Comunista do Canadá. Do PSL tratarei posteriormente, pois ele possui uma contradição ideológica bastante profunda.

Isso tudo posto, os camaradas estão errados pois não percebem que, num continente de 35 países e vários partidos comunistas e organizações revolucionárias que comporiam esse fórum proposto, 4 organizações são da América do Norte. O fórum seria em sua esmagadora maioria composta por partidos latino-americano ou caribenhos, nada impediria o debate e a organização de ações conjuntas somente na América-Latina e, o que é muito importante, os partidos da América do Norte, tão inseridos em um mundo político absolutamente liberal e que, por se encontrar na boca do dragão – como diziam os Panteras Negras – tendem fortemente a uma linha antileninista de mundo multipolar, estariam em forte contato com os debates políticos dos partidos da América Latina neste fórum! Os partidos latino-americanos teriam a possibilidade de aproximar os norte-americanos, combater os desvios da política norte-americana e, principalmente, tendo em vista a importância histórica dos EUA para a América Latina, teríamos influência política direta no centro mundial do imperialismo via nosso próximo contato com os partidos locais neste fórum. Percebam, não se trata de submeter o movimento comunista latinoamericano ao norte americano, é exatamente o contrário!

Neguei na etapa de núcleo propostas de consenso que visavam manter o caráter exclusivamente latino-americano do fórum, adicionando ao final que “buscaremos contato com os partidos norte americanos” pois não se trata de o PCB-RR sozinho buscar conversas com esses partidos, isso não teria nem de perto o efeito necessário. É fundamental integrar esses partidos ao fórum pois o fórum não será um espaço de meras bilaterais, mas um espaço maior, com debates mais complexos e envolventes, nos quais os partidos norte americanos terão um contato muito mais imersivo e dinâmico com as questões latino-americanas, de maneira que a influência que sofrerão será muito maior e a socialização de acúmulos, em ambos os sentidos, será muito mais produtiva.

É nossa tarefa aqui também difundir a RCI nesse fórum, além de ter uma imprensa própria, para que tenhamos espaço para os debates, repasses e notícias necessárias.

Gostaria agora de esclarecer alguns pontos sobre a questão de reforço da ala revolucionária do MCI, criação de uma nova internacional e a diferença das propostas a nível global (no destaque 15) para a de caráter regional (destaque 16).

Sobre reforçar a ala revolucionária do MCI no continente americano, é importante destacar que esse fórum que proponho não deve ser composto somente pelos partidos que já tem consolidada essa linha política da esquerda do EIPCO, do campo revolucionário do MCI. Pelo contrário, um dos papéis fundamentais desse fórum será integrar partidos mais centristas, partidos menores e meio perdidos, partidos em cima do muro e, por meio da dinâmica de debates que apontei acima, realizar a disputa com as alas oportunistas desses partidos e aproximá-los cada vez mais do campo revolucionário. Esse fórum terá inicialmente como secundário o caráter de organização de ações unitárias, seu caráter principal será a disputa ideológica no continente contra a influência dos partidos oportunistas (principalmente PC do Chile, PCdoB, PC de Cuba e também o foro de São Paulo), dessa maneira reforçando o campo revolucionário. Se trata de uma dinâmica de disputa análoga ao que o KKE vem fazendo a nível internacional desde a fundação do EIPCO e que foi fundamental para a criação de um pólo revolucionário internacional, e sem o qual a formação da linha política revolucionária no antigo PCB que levou à atual cisão seria impossível.

Sobre a criação de uma nova internacional e a diferença das propostas a nível global (no destaque 15) para a de caráter regional (destaque 16). A nível internacional fica claro na tese 15 que o proposto é algo mais simples, não proponho nada além de uma revista que mantenha o debate, o contato e a construção da unidade ideológica, não proponho uma organização, uma internacional, nem um fórum de encontros e de articulação de ações conjuntas. Isso se deve ao fato de que o movimento comunista não tem ainda as sínteses coletivas a nível global necessárias que justificam tamanha unidade de ação e organizativa e, principalmente, tal fórum global prejudicaria a participação e a disputa política que o campo revolucionário faz no EIPCO e regionalmente, disputa que tem o mesmo caráter que nosso fórum deve ter na América Latina, de disputa ideológica profunda contra os oportunistas – esse é o caráter da nossa presença e da de vários desses partidos na FMJD também.

