'Organizar as células por local de trabalho' (Machado)
Se somos o Partido revolucionário da classe trabalhadora, do proletariado, é certo que o centro de nossas formulações deve estar concentrado onde se manifesta de forma mais candente a opressão e, consequentemente, a luta contra ela, ou seja, nos locais de trabalho.
Por Machado para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Creio que as tribunas do camarada J.V.O e do camarada Leonardo Vinhó me inspiraram profundamente a ir atrás de um debate mais aprofundado sobre algo que pouquíssimo debatemos em nossa organização: organismos de base.
É evidente que, em cada local específico, as organizações de base terão formas e funcionamentos diversos, para melhor se adaptar às particularidades, mas isso não impede de formularmos estruturas comuns a todas as organizações e organizar melhor nosso trabalho nesse campo, no qual ainda somos muito reféns da artesanalidade. Na realidade, esse já foi tema de amplos debates no MCI, inclusive no Congresso da IC e em seu departamento de Organização. Hoje, em nosso Partido, voltamos a esbarrar em problemas de organização similares aos do século passado e, por isso, nada melhor do que recuperar a forte tradição histórica revolucionária que carregamos há mais de um século.
Nesse sentido, é fundamental defendermos as Células de fábrica, empresa e local de trabalho como fundamento de nossa organização partidária.
1. Células por local de trabalho
Não temos um estudo muito aprofundado mas, pelo que vemos pelas tribunas e também pela própria prática política, parece que a maior parte de nossos organismos partidários ainda tem escopo territorial. Muitos têm um escopo extremamente amplo (Células e Núcleos de cidades inteiras, frequentemente de metrópoles). Em São Paulo, temos a bizarra distribuição de células responsáveis por regiões com centenas de milhares de trabalhadores (Zona Sul, Zona Leste). Em conjunto, essas células possuem limites pouco definidos. No Centro de São Paulo, por exemplo, ninguém sabe exatamente os limites de cada célula atuante no território e, frequentemente, descobrimos que o vizinho de um camarada é de uma célula distinta.
Essa formação genérica de organismos de base é um entrave grave para nossa organização, que prejudica a organização do trabalho político dos camaradas em cada local e espaço em que atua, e direciona nossa atividade para uma atuação genérica e difusa, muito funcional para a atividade eleitoral de partidos social-democratas, como o PSOL, mas pouco funcional para uma atuação ativa na luta de classes.
Se somos o Partido revolucionário da classe trabalhadora, do proletariado, é certo que o centro de nossas formulações deve estar concentrado onde se manifesta de forma mais candente a opressão e, consequentemente, a luta contra ela, ou seja, nos locais de trabalho.
É no local de trabalho que os trabalhadores ficam a maior parte de seus dias. É no local de trabalho que vendemos, por preços baixos, nossa força de trabalho. É no local de trabalho que entramos em contato com inúmeros outros trabalhadores que vivem nas mesmas situações que nós, e no qual podemos identificar com mais precisão os problemas mais amplos do cotidiano dos trabalhadores. E sim, é no local de trabalho que se encontra a atuação mais política e, ao mesmo tempo, mais necessária de nosso Partido.
No PCB, as células por local de trabalho eram o pilar fundamental de organização do Partido até a virada eurocomunismo dos anos 80, que adotou uma estratégia meramente eleitoral, condizendo perfeitamente com a formação de organismos territoriais desmobilizados, de caráter amplo e pouco ligados aos acontecimentos de cada período. Mesmo tendo feito diversas reformas partidárias durante a Reconstrução Revolucionária, buscando fortalecer as células, essas medidas ainda não se enraizaram de forma profunda o suficiente e, sob a base social pequeno-burguesa que foi responsável pelo início da Reconstrução Revolucionária, nunca superou de fato os organismos de base territorial ampla, genérica. Agora que tomamos a Reconstrução do Partido exclusivamente em nossas mãos, agora que reivindicamos a construção de um Partido verdadeiramente bolchevique, revolucionário, é fundamental voltarmos nossa atenção à esse tema de suma importância.
