'Para uma Economia Planejada Socialista e Ecológica - Uma Resposta ao Camarada Ben' (G. Zaffari)
A urgência climática obriga um partido revolucionário a ter em mente já uma série de ações importantes - e a necessidade de coordenar uma economia que mude completamente sua matriz energética e possivelmente uma mudança de hábitos alimentares.
Por G. Zaffari para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
A tribuna do camarada Ben “'Planificação para além da retórica” é de importância ímpar. Não só o planejamento enquanto “ferramenta científica do socialismo” é uma retórica por vezes de conteúdo vazio, mas na nossa formação enquanto militantes é inexistente qualquer balanço sério sobre as formas de experiência do socialismo real enquanto organizador de uma realidade social da produção que se afaste da dominância da propriedade privada, sejam elas o NEP, o planejamento central, o cooperativismo Iugoslavo ou o comunismo de guerra.
Na verdade, até mesmo nas proposições emergenciais do partido, as últimas colocadas em disputa para a campanha presidencial de Sofia Manzano, não há nelas nenhum plano de transição para qualquer outra configuração social. Existem, de fato, importantes medidas urgentes como uma reorientação da economia sob comando das demandas sociais, fim das regras de regime fiscal, criação de um banco popular centralizado, entre outros. O futuro, ou o programa de transição é uma segunda etapa.
Por vezes, é comum que se defenda a falta de uma maior assertividade de como poderia se configurar o socialismo brasileiro de transição como nos termos de Marx e Lenin, em que os termos da experiência prática e os novos desenvolvimentos sociais ditarão a forma pela qual o socialismo opera. Mas, fato é que já tivemos experiências demasiadas práticas, as quais devem ser inspiração para a criação de um plano de transição para uma economia socialista.
Além disso, a urgência climática obriga um partido revolucionário a ter em mente já uma série de ações importantes - e a necessidade de coordenar uma economia que mude completamente sua matriz energética e possivelmente uma mudança de hábitos alimentares (veganismo/vegetarianismo), assim como a possibilidade real de decrescimento - isto é, uma economia que não cresce. A economia capitalista é incompatível com essas necessidades, pois precisa do crescimento para sua estabilidade, mesmo que desde Kalecki, saibamos que dependa muito do militarismo e da expansão da dívida pública, e o mecanismo informacional dos preços não dê aos agentes nenhuma forma de coordenação para impedir a hecatombe climática.
Assim, deve se formar um certo trabalho de pesquisa e estudo da militância em que se i) reconhece a história econômica do socialismo real; ii) a tipificação institucional e os mecanismos postos à frente pelas vanguardas nacionais; iii) suas limitações e capacidade de aplicação à realidade nacional e contemporânea. Esse trabalho deve ser seguido de uma formação nacional e a construção de um projeto político. Também seria proveitoso uma re-avaliação da própria compreensão do capitalismo contemporâneo, especialmente nos problemas que tangem a relação com a natureza. Marx, em O Capital, no estudo das formas do Capital nos apresenta pontos de tensão em que outras relações sociais podem ser a antessala do comunismo. Por exemplo, Marx defende o crédito como uma forma de coordenação de produção sem trabalho, ou ainda, Lenin que via nos monopólios a capacidade de articulação em larga escala. Uma possível leitura crítica proveitosa seria Marx no Antropoceno de Saito e a busca por mais materiais referentes aos trabalhos socialistas frente ao relatório de Clube de Roma, como os discutidos na revista Woprossy Flosofi em 1972 (link).
É importante já adiantar, que apesar do camarada ter aventado a possibilidade do uso das técnicas de programação linear, das quais Kantorovich foi pioneiro, é importante lembrar que nenhuma experiência prática socialista jamais usou suas técnicas para o planejamento. Na verdade, quando há planejamento, se utiliza a tediosa e possivelmente ineficiente técnica de balanços materiais. Em que consiste em i) um burocrata do Gosplan após negociações longas com o partido define uma taxa de crescimento dos setores; ii) o dado inicial para esse crescimento é usado a partir de dados produção de proporção de períodos anteriores (dados referentes no NEP); iii) após definidas as taxas os funcionários do Gosplan por meio de tentativa e erro encontram os fluxos materiais de insumos e produtos que correspondem a taxa pedida. iv) cria-se o balanço financeiro das empresas e orçamentos são destinados via banco popular.