Mas aí podem me perguntar, se tal fórum mais bem estabelecido não faz sentido a nível global, por que estou defendendo que haja esse fórum no continente americano? Primeiro, como já dito anteriormente, a América Latina de maneira mais clara, e o continente americano como um todo se olharmos mais de perto, possui uma dinâmica política interna bem estabelecida. Pensemos, por exemplo, nas ondas rosas na Am. Latina, ou na eleição de Trump e o papel de Steve Bannon nas eleições do continente, principalmente na eleição de Bolsonaro. Agustín Cueva faz uma análise fenomenal dessa dinâmica continental no prefácio de seu livro O desenvolvimento do capitalismo na América Latina, chamado “a fluída conjuntura da América Latina” focado especialmente na década de 1970. As pautas que movimentam a luta de classes no continente – especialmente na Am. Latina – têm caráter e determinações muito parecidas entre os países da região (lutas contra privatizações, lutas por serviços públicos e direitos trabalhistas, por exemplo). Isso justifica uma maior unidade de ação entre as organizações políticas do continente, da mesma maneira que a burguesia local também se organiza. Além disso, visto a influência constante dos EUA na política latino-americana, é essencial que tal fórum contemple os partidos da América do Norte para que possamos influenciar diretamente a política do país que mais tem influência na política latino-americana. E, reparem, não proponho aqui uma Internacional Comunista no continente americano. Somente defendo, como disse acima, um espaço de debates, diálogo e articulação entre as organizações presentes, baseados em alguns princípios políticos basilares, sem qualquer poder de centralização.

Em segundo lugar, como se prova pela própria ICE e pela ACE, fóruns locais com as características aqui definidas não impedem a atuação a nível global em espaços como o EIPCO, não nos segregam das outras organizações e, portanto, não nos impedem de fazer a tão necessária luta político-ideológica. Ainda não podemos prescindir da disputa no interior do EIPCO, a luta entre a linha oportunista e a linha revolucionária ainda é essencial lá, para ganhar para o nosso lado o máximo de comunistas a nível internacional.

A própria Plataforma vem disputando o EIPCO, a qual tem um caráter muito mais de organização política do que de fórum, como se prova pela presença de partidos membros de todo o mundo no ato do aniversário de 50 anos do levante politécnico em Atenas (precedendo o 5º encontro internacional da Plataforma, também em Atenas), deixando claro a intenção da organização e de seus financiadores de disputar com o KKE até suas bases políticas na Grécia [6]. Mas há uma diferença fundamental de cenários entre o campo oportunista e o revolucionário que permitem à Plataforma ter esse caráter mais organizacional e não permitem o mesmo ao campo revolucionário, que é o fato de a Plataforma ter países que a financiam e que impulsionam ideologicamente seu projeto político, como é claro pela participação do PSUV e do embaixador venezuelano em encontros dessa organização, além da grande probabilidade da China e/ou da Rússia terem algum envolvimento direto, visto a afinidade ideológico-política entre a Plataforma e esses países (entretanto, não encontrei nenhuma confirmação dessa conexão).

Percebe-se que a Plataforma disputa o EIPCO pela entrada recente do PC do Quênia no Solidnet, cuja publicação mais antiga é de 2023 [7]. Além desse partido, há outros partidos que integram tanto a Plataforma (ou ao menos foram um vez em reuniões em suas reuniões) como o EIPCO: PC da Bélgica (1989), Partido dos Trabalhadores Comunistas Russos do Partido Comunista da União Soviética, PC da Polônia, PC da Bolívia, PC Libanês, PC da Boêmia e Morávia, Partido Popular do Panamá, PC do Peru - Pátria Roja e PC Peruano, Partido Socialista Trabalhista da Croácia, Novo PC da Iugoslávia, PC (Suíça), PC (Itália), PC Italiano (2016), Partido dos Trabalhadores da Hungria, Partido dos Comunistas do Quirguistão, Partido Comunista Colombiano e Partido Comunista da Argentina.[8] É curioso analisar a presença desses partidos nos encontros recentes do EIPCO: o PC da Polônia não compareceu nem em 2022 (ano de fundação da Plataforma, em maio, sendo que o EIPCO foi em outubro) nem em 2023, a primeira participação da história do PC (Suíça) no EIPCO foi em 2023, além disso – o que pode ser coincidência – quatro partidos faltaram em 2022 mas foram em 2023 (PC da Bolívia, PC Libanês, PC da Boêmia e Morávia e PST da Croácia).

Analisando as declarações dos partidos que compõem ambos os fóruns nos dois últimos encontros do EIPCO, percebemos algumas questões curiosas e importantes:

PC da Bélgica: no 22º encontro do EIPCO reforça de maneira firme o caráter interimperialista da guerra da Ucrânia, aponta a necessidade de sustentar a teoria leninista sobre o imperialismo e denuncia que não há o que ganhar escolhendo entre burguesias na disputa interimperialista, entretanto, no 23º encontro, em sua declaração que é um recorte das resoluções do 37º congresso do partido, defende uma linha multipolar, dizendo que os EUA atacam por todos os meios a Rússia, a China “ou qualquer outro país que tenha escolhido seguir o caminho de soberania nacional e independência”. Apontam também que a guerra da Ucrânia é uma guerra de agressão contra não só a Rússia, mas contra qualquer país que construa uma política de independência e desenvolvimento soberano. Apresentam, ainda, a proposta de paz chinesa para o conflito na Ucrânia. Por fim e muito intrigantemente, apresentaram no 5º encontro internacional da Plataforma (Atenas, 27/11/23, um mês após o EIPCO) literalmente o mesmo discurso. Não há em qualquer momento no texto sequer menção a essa mudança radical de linha política e, no site do Partido, não encontrei qualquer menção ao 37º congresso do partido. Em seu site, numa declaração de janeiro de 2023 sobre a guerra na Ucrânia aparece uma posição em termos um pouco mais brandos, mas ainda assim alinhada às teorias oportunistas do mundo multipolar. [9]