2. Experiência bolchevique
Durante toda sua atividade na clandestinidade, as organizações de base dos bolcheviques eram primariamente por local de trabalho, em contraponto à organização do PSD alemão, por local de moradia. Lenin, apesar de estar em emigração e, portanto, não se aprofundar na questão das organizações de base dos bolcheviques, já descreve justamente esse princípio em “Carta a um Camarada”:
“Passemos agora aos círculos de fábrica. Estes são particularmente importantes para nós; á que a força fundamental do movimento reside no grau de organização dos operários das grandes fábricas, nas quais se concentra a parte mais importante da classe operária, nõ só quanto ao numero como também por sua influência, grau de desenvolvimento e capacidade de luta. Cada fábrica deverá ser para nós uma fortaleza. (...) O grupo ou comitê de fábrica (como o fim de separá-lo dos outros grupos, os quais devem ser inúmeros) deverá ser composto de um reduzido número de revolucionários encarregados diretamente pelo comitê[1], e com plenos poderes para dirigir todo o trabalho social-democrata na fábrica.”
Nesse texto fundamental, Lênin só menciona um trabalho territorial quando descreve a criação de “organismos auxiliares” (o que frequentemente chamamos de Comissão) para a comunicação entre os bairros e a distribuição da literatura do comitê da fábrica.
Nos anos seguintes de estruturação e desenvolvimento do movimento operário e do Partido, a organização de base por local de trabalho segue sendo o pilar da organização dos bolcheviques, enquanto as organizações de caráter territorial (cidade, bairro, distrito) são, via de regra, as organizações intermediárias.
Vou dar apenas o exemplo da organização de Odessa, que o camarada Osip Piatnisky , que foi designado pelo CC para integrar o Comitê como organizador, descreve com precisão em sua autobiografia. O Comitê de Odessa (próximo ao que entendemos por CR) possuía 5 membros, todos liberados. Um era o Secretário do Comitê (Gusev), outro era o responsável pela literatura. Os outros 3 eram, cada um, responsáveis por organizar os três Comitês Distritais. Cada CD era composto por um membro de cada categoria de trabalhadores da base, mais o Organizador do Comitê de Odessa. Cada um desses membros, após tomadas as decisões dos Comitês, comunicava por uma ampla rede, e com auxílio dos locais de trabalho e das organizações sindicais, a cada um dos organismos de base de sua categoria as deliberações e as próximas tarefas (algo similar às nossas assistências). Dessa forma, a estrutura dos bolcheviques estava plenamente integrada com os locais de trabalho e utilizava amplamente das ferramentas dos Sindicatos e da própria organização dos trabalhadores para elevar o nível de seu trabalho e permitir uma intervenção ainda mais ampla entre esses trabalhadores.
Após a Revolução de Outubro, e no âmbito de expandir a capacidade organizativa e política dos Partidos revolucionários, o Depto. de Organização ligado ao Comitê Executivo da IC passou a discutir e aplicar, de forma cada vez mais ampla, o princípio da organização por locais de trabalho, ou seja, das células de fábrica, consolidado nas Resoluções do V Congresso da IC[2] e no processo denominado de bolchevização[3]. Creio que essa estrutura, provada pela história, segue sendo absolutamente necessária em nossas condições.
3. Reforçar nossa atuação na produção/circulação das mercadorias
Em nosso estágio de desenvolvimento partidário, é essencial reforçar no mundo do trabalho o cerne de nossa atuação. É claro que os trabalhadores também moram em algum local, também andam de trem, também utilizam os aparelhos de lazer, também estudam… Porém, é nos locais de trabalho que o movimento operário se reúne enquanto movimento, que concentra-se por um interesse comum e sob a opressão de um mesmo patrão. Enquanto uma panfletagem em estação de trem encontra uma ampla gama de trabalhadores mas, também, de outras classes e, inclusive, em uma situação de passagem, de movimento, em que a maioria não parará para discutir, conversar, mesmo com os melhores esforços, no local de trabalho todos estão forçados a dividir o local por, ao menos 8h, exclusivamente com outros trabalhadores, e todos discutirão (mesmo que de forma rasa) os problemas de sua empresa, as opressões sofridas, e, claro, também comentarão de questões de fora da fábrica. Logo, o cerne do trabalho político, a ligação principal do Partido com o movimento operário deve ser fundamentalmente nos locais de trabalho.
