Pacaembu: por que foi privatizado e por que deveria ser público?

Após mais de 4 anos do último jogo no Pacaembu, entre Santos e Palmeiras pelo campeonato paulista, e mais de 3 anos de início das obras de reforma do estádio, em 21 de setembro tivemos a volta do futebol ao gramado e a volta da torcida presente na arquibancada durante a Taça das Favelas.

Pacaembu: por que foi privatizado e por que deveria ser público?
Após espoliação completa do estádio, assentos originais foram vendidos por até R$ 1.800,00 em lojas online. Reprodução: Tok&Stok

Por Redação

Ainda não como jogo oficial, mas como teste para o estádio, o Pacaembu recebeu as finais masculina e feminina do campeonato Taça das Favelas, campeonato já tradicional entre as bases dos times de várzea de SP e Rio. Os dois jogos foram encerrados na disputa  de penalidades, após dois tempos de 30 minutos, em que ambos terminaram empatados. Pelo masculino o campeão foi o time da Favela Erundina, do Jd. Ibirapuera, da Zona Sul de SP, e pelo feminino a Seleção Tiradentes, de Cidade Tiradentes, da Zona Leste de SP. Os jogos foram acompanhados presencialmente por quase 15 mil pessoas.

A reabertura do Pacaembu, agora não mais gerido pela prefeitura paulistana, mas pela concessionária ALLEGRA, já está atrasada há mais de um semestre, tendo em vista que a expectativa era de que o estádio recebesse a final da Copa São Paulo de Juniores ainda em janeiro de 2024, o que não ocorreu. Posteriormente, a previsão de entrega das obras ficou para o meio do ano de 2024, prazo não cumprido.

O evento da taça das favelas foi realizado como um teste, tendo em vista que há ainda, já próximo ao final do ano e com obras em atraso, estruturas não finalizadas, como o prédio anexo construído no lugar do antigo tobogã e as dependências do ginásio, piscina e quadra de tênis.

A privatização do Pacaembu foi um dos marcos da dobradinha tucana João Dória/Bruno Covas na prefeitura de São Paulo. Foi na gestão do PSDB que se iniciou o  processo em massa das Parcerias Público Privadas (PPP) no âmbito municipal, o processo de transferência de bens públicos para o capital privado, no intuito de se garantir a gestão de tal equipamento, buscando, com isso, lucrar por esses serviços.

Reprodução/Foto: Reprodução: Allegra Pacaembu.

Na esteira das privatizações de serviços públicos, a entrega da gestão do Pacaembu ao mercado privado foi um dos primeiros leilões a abrir a fila para um processo que intensificou o número de PPPs na cidade de São Paulo e que depois viria a ser marcado pela privatização de mais de 100 parques públicos, grande parte da rede de educação primária da capital e, hoje, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP).

Casa de inúmeros jogos memoráveis para todas as torcidas paulistas, no início de 2019, o tradicional estádio do Pacaembu foi leiloado para a empresa ALLEGRA por 35 anos de gestão, por pouco mais de R$ 100 Milhões de reais, sendo que na proposta original de leilão era estimado um valor de pelo menos R$900 milhões.

Na época, a argumentação geral para a privatização se deu pelo custo de manutenção anual do estádio ser em torno de R$ 9 milhões de reais, o que não chegava a representar 5% do orçamento do ano referido da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer.

De lá para cá, observamos mais de três anos de obras, atrasos e de inúmeras tentativas da atual responsável pelas obras e manutenção do estádio do Pacaembu de renegociar o contrato inicial visando mais tempo de contrato ou contrapartidas, como assumir também a gestão da Praça Charles Miller e aumentar ainda mais a posse sobre o patrimônio públicos.

 É claro que, nos anos que antecederam o contrato de privatização da gestão do Pacaembu, a estrutura do estádio já não vinha correspondendo às necessidades do povo paulistano e se ofereciam poucas atividades no local para além dos grandes jogos de futebol. Contudo, essa precarização progressiva do espaço foi estratégica, por parte do Estado, para legitimar a entrega do patrimônio público para a iniciativa privada.

 A administração da ALLEGRA, além de se beneficiar do baixo valor pago no leilão, se beneficia hoje, também, de obras públicas que valorizam o espaço agora privatizado.  As obras da estação FAAP-Pacaembu, da linha 6-laranja do metrô, que fica a menos de 500 metros do estádio, são exemplos de como, além de um patrimônio público ter sido retirado da administração pública por um valor irrisório, a iniciativa privada ainda se beneficia com o investimento público direto, neste caso, devido à facilitação do acesso ao local.

 Além dos atrasos de entrega, durante os últimos meses as obras no estádio contaram também com a identificação de falhas nas estruturas de sustentação de uma das arquibancadas e a paralisação, via sindicato, de mais de 700 funcionários devido à falta de garantias sobre a saúde e segurança dos trabalhadores.

Por fim, é preciso destacar que somente o valor arrecadado pela Allegra na venda dos naming rights do estádio, mais de R$ 1 bilhão de reais, já é dez vezes maior que o valor pago pela empresa para a concessão. Além do absurdo que representa a venda do nome de um patrimônio histórico paulistano para a iniciativa privada, no caso para o Mercado Livre, fica claro que todo o processo de concessão do Pacaembu foi um verdadeiro balcão de negócios operado pela prefeitura paulistana em prol dos especuladores privados.

Ainda assim, com todos os problemas mencionados até aqui, a pauta da reestatização do Pacaembu simplesmente não figura no debate eleitoral deste ano. No plano de governo que Guilherme Boulos (PSOL) apresentou durante a campanha para prefeito em 2020, defendia-se a proposta de revogação da concessão do Pacaembu à iniciativa privada. Neste ano, porém, a proposta desapareceu.

Justamente pela discrepância do valor pago para a atual concessão, pelos atrasos na entrega das obras, pelos riscos aos trabalhadores da construção civil e, principalmente, pela premissa de que o bem público deve se manter público, com livre acesso e ampliação da possibilidade de uso pela população, é que devemos lutar pela revogação da privatização do Pacaembu, para que ele volte para a gestão pública. E mais: não para que a prefeitura assuma seu controle novamente para beneficiar os interesses do capital privado, como tem sido feito até aqui, mas para que a gestão do patrimônio público seja feita diretamente pelos trabalhadores.