PST da Croácia: o discurso desse partido no 23º EIPCO é integralmente dedicado a defender a Rússia em relação a invasão ucraniana, apontando que se trata de uma guerra absolutamente defensiva por parte da Rússia, sem qualquer interesse territorial expansionista, dizem que a Rússia não entra nessa guerra “a partir de uma posição imperialista” e, reforçando a posição do mundo multipolar, afirma que só o Ocidente, o mundo branco, condenou a Rússia. [10]

NPC da Iugoslávia: defende que a “operação militar especial” russa na Ucrânia é uma correta luta contra o governo fascista pró-imperialista de Kiev, e que a operação representa apoio ao ucranianos anti-fascistas e é, ao mesmo tempo, a luta contra o “imperialismo ocidental” que ameaça os interesses russos. Por isso, afirmam, o partido apoia e participa ativamente das iniciativas implementadas pela Plataforma, que eles mesmos afirmam que conta com muitos membros do EIPCO. [11]

PC (Suiça): O texto já abre dizendo que estamos numa fase histórica na qual a contradição principal é entre o decadente sistema imperialista atlântico em colisão com a irreversível transição do mundo unipolar para o multipolar, o qual permite relações internacionais mais igualitárias e democráticas, que beneficiam processos de “libertação nacional”, citando as “revoluções populares” na África contra a dominação francesa, igualiza isso com a luta do povo palestino e a luta sérvia contra o “separatismo kosovar armado pelos EUA” (sic). Afirmam ainda que esse momento é interessante não só para “os povos do Sul”, mas também para os do centro imperialista, pois a crise que virá abrirá oportunidades extremamente interessantes até para os partidos comunistas e operários europeus. Em seguida, e de maneira fascinante – parece quase uma paródia didática de algum PC etapista na década de 50 – dizem:

Nesse estágio, portanto, precisamos ser capazes de unir os marxistas-leninistas com os setores patrióticos da burguesia, que se opõe à expansão da OTAN e que desejam cooperar de maneira pacífica com as economias emergentes [...]. Estamos falando dos setores que se opuseram às sanções que a União Europeia impôs à Rússia e que querem se abrir à China. A linha ideológica marxista-leninista certamente é importante para nós, MAS não podemos ter medo de nos aliar com aqueles anti-imperialistas e anti-sionistas que, mesmo que ainda não se reconheçam no socialismo científico, estarão ao nosso lado construindo o multipolarismo hoje [...]. O multipolarismo é uma fase que permite a acumulação de forças revolucionárias [...]”. (Grifos e negritos meus).

A declaração de três páginas defende uma linha surpreendentemente caricata para o movimento comunista do século XXI, o tipo de coisa que se ouve da boca de figuras como Elias Jabbour. É muito interessante que eles não escondem o que foi explicado mais no início desta tribuna: o abandono da independência de classe escondido por trás da ideologia de mundo multipolar. É realmente muito interessante como esse partido, cuja primeira participação no EIPCO é só em 2023 e a primeira participação na Plataforma é no ano interior, é o mais franco e sem papas na língua em relação ao que é a ideologia do mundo multipolar: defesa dos interesses imperialistas chineses e russos e abandono da política revolucionária; como o próprio partido diz, devem se aliar com os burgueses que queiram se abrir para a China. Documento realmente fascinante. [12]

Para não me alongar, basta registrar que o PC (Itália) e o Partido dos Trabalhadores da Hungria expressam a mesma linha que todos esses partidos.

A Plataforma, como forma de disputar contra a Ação Comunista Europeia, vem concentrando em seus encontros uma série de partidos italianos em torno de sua linha política. Sabemos que, com o fim do PCI, o movimento comunista italiano se fraciona há 30 anos em uma série de vários partidos comunistas, em sua maioria minúsculos e sem unificação. Na ACE, temos o Fronte Comunista (Itália), organização marxista-leninista importante (apesar de ainda pequena) que tem como juventude a dinâmica FGC. A Plataforma, visando disputar as bases na Itália (e friso essa disputa na Itália por não haver tantas organizações de nenhum outro país na Plataforma, salta aos olhos), já trouxe para seus encontros: Rede (Red) de Comunistas, Rede (Rete) dos Comunistas, Partido Comunista (tália) e Partido Comunista Italiano. Nas intervenções dessas organizações nos encontros em que compareceram não há ainda qualquer menção a uma unificação, porém tanto o PC (Itália) quanto o PCI foram em manifestações com faixas da Plataforma. Ainda é coisa pequena, mas pode ser um esforço no sentido de unificar e disputar no país. [13]

Por fim, gostaríamos de comentar a crescente presença de partidos do continente americano na Plataforma, a cada encontro que passa novos partidos aparecem, principalmente a partir do terceiro (Belgrado, 12/22), são eles: o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Party for Socialism and Liberation (PSL), Partido Comunista Chileno (Ação Proletária), Partido Comunista Peruano, Partido Comunista do Peru – Pátria Roja, Pátria Para Todos (PPT, Venezuela), Partido Popular do Panamá, PCdoB, Partido Comunista da Bolívia, Partido dos Comunistas EUA, Partido Comunista da Argentina, Partido Comunista do Quebec e o Partido Comunista Colombiano. Além disso, é importante chamar a atenção para a presença de um embaixador venezuelano no segundo encontro da Plataforma em Paris (10/22), de um deputado da Assembleia Nacional Venezuelana (no encontro em Caracas, 3/23) e do PSUV em mais de uma ocasião.