A questão é que esse processo era demasiado lento em que, enquanto o plano era terminado, o próximo já nascia e a maior parte dos setores, na prática, não seguia os planos, mas tentava a todo custo crescer as taxas mais altas possíveis. É verdade que para bens de qualidade muito simples como toneladas de aço, existia sim um certo planejamento funcional, mas o resto da economia era gerenciado e não planejado per se. A economia como um todo tinha um plano chamado renda nacional, um amontoado de valor monetário que é a multiplicação dos preços fixados pela Gosplan com as quantidades produzidas. Essa era a mentalidade geral na União Soviética, Cuba, Vietnã, China, Coréia Popular, Alemanha Oriental e afins. O crescimento era o principal objetivo das unidades produtivas, ao passo que o estado servia alguns serviços públicos universais.
Para as demandas do futuro, já vemos que o crescimento enquanto objetivo já não faz sentido, precisamos que as economias se desenvolvam sem grandes impactos ambientais. Portanto, mais do que nunca é importante o estudo de técnicas de planejamento ou coordenação que i) não dependam de mercados; ii) resilientes; iii) e que não precisem de intensa verticalização. O processamento de dados tem custo nulo, mas a coleta das informações para o processamento de dados é de custo considerável e por vezes infactíveis. Uma certa coordenação por escala precisa ser preparada. Um exemplo é a proposta de Nove (For a Feasible Socialism) que sugere planejamento para bens essenciais (aço, ferro, energia), empresas públicas para máquinas de bens de capital, cooperativas competitivas para bens duráveis e semiduráveis e mercados para bens não-duráveis e serviços.
Por fim, sobre o uso de funções objetivas para avaliarmos o bem-estar, há o perigo de se cair nos calabouços da teoria neoclássica e seus devaneios sobre preferências. Uma extrema especificação de objetivos para relações complexas, em que há um certo racionalismo falso de otimização de alavancas.
O camarada ben por exemplo sugere:
“A começar pela distribuição de recursos no espaço, ferramentas de planificação podem ser usadas para desenhar trajetos de distribuição que minimizem o tempo, o custo, o número de pessoas envolvidas, ou qualquer outra “função objetivo”
Apesar de bem-intencionado, saber o que é o melhor ou qual função objetivo, ou ainda calcular tais valores (tecnicamente são custo 0 numa máquina qualquer num código de python simples) seja fácil, o problema é sobre o que se calcula. Isso envolve um enorme custo. Há uma certa dificuldade de trabalho enorme entre traduzir desejos e necessidades para problemas de otimização, mensurados e colocados como número. Por vezes, é impossível ou completamente sem sentido.
Por fim, faço um pequeno esboço de um possível caminho. Nosso caminho, ao contrário, deve ser do funcional, resiliente e universalista. O fim do capitalismo é o avanço do universalismo da vida, da construção do bem-viver e da gestão científica e ecológica da produção social.
Uma forma talvez mais “racional”, ou uma pseudo-racionalidade como diria Neurath, é usar programação linear (ou controle ótimo) para estimar o “preço” dos setores por meio de impacto ambiental. Isto é, a função objetivo é a minimização dos impactos ambientais, algumas necessidades humanas são nossas restrições (uso de energia elétrica, uso de carros, etc.) e a matriz de coeficiente técnico (ou de Leontief) nos dá as relações interindustriais. A solução nos dará o preço sombra do custo climático que pode ser a base para um vetor de preços nominais que coordena planejamento, cooperativas, mercados pequenos e assim por diante.