'Os debates que fazemos' (Camarada China e Felipe Mir)

A grande questão que apontamos é que nós queremos sim os debates sobre imperialismo, nós queremos os debates sobre capital financeiro, mas queremos também saber como os camaradas de Pernambuco entendem que são as propostas para suas realidades de engajamento destes debates [...], por exemplo.

'Os debates que fazemos' (Camarada China e Felipe Mir)
"Queremos conexão verdadeira com a realidade, queremos saber de vocês, suas dores, suas ideias, suas formas de tratar de suas realidades, e a partir desta aproximação fraterna, onde nos conheceremos verdadeiramente conversar sobre as condições de nossa classe, em suas mais variadas situações."

Por Camarada China e Felipe Mir para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Este texto vem motivado por um profundo processo de descontentamento com o que parece ser a ordem do dia da militância, e aí fica a dúvida, se paulista ou brasileira como um todo, no que se refere aos debates mais importantes e centrais que vemos sendo tirados nas tribunas de debates preparatórias para o XVII Congresso Extraordinário. Estamos com isso vindo a partir deste texto tentar fazer a disputa política sobre o que talvez deveriam ser realmente as nossas prioridades e também sobre o que as atuais aparentes prioridades parecem demonstrar sobre nossa militância e sua composição.

Acho que antes de começar com as críticas vale a realização de um apontamento: nenhum debate é inútil ou não deveria ser feito, bom alguns são, mas normalmente estes são tão esdrúxulos que falar que são inúteis é como dizer que água é molhada e sobretudo eles são minoria ou normalmente inexistentes. De todo modo repetimos, nenhum debate é inútil ou não deveria ser realizado, o apontamento central aqui é sobre prioridade, porque prioridades são essenciais a qualquer organização, ninguém tem recursos para lidar com tudo a força máxima ao mesmo tempo. Deixando este elemento nítido vamos ao conteúdo deste texto.

Muito incomoda o que vemos nas tribunas, e o que vemos é por um lado uma despreocupação completa com a construção realmente de uma organização e sua estrutura que possibilite a ela ação sobre a realidade de forma efetiva e coordenada e pelo lado do que podemos chamar de “política pura” um foco muito grande nos grandes debates, muitas vezes internacionais e quando não o são, de caráter teórico que honestamente gera dificuldades de comunicação. Mas vamos por partes.

Organização, partido e estrutura

Pois bem, os debates que vemos sobre o partido em si muitas vezes são focados em temas como qual o símbolo, qual o nome, teremos registro eleitoral ou não? Debates que sim tem sua importância, mas que parecem em muitos momentos ou passos para o futuro, como o debate sobre registro eleitoral, ou se tornam um emaranhado de tribunas que pelo volume de propostas e coisas mais parecem mais uma grande disputa sobre quem será o padrinho que vai dar nome para o bebê.

Obviamente, o nome e símbolo do partido não são irrelevantes, mas será que realmente são elementos que necessitam de um debate tão grande e extenso como o que vemos? A tática eleitoral também é debate muito importante, mas quais as reais condições hoje para disputar as eleições deste ano? E principalmente, temos condições de abraçar uma disputa dessas?

E junto disso incomodam as perguntas que não estão sendo realizadas. Como deve ser a estrutura desta nova organização? Será células? Se sim, como elas se organizam? Quais seus critérios de criação? Como estruturamos nossa gestão financeira e material? Essas células terão secretarias? Quais serão elas? Porque elas devem existir? Quais suas tarefas? Entre tantas outras questões.

Um partido precisa de um nome e precisa de um símbolo, mas eles valem de nada se não existe estrutura que os sustentem. Estes nomes podem representar maravilhosamente o povo brasileiro, mas ele continuará abandonado como sempre porque não haverá condição de realizar sua defesa.

Um partido precisa tirar uma tática eleitoral, mas ela não vale de nada se não existe estrutura organizada que permita a concretização na realidade da tática pensada. Podemos ter os melhores nomes para candidaturas, mas eles nunca serão votados ou serão conhecidos se não houver estrutura que permita a eles realizarem as ações que precisam para serem votados e conhecidos.