Trouxemos todas essas informações para reforçar o seguinte ponto: o EIPCO está em disputa entre o campo revolucionário do MCI e o campo oportunista, formalizado (mas não restrito a) na Plataforma. O movimento comunista no continente americano está em disputa também, como podemos ver. O movimento comunista em nosso continente ainda é ideológica e politicamente bastante frágil, pode e deve ser disputado. O racha em nossa organização foi acompanhado de perto por todo o continente e gerou tensões em várias organizações e respeito a nós, temos que tomar a responsabilidade de avançar na disputa pela linha revolucionária em nosso continente! Reforçando um fórum comunista aqui, o campo revolucionário terá mais força para disputar o continente, como já explicado, mas por sua vez reforçará a disputa a nível global, encabeçada principalmente pelo KKE.

O KKE E A QUESTÃO DA LGBTFOBIA – POR QUE ESSA NÃO É UMA QUESTÃO QUE DIVIDE OS CAMPOS DO MCI?

Apesar de não ter aparecido no meu núcleo, a opinião de que o KKE não é um exemplo para nada, não é um partido revolucionário e coisas do tipo devido a sua posição reacionária sobre a questão LGBT é, infelizmente, bastante popular entre nossos camaradas. Se trata de uma  opinião absolutamente errada, mas é compreensível, e deve-se explicar o porquê de ser errada.

Como já deixado claro em todo o texto acima, o que divide o movimento comunista hoje entre revolucionários e oportunistas é a disputa em torno da caracterização do imperialismo hoje e, atrelado a essa disputa, a questão fundamental da independência de classe do proletariado, que engloba a superação do etapismo no movimento comunista, a superação de teorias do mal menor que levam ao reboquismo, a superação de vícios eleitoreiros e trás a tona a questão fundamental da hegemonia do proletariado (recomendo fortemente o prefácio do camarada Vinicius Okada à coletânea de Lenin do Lavrapalavra Estratégia e tática de hegemonia proletária [14]). O critério imposto pela realidade que levou a atual divisão do MCI é este, não se trata da minha opinião, dos critérios que eu ou o KKE ou que qualquer pessoa tenha escolhido para analisar as coisas nem nada do tipo, basta ler as declarações dos partidos envolvidos na disputa pelos dois lados, a declaração de dissolução da ICE e de fundação da ACE e, particularmente, as várias declarações e textos de partidos da Plataforma e dos próprios veículos de comunicação dela sobre a linha política do KKE.

Desta maneira, o parágrafo 14 apresentado no início desta tribuna trata de nos localizar em um desses dois campos, que existem para além de nossa vontade. É óbvio e incontroverso que o campo revolucionário é liderado pelo KKE e, segundamente, pelo TKP, e que é nele que devemos nos posicionar (se quisermos atuar no âmbito do EIPCO, onde se encontram os marxistas-leninistas). Isso leva ao obrigatório reconhecimento de que é o KKE o partido que hoje encabeça a luta por uma linha revolucionária. Para além desta correta lógica, basta ver – como já dito – a atuação internacional do KKE nos últimos 30 anos e sua atuação na própria Grécia: basta buscar notícias da atuação da PAME (a corrente sindical europeia dirigida pelo KKE) ou da própria atuação do KKE perante o processo eleitoral que levou a eleição do Syriza (um partido de nova esquerda progressista) e a posterior capitulação desse mesmo partido – uma vez no governo – à política de austeridade imposta pela Alemanha. Basta verificar a atuação do KKE na luta contra o aumento da carga horária de trabalho na Grécia ano passado e na luta que ocorre agora contra a privatização do ensino superior público no país. Basta verificar o nível de mobilização e de ação direta que o KKE organiza contra o esforço militar da OTAN na Ucrânia e na Palestina. Os exemplos são muitos e fáceis de achar e, para quem quiser estudar a linha política do KKE, deixamos de referência um texto deles no qual elencam os principais documentos para entender o funcionamento e o sucesso do partido até agora, deixaremos de referência também o link para a página do site deles que compila as resoluções do últimos congressos (disponíveis em português, espanhol, inglês e em outras línguas) [15]. A capacidade de mobilização e organização do proletariado de seus país em torno da linha revolucionária é algo ímpar ao KKE.

