'Os Comunistas e o Espaço Virtual' (Marcos de Oliveira Silveira)

A adoção de softwares livres é igualmente uma solução não apenas possível, mas essencial porque além de garantir maior segurança também estimula softwares com uma perspectiva que não é a do capital.

'Os Comunistas e o Espaço Virtual' (Marcos de Oliveira Silveira)
"Para além das interações em redes sociais, é preciso pensar na própria segurança digital. Não é aceitável que uma organização comunista confie que o Google ou a Microsoft não irá ler seus e-mails e documentos, esmiuçar seus arquivos ou então, que a criptografia do Whatsapp ou Telegram seja confiável. Um partido comunista precisa ter o próprio servidor e a capacidade técnica para garantir o sigilo necessário da sua dinâmica interna."

Por Marcos de Oliveira Silveira para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Ainda nos anos 1990, o premiado geógrafo Milton Santos falava no seu livro A Natureza do Espaço sobre do papel importante que a informação já tinha e teria no futuro. A acensão da internet nas últimas décadas e o entrosamento da tecnologia no nosso cotidiano não deixa dúvida que o pensador estava correto. No entanto, se há pouco tempo a internet era vista como uma praça pública, hoje é cada vez mais evidente que ela é, na realidade, mais parecida com um shopping center.

Diante dessa realidade, uma organização comunista não pode se furtar de debater as suas estratégias de ação no meio virtual. Isso porque as grandes empresas de tecnologia, as chamadas bigtechs, possuem um poder de controle e manipulação do mundo virtual praticamente ilimitado. A princípio, nada impede que, de uma hora para outra, qualquer perfil comunista (ou não) seja sumariamente deletado. Assim, como uma organização pretende agir de forma revolucionária e ao mesmo tempo escapar de uma verdadeira ditadura das corporações no mundo virtual?

Felizmente, a internet (ainda) não é feita apenas de Google, Microsoft e Meta. Temos alternativas que permitem ações não tão subjugadas pelas empresas tecnológicas. O surgimento de redes sociais federadas, por exemplo, abre a possibilidade de espaços de sociabilidade virtual que escapam do controle das bigtechs. A inexistência de uma instância no Mastodon administrada por uma organização comunista só mostra uma falta de pioneirismo no assunto.

Para além das interações em redes sociais, é preciso pensar na própria segurança digital. Não é aceitável que uma organização comunista confie que o Google ou a Microsoft não irá ler seus e-mails e documentos, esmiuçar seus arquivos ou então, que a criptografia do Whatsapp ou Telegram seja confiável. Um partido comunista precisa ter o próprio servidor e a capacidade técnica para garantir o sigilo necessário da sua dinâmica interna.

A adoção de softwares livres é igualmente uma solução não apenas possível, mas essencial porque além de garantir maior segurança também estimula softwares com uma perspectiva que não é a do capital. Para quase todos os softwares famosos temos uma alternativa livre e que muitas vezes é melhor. Por que usar Windows se temos sistemas baseados em Linux? Por que pagar pelo Office se temos o LibreOffice? Por que usar o Google Chrome se temos o Firefox? Existe uma comunidade significativa de trabalhadores da tecnologia que produzem softwares com ideais socialistas, mas em muitos casos, falta politização. Cabe aos comunistas descobrir essas alternativas e avançar na perspectiva que a ação na internet não deve se limitar a likes, comentários e compartilhamento para influêncers em plataformas do capital.

É certo que não é viável para a maioria das pessoas abandonar de uma vez todos os softwares ou serviços de código proprietário, assim como não se trata de abandonar as principais redes sociais, onde de fato a maioria da população está. Mas, é incompreensível que um comunista se renda de forma absoluta ao capital nos espaços virtuais quando existe alternativas. Portanto, é responsabilidade de uma organização comunista se especializar nesses temas para orientar os militantes e, ao mesmo tempo, produzir uma nova dinâmica tanto no que se refere aos seus métodos internos como na sociabilidade no espaço virtual. Em outras palavras, começar desde já a revolução no mundo da tecnologia.