Necessitamos que um debate sobre estrutura do partido, precisamos de um debate sério sobre finanças e estrutura material, precisamos de um debate ativo sobre a forma que organizaremos nosso partido e nossas atividades. Alguns poucos camaradas já escreveram sobre estes temas, apontaram propostas e normalmente em textos que ou não tiveram repercussão e engajamento, e que se tiveram estas não foram duradouras.

“Política pura” e a pura realidade

Agora falemos sobre a política. Ou melhor, sobre a “política pura”. Chamo aqui de “política pura” os temas e debates que se voltam para o que é normalizado como tema político, seja debates sobre a China e sua condição de ser ou não socialista, sejam debates sobre a condição do povo brasileiro. A primeira crítica é como o que é entendido como política é um reflexo do Jornal Nacional volta e meia. Não tratamos finanças como um tema político, mas sim como algo técnico, reservado aos nerdolas que em algum momento da sua vida política rodaram feio e foram colocados nessa tarefa e enviados as masmorras empoeiradas e esquecidas da organização das quais reaparecem quando alguém quer saber quanto temos de caixa ou quando precisam cobrar alguém porque precisamos ter dinheiro por algum motivo qualquer, este motivo inclusive que normalmente é bem aleatório.

E o problema dessa forma de entender política é que ela não permite a intervenção na realidade. A triste realidade é que falar sobre finanças e agir sobre esta questão trás muito mais impacto político para a classe trabalhadora do que a gente saber por exemplo se a China é ou não socialista, e sabe porquê? Porque nossas possibilidades de ação são diretamente proporcionais a nossa capacidade de ação, e por capacidade de ação entendam recursos materiais, recursos humanos, organização e capacitação. Hoje nossos níveis de capacidade de ação são muito pequenos, porque temos pouca organização e capacitação que geram uma falta de recursos materiais e humanos.

Partindo para um outro aspecto do debate da “política pura” é sobre a forma como estamos debatendo o Brasil que honestamente é um tema que muitas vezes eu tenho dificuldade de entender as contribuições. E digo isso porque elas são por vezes altamente “acadêmicas”. O que queremos dizer é que elas muitas vezes não se conectam com a realidade no sentido mais simples de utilização delas. Beleza, um debate sobre a caracterização da classe trabalhadora brasileira é relevante, mas de que ele adianta se em algum momento, e notem não dizemos o tempo todo, ele não é balizado pela realidade próxima do autor. Isso parece dizer muito sobre a forma dos debates.

Se formos falar sobre as pautas da classe trabalhadora podemos por exemplo fazer um debate sobre o imperialismo e o capital financeiro e suas forças e podemos ligar isso facilmente a realidade medonha que os moradores da Região Metropolitana de Campinas passam já que para chegar a uma porcaria de hospital que tenha, por exemplo, uma máquina de diálise temos que pegar um ônibus que é horrível e que demora uma hora e meia para chegar no local e que se for de fim de semana você talvez só tenha sete chances de pegar o ônibus no dia porque eles reduzem as linhas a este ponto. Só de lembrar disso já dá um baita ódio inclusive.

A grande questão que apontamos é que nós queremos sim os debates sobre imperialismo, nós queremos os debates sobre capital financeiro, mas queremos também saber como os camaradas de Pernambuco entendem que são as propostas para suas realidades de engajamento destes debates com a realidade deles, por exemplo. Queremos saber dos camaradas do Pará, Amazonas e Rio Grande do Sul suas iniciativas e trabalhos políticos a partir de um debate sobre parque de pesquisa e tecnológico, por exemplo. Queremos conexão verdadeira com a realidade, queremos saber de vocês, suas dores, suas ideias, suas formas de tratar de suas realidades, e a partir desta aproximação fraterna, onde nos conheceremos verdadeiramente conversar sobre as condições de nossa classe, em suas mais variadas situações.