Entrando na polêmica da linha sobre a questão LGBT, é importante destacar que o PC de Cuba é vanguarda mundial na questão LGBT e é aliado político e ideológico de qualquer social-liberal na América Latina, nos espaços internacionais difunde toda sorte de progressismo oportunista. O PSOL tem uma linha absolutamente progressista na questão LGBT e hoje se encontra firmemente encravado no campo petista da política brasileira. O próprio Syriza tem uma linha progressista sobre a questão LGBT (e encabeçou as principais conquistas de direitos formais à população LGBT nos últimos 10 anos no país, onde encontrou oposição do KKE), mas, em termos da construção da hegemonia proletária, entregou a classe trabalhadora nas garras do imperialismo alemão durante a crise gerada por 2008 e o KKE foi a única força relevante do país a denunciá-lo desde o início e liderar a luta da classe trabalhadora grega.

Isso tudo colocado, espero que esteja óbvio – pois inclusive já foi citado nesse texto – que considero um problema gravíssimo a linha do KKE sobre questão LGBT e considero uma tarefa fundamental de nossa atuação no campo revolucionário do MCI fazer essa disputa ideológica, buscando superar os desvios dentro de nosso campo político e avançar na necessária unidade ideológica. E não estamos sozinhos nessa luta, o próprio TKP – partido absolutamente próximo do KKE – é vanguarda na Turquia na luta revolucionária na questão LGBT, pauta muito próxima da luta pela secularidade, pauta na qual também são vanguarda no país. E é exatamente nesse espírito – e no espírito de combater todos os desvios que existem e existirão no campo revolucionário do MCI – que faço o destaque no parágrafo 15, e até no 16, tendo em mente que no continente americano – e na américa-latina particularmente – o movimento LGBT, com ênfase ao movimento transsexual, é bastante mais forte que no resto do mundo; no continente a pauta trans é uma das pautas centrais do debate público há anos e a população LGBT encontra-se organizada (relativamente) em partidos e coletivos por todo o continente encabeçando a luta por seus direitos. Dessa maneira, um fórum comunista do continente americano seria essencial para a superação da contradição da LGBTfobia no campo revolucionário do MCI.

Desta maneira, é importante estar claro que sim, o KKE é um partido revolucionário, em quase todos as questões políticas e nas questões organizativas é absoluta referência para qualquer partido que hoje se pretenda revolucionário, reconhecer o papel do KKE e a linha política tática e estratégica absolutamente positiva do partido não significa ignorar os desvios políticos do partido, ignorar suas origens nem deixar de realizar a tão necessária crítica. 

O PSL E A PLATAFORMA MUNDIAL ANTIIMPERIALISTA – CONTRADIÇÕES ENTRE POLÍTICA INTERNA E EXTERNA E O MOVIMENTO COMUNISTA NOS ESTADOS UNIDOS [16]

O PSL (Party for Socialism and Liberation) é um partido marxista-leninista fundado em 2004, que já conta com 3 congressos (2010, 2013 e 2016). Nos últimos anos, o partido realizou um bom trabalho nas redes sociais, ganhando atenção do movimento comunista a nível global. Além disso – pelo que é possível averiguar nas redes sociais e no jornal do PSL, visto o caráter relativa ou completamente clandestino do trabalho – o PSL é uma força relevante nessa nova era de sindicalismo nos EUA, com trabalhadores de empresas enormes – como a Amazon e Starbucks – conseguindo fundar sindicatos, por exemplo. O programa do PSL é excelente, apontando pontos revolucionários e sem concessões à burguesia para as principais questões do país: LGBTfobia, racismo contra as diversas etnias imigrantes e nacionalidades dentro dos EUA (incluindo suas colônias) e contra a população negra, saúde pública, moradia urbana e toda uma reestruturação da sociedade tendo em mente a primazia da contradição capital-trabalho. Recomendo fortemente a leitura do programa do partido. Além disso, o PSL vem sendo um dos principais organizadores das diversas manifestações e ações diretas em defesa do povo palestino nos EUA, principalmente em Nova York.

Entretanto, o partido tem uma séria contradição, que é seu entendimento do imperialismo e do atual cenário internacional em que vivemos. Em seu terceiro congresso, já fica claro que tem uma leitura de mundo multipolar, quando afirmam que “o declínio irreversível da hegemonia imperialista estadunidense – naufragando o sonho da ordem mundial unipolar – agudizou as lutas dentro da classe dominante estadunidense e é a fonte da crescente crise de legitimidade de toda a ordem política.”