O que nos parece hoje que somos

A partir das críticas e apontamentos que fizemos queremos por fim fazer um último esforço, o de apontar a aparência que fica da nossa militância. E ela é que a militância é um grande grupo de playboys. Sabemos que a última frase talvez tenha deixado alguns bem bravos, então pedimos encarecidamente um último esforço de paciência de vocês.

Não acreditamos que efetivamente 90% da nossa organização seja composta de Enzos. O que apontamos é como existe uma aparência bem real de que a organização o é. E isso parece acontecer porque esquecemos que no partido também existe luta de classes.

Muitos dos meus camaradas pegam ônibus, muitos trabalham 6x1, muitos tem dúvidas do futuro, do rumo que suas vidas vão tomar e estão tomando, muitos tem medo profundo do futuro. Nos também temos. O problema é que dentro da organização muitos camaradas que se encaixam nessas ou em tantas outras características que demonstram que eles são parte da ralé da sociedade e não membros de seus elementos mais medianos e brancos, agem volta e meia como se fossem parte deste grupo mediano e branco. Em termos mais bonitos, são proletários imersos em uma cultura pequeno-burguesa e que, portanto, agem como pequeno-burgueses, mesmo sem o sê-lo.

E essa cultura pequeno-burguesa está expressa em um processo também de domínio da classe pequeno-burguesa do que existe de estrutura da organização. Diversas propostas inclusive mostram estes elementos, como por exemplo a questão dos delegados natos, bem como em relação ao movimento sindical quando deixamos o trabalho com o setor dos professores de lado e priorizamos o trabalho no sindicato dos bancários.

E sobre o aspecto sindical, sim o sindicato dos professores é uma representação aparelhada de forma brutal e a estrutura do que chamamos de sindicato dos professores hoje é talvez uma fortaleza impenetrável, mas isso não significa que devemos deixar em segundo plano a luta dos professores, um setor muito precarizado, proletarizado e o qual muitos camaradas que fazem parte de nossa organização sofrem por estarem hoje sem aulas e, portanto, sem renda. Devemos nos esforçar a pensar neste caso em como construir um movimento de professores paralelamente ao sindicado contornando essa fortaleza e a isolando no plano político.

O que isso aponta no geral é que inclusive o elemento pequeno-burguês do partido, composto tanto por aqueles que de fato são pequeno-burgueses, quanto pelos que agem como tal, paralisa em movimento se opondo a ações ousadas. Esse imobilismo em movimento pensa até em outros locais de atuação, realiza até críticas acertadas, mas as soluciona com as mesmas ferramentas de antes, é uma cultura que está contra a ousadia, que barra o novo, mesmo que faça isso com as melhores das intenções.

É necessário, então, combater tanto esta cultura pequeno-burguesa quanto aqueles que por serem realmente pequeno-burgueses acabam por serem vetores da manutenção desta cultura. E combate que dizemos não é no sentido expurgatório obviamente, mas sim de proletarização destes, porém é necessário que eles entendam que o início deste processo é de um combate mais duro sim e que ao longo do tempo a ternura, a formação vai progressivamente tomando mais espaço, conforme for mais assegurado que a direção da organização esteja nas mãos dos proletários.

E a nós, proletários devemos tomar o cuidado e ficarmos vigilantes para não também acabarmos por estender o ciclo reproduzindo a cultura pequeno-burguesa. Precisamos fazer em nós mesmos uma depuração profunda do tempo em que estivemos nos esbaldando nesta lógica que só nos afasta tanto dos nossos quanto de nós mesmos, precisamos nos esforçar para nos encontrar e encontrar aqueles ao nosso lado.

Com isso apontamos a todo mundo que leu até aqui e teve a paciência de procurar entender e compreender, vamos construir uma mudança nestas tribunas, vamos a partir delas sermos um vetor de debates mais reais, de debates mais profundos que terão conteúdos que efetivamente vão poder nos permitir organizar este protótipo de partido em instrumento nosso e dos nossos.