Na declaração do partido, quando da invasão russa da Ucrânia, tomam uma posição não-leninista, mas bastante ponderada, que é: caracterizam o conflito como uma guerra defensiva russa perante o expansionismo da OTAN à leste liderado pelos EUA, apontam que a guerra é principalmente uma tragédia para a classe trabalhadora nos países envolvidos e inclusive questionam as justificativas putinistas da invasão, de que se trataria de uma desnazificação do país. Além disso, não deixam passar batido o anticomunismo de Putin, que colocou a culpa da tensão com a Ucrânia na política de nações de Lenin. Deixo aqui a seguinte citação da declaração, que é bastante sintética da posição de então do partido sobre a guerra:

“Enquanto não apoiamos a invasão russa, reservamos nossa mais forte condenação ao governo dos EUA, que rejeitou de maneira totalmente intransigente e deliberadamente provocativa em termos militares as legítimas preocupações russas quanto a sua segurança regional. Essa é a consequência de décadas de intimidação e humilhação russa por parte dos EUA-OTAN. O PSL exige do governo estadunidense e de seus aliados na aliança militar e imperialista que é a OTAN que cessem imediatamente seu comportamento provocativo, que tem como objetivo escalar a crise, exigimos que deem garantias de segurança que possam ser a fundação para a restauração da paz – da qual o pilar central deve ser a promessa de acabar com a expansão da OTAN. É isso que pode trazer alívio para o povo ucraniano.”

No primeiro encontro da Plataforma em que comparecem (maio/22) apresentam a mesma linha multipolar, dando ênfase na culpa do conflito pela política estadunidense de expansionismo da OTAN, posicionando a Rússia de maneira defensiva. Entretanto, não se empolgam como outras organizações, sem apontar a China e a Rússia como o farol para a libertação dos povos do mundo. Já no segundo encontro (outubro/22), são mais claros afirmando que não se trata de maneira alguma de imperialismo russo, numa argumentação que confunde constantemente o que é imperialismo com a razão geopolítica do Estado burguês moderno. Se colocam bastante na posição de denunciar a propaganda liberal de que “a culpa é russa”, de modo que agem como porta-vozes da própria propaganda russa sobre a natureza do conflito – é importante lembrar que a crítica ao liberalismo e ao ocidente não se pode jamais cair na defesa de outros campos e ideologias burguesas em eventual choque com a hegemonia liberal-ocidental – mesmo que reiterem diversas vezes em vários momentos que não apoiam o governo Putin, de modo que a degeneração ideológica do partido não é tão forte quanto de outras organizações, apesar de estar repleta de contradições e confusões, inclusive, afirmam no segundo encontro que comparecem que imperialismo é o capitalismo monopolista e não a política de algum Estado - o que é correto, mas não conseguem derivar disso a análise correta da questão concreta.

É curioso notar, entretanto, que apesar de terem comparecido ao encontro da Plataforma de outubro de 2022 em Paris [17], o partido não assina a Declaração de Paris (que conta com a assinatura de 45 dos partidos e organizações presentes, inclusive do Partido dos Comunistas EUA (PCUSA) [18]). A linha política dessa Declaração de Paris é bem mais rebaixada que a linha política do PSL, nessa declaração se afirma:

· que o governo russo está engajado em uma guerra de legítima defesa e libertação nacional, em aliança com os povos do Donbass;

·  que caso ocorram guerras na península coreana ou em Taiwan, envolvendo a Coreia Popular e/ou a China, essas também serão guerras de libertação nacional, não importando quem atirou primeiro;

·  que a habilidade russa e chinesa de se defender não é sinal de ambições expansionistas ou de política econômica imperialista (imperialist economics – sic), mas que é na verdade fruto de décadas de planejamento, iniciadas pelos governos socialistas da URSS e da China (deixando implícita aqui alguma continuidade política socialista entre a Rússia atual e a URSS)

·  que a Rússia e a China são alvos da agressão imperialista porque ambos mantiveram sua independência e ajudam outras nações a ganhar a delas, sendo portanto um perigo aos EUA. E que a crescente aliança entre Rússia e China oferece esperança para os povos do mundo em uma alternativa à dominação global dos EUA e à superexploração imperialista. (notem que o PSL, até onde pude averiguar, jamais colocou esses países numa posição de libertadores internacionais)

A última participação do PSL na Plataforma foi em dezembro de 2022, no encontro de Belgrado, de maneira virtual. Nesse encontro também se produz uma declaração – praticamente idêntica à de Paris – mas não se compartilha a lista de signatários. O partido não participou das atividades da plataforma em 2023. Não podemos afirmar que isso se deve a uma ruptura com a plataforma e, nos sites do partido não encontrei declarações e documentos de 2023 que focassem nessas questões que dividem o MCI hoje, portanto pode ser sim que tenha ocorrido uma ruptura do PSL com a Plataforma, mas esse sumiço pode ser por outros motivos. Tendo a pensar que a razão seja a ruptura mesmo, visto que não assinaram a Declaração de Paris que sintetiza a linha política da Plataforma.

Isso tudo foi exposto para apontar que o PSL se encontra em contradição entre uma linha política interna de independência de classe e uma linha política externa centrista, que não consegue abraçar inteiramente a teoria leninista do imperialismo e aplicá-la a realidade atual, mas também é incapaz de embarcar na linha rebaixada da Plataforma de acreditar que uma aliança sino-russa é o caminho para a libertação dos povos. Há, portanto, aqui, um importante espaço de disputa a ser feito pelo fórum americano comunista com essa organização, devemos atraí-la para esse fórum e lá fazer a disputa ideológica. Se não fizermos essa disputa, deixaremos de influenciar para o lado correto o partido mais dinâmico e bem-organizado do movimento comunista estadunidense desde os Panteras Negras, renunciaremos a ativamente construir e disputar o movimento comunista e seu crescimento no centro do mundo capitalista e estaremos dando chance para a possibilidade de que a resolução da contradição interna apontada no PSL se resolva com um giro à direita e não à esquerda. Defendo, portanto, visto essas características do PSL, que deve ser objetivo prioritário de nossa organização em termos de relações internacionais construir esse fórum e, dentro dele, ter entre nossos objetivos prioritários disputar o PSL para a linha correta.

Por fim, o PSL possui abertura congressual e política que nos permite atraí-los para o fórum de partidos e organizações comunistas do continente americano. No informe sobre seu terceiro congresso, vemos o seguinte:

Com estas balizas políticas, esse Congresso ressaltou a necessidade de construir alianças e frentes unificadas com outras forças políticas com as quais o PSL não tem completa unidade de posições políticas – como foi feito na Primeira Internacional. Ao mesmo tempo, foco especial deve ser colocado em desenvolver e restaurar a teoria marxista e os conceitos organizativos para o renascimento do movimento revolucionário. O PSL foi fundado e continua a servir como uma ponte entre os antigos períodos de revolução e contra-revolução e essa nova era na qual o movimento socialista foi forçado a essencialmente “recomeçar do zero”.

É crítico que os revolucionários se apropriem das tarefas principais de seu período histórico. Desde o Segundo Congresso Partidário em 2013, o PSL constrói um plano estratégico centrado nas tarefas de recrutamento, popularização e coordenação internacional.

As premissas básicas dessa estratégia são [...] 3] buscar contatos e coordenação com forças revolucionárias internacionalmente – a vitalidade e a credibilidade do socialismo existem em seu internacionalismo.

Há dois comentários a serem feitos sobre as partes que grifei. Primeiro, sobre a tarefa de restaurar e desenvolver a teoria marxista e seus princípios organizativos, fica evidentemente que esse é um esforço que a ala esquerda do PCB pré-racha e, agora com o racha consolidado, o PCB-RR empreende, basta ver nossas publicações de Centralismo Democratico e Estratégia e Tática da hegemonia proletária e a publicação do Anti-Dimitrov. Temos aqui uma possibilidade de troca experiências excelente com o PSL e defendo que nosso trabalho editorial deve buscar traduzir para o inglês todos esses três livros e enviá-los para publicação para os partidos com os quais temos (ou desejamos ter) contato nos EUA o mais rápido possível (PSL e CWP). É essencial que façamos essa disputa ideológica.

Em segundo lugar, os outros grifos que fiz deixam claro que o PSL – ao menos no papel – se mostra aberto e ativamente interessado em construir espaços de diálogo e cooperação internacional. Não penso que recusará um convite a participação nesse fórum que devemos construir e penso que seria fundamental convidar a organização para ser observadora da etapa nacional de nosso XVII Congresso.

Conclusão

Camaradas, fiz esse longo esforço de análise do MCI e de nossas tarefas nele para que a militância possa pensar e se apropriar de qual é o cenário no qual nos encontramos e como podemos atuar nele para avançar o movimento comunista. A burguesia está articulada internacionalmente, é dever dos comunistas avançar na sua articulação internacional, sempre tendo em mente que a revolução, apesar de ocorrer na maior parte das vezes a nível nacional, está fadada ao fracasso sem sua internacionalização. Além disso, um dos focos desta tribuna foi o estabelecimento das divisões no movimento comunista e, tendo isso claro, quais são as táticas que devemos adotar para superar as contradições no campo revolucionário (como a limitação sobre a questão palestina e as linhas reacionárias sobre as questões LGBT). Sem um claro entendimento dessa estruturação do MCI, qualquer intervenção internacional nossa será cega e infrutífera.


Referências

[1]. Os partidos que compõem a ACE são: Partido do Trabalho da Áustria, o Partido Comunista dos Trabalhadores – pela Paz e o Socialismo (Finlândia), o Partido Comunista Revolucionário da França, o Partido Comunista da Grécia, o Partido dos Trabalhadores da Irlanda, a Frente Comunista (Itália), o Novo Partido Comunista dos Países Baixos, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha, o Partido Comunista da Suécia, o Partido Comunista Suíço, o Partido Comunista da Turquia e a União dos Comunistas da Ucrânia.

[2] Sobre a ACE: https://emdefesadocomunismo.com.br/fundada-a-acao-comunista-europeia/

[3] Sobre a ICE: https://emdefesadocomunismo.com.br/a-ice-encerra-sua-atividade/

[4] Para conferir os integrantes da ICE: https://en.wikipedia.org/wiki/Initiative_of_Communist_and_Workers%27_Parties

Para conferir os integrantes da Plataforma: https://en.wikipedia.org/wiki/World_Anti-Imperialist_Platform ; conferir também os signatários da Declaração de Paris, há algumas discrepâcias com a lista da Wikipedia, provavelmente devido a entradas posteriores: https://wap21.org/?p=566 

[5] Os camaradas podem conferir a linha política defendida pela Plataforma indo na aba “Declarations” e podem conferir os participantes de cada uma das reuniões internacionais da Plataforma e seus respectivos pronunciamentos indo na aba “Meetings” e escolhendo qual reunião quer pesquisar. Tudo isso no próprio site da Plataforma: https://wap21.org/ . O documento mais sintético da linha política da Plataforma é sua Declaração de Paris: https://wap21.org/?p=566

[6] https://twitter.com/BookerBiro/status/1725755809827524952 - Percebam no vídeo que atrás do militante do PC do Quênia, há duas faixas com o logo da Plataforma, tanto em inglês como em grego, além de cartazes da Plataforma. A Plataforma tem claras intenções de disputar com o KKE, visto seu papel de pilar internacional da luta revolucionária, seu papel de difusor internacional da linha leninista sobre imperialismo, que bate diretamente no âmago dos interesses de quem a Plataforma defende.

[7] A postagem mais antiga do PC do Quênia que consegui encontrar no SolidNet é de 2/11/23, que parece ser, portanto, perto da data de entrada deles no EIPCO: http://www.solidnet.org/article/CP-of-Kenya-The-Communist-Party-of-Kenya-Statement-on-King-Charles-IIIs-Visit-and-British-Colonial-Legacy/ - A título de esclarecimento, o SolidNet é o portal virtual do EIPCO, no qual todos os partidos membros podem postar notas políticas, mas não é um site de polêmica entre as organizações membro.

[8] Essa lista comparativa foi obtida analisando as tabelas de membros da Plataforma e do EIPCO nas suas respectivas páginas do Wikipédia (acessado em 23/1/24). O EIPCO lista na página dos encontros anuais no SolidNet todos os partidos que comparecem a cada encontro e tem em seu site uma página com o nome e informações de contato de todos os partidos membro. A Plataforma, entretanto, não tem uma lista de seus membros em seu site, de modo que há somente a lista das declarações dos partidos presentes em cada encontro e a lista de signatários da Declaração de Paris. Dessa maneira, olhando a lista de cada encontro da Plataforma, percebe-se que alguns partidos só foram uma vez, seja nos primeiros ou nos últimos encontros, e há partidos que foram várias vezes. Dessa maneira, há a possibilidade de que algum partido só foi uma vez e por algum motivo não retornou, ou a possibilidade de que um partido que entrou mais tarde, já ciente, portanto, do papel da Plataforma (devido a toda a polêmica pública em relação a isso), já entrou ciente do compromisso ideológico que fazia.

[9] http://www.solidnet.org/article/22nd-IMCWP-Contribution-by-Communist-Party-of-Belgium/ , http://www.solidnet.org/article/23rd-IMCWP-Contribution-by-CP-of-Belgium-00001/ , https://www.pcb-cpb.com/post/la-guerre-en-urkaine-et-le-parti-communiste-de-belgique-pcb-cpb e https://wap21.org/?p=4671

[10] http://www.solidnet.org/article/23rd-IMCWP-Contribution-by-SWP-of-Croatia/

[11] http://www.solidnet.org/article/23rd-IMCWP-Contribution-by-NCP-of-Yugoslavia/

[12] http://www.solidnet.org/.galleries/documents/Intervention_Communist-Party-Switzerland_EN.pdf

[13] https://wap21.org/?p=1512 e https://wap21.org/?p=1482 e https://wap21.org/?p=2798

[14] https://lavrapalavra.com/2023/09/11/quem-quer-os-fins-deve-tambem-querer-os-meios/

[15] http://solidnet.org/article/CP-of-Greece-We-make-a-vanguard-contribution-to-the-reinforcement-of-the-current-disputing-the-dominant-policy-among-the-people-by-intensifying-our-ideological-political-organizational-action/ e https://inter.kke.gr/en/documents/

[16] O material utilizado para os comentários sobre o PSL foi o seguinte: https://www.liberationschool.org/program-of-the-party-for-socialism-and-liberation/#part1 ; https://www.liberationschool.org/a-time-to-revive-socialism-in-the-united-states-report-on-the-psls-third-party-congress/ ; https://www.liberationschool.org/psl-statement-on-russias-military-intervention-in-ukraine/ ; https://www.liberationschool.org/from-counterrevolution-to-revival-communism-and-the-primacy-of-the-international-situation/ ; https://wap21.org/?p=1095 ; https://wap21.org/?p=187 ;

[17] https://wap21.org/?p=566

[18] Sobre o CPUSA, recomendo o texto dos camaradas que racharam desse partido e fundaram o Communist Workers Platform USA (CWPUSA): https://newworker.us/editorial/democratic-centralism-and-the-pcusa/ ; o texto é interessante não só pelo conhecimento que fornece sobre o movimento comunista nos EUA, mas pela similaridade com a cisão em nossa própria organização no ano passado. Para os documentos do CWPUSA, acessar: https://newworker.us/category/editorial/