Dirigir a luta nos locais de trabalho é, essencialmente, influir diretamente na produção/circulação de mercadorias, é influir diretamente na contradição capital/trabalho, que marca a realidade brasileira e cuja centralidade foi aprovada como afirmação de nossa estratégia socialista no XIII Congresso do PCB. Garantir a prevalência dessa tática é fundamental enquanto medida de consequência com nosso Programa e nossa avaliação da sociedade brasileira, bem como a reafirmação do proletariado enquanto classe dirigente do processo revolucionário no Brasil.
Saúdo a iniciativa dos camaradas J.V.O e de trazerem ao centro a questão da especialização dos organismos de base, repudiando nossa prática ainda comum de organizações de base "genéricas", que compreendem amplas extensões territoriais, com baixo envolvimento dos militantes. Porém, devemos estabelecer com clareza que, apesar de diversas formas de organização de base serem necessárias, a principal forma deve ser a célula por local de trabalho.
Com uma ampla e fortalecida base de células de local de trabalho, com a transformação de cada fábrica (e cada loja e escritório) em uma fortaleza do nosso Partido, teremos uma conexão muito mais profunda com a classe trabalhadora de cada território do que temos quando encontramos esses trabalhadores apenas em panfletagens ou eventos específicos.
Com isso em mente, quero abordar também algumas polêmicas específicas que surgiram ou podem surgir:
4. Tamanho
Em primeiro plano, é certo que essas organizações serão bem menores, hoje, do que as células de bairro. Em muitos locais de trabalho, sequer teremos 3 membros. Em outros, isso significaria desmembrar uma célula de bairro. De qualquer forma, creio que a medida se justifica e deve ser tomada. É apenas anarquia organizacional mantermos camaradas com trabalhos políticos distintos em um mesmo organismo apenas para "fazer número". Ademais, em uma reunião de célula com 3 membros assalariados de uma empresa local e outros 6 profissionais liberais residentes da área (estudantes, professores universitários, advogados), é bem provável que os outros militantes, em maioria, se ocupem de todas as questões, exceto aquelas da vida cotidiana da empresa que não conhecem e na qual não podem atuar.
Nesse sentido, não faria mal que os 3 proletários tomassem entre si as discussões mais aprofundadas sobre a mobilização dos trabalhadores da empresa, enquanto os profissionais liberais discutem entre si um movimento de moradia ou transporte, por exemplo. Creio que isso especializaria as discussões, as organizaria, e permitiria uma maior atenção a cada um dos movimentos. Nas palavras de Lenin:
"Não importa que às vezes estas células e estes comitês sejam pouco numerosos; em compensação, estarão ligados pela tradição e organização do Partido e por um programa concreto de classe, e, deste modo, dois ou três social-democratas militantes do Partido saberão, não diluir-se em uma organização legal amorfa, mas aplicar em todas as condições, em todas as circunstâncias e em todas as situações sua linha partidária e influenciar o ambiente com o espírito de todo o Partido, em lugar de deixar-se absorver pelo ambiente."[4]
Em locais em que há menos de 3 trabalhadores, este pode ser inserido em outra célula de local de trabalho próximo, ou em uma célula territorial, mas deve ter como principal tarefa o recrutamento e início da célula em seu local de trabalho. Além disso, tal número diminuto pode ser prejudicial para tentar lidar com todas as tarefas que surgem do movimento de uma cidade ou região com milhares habitantes, articulando 3 ou 4 frentes políticas diferentes, mas é plenamente possível para iniciar um trabalho consequente e focalizado em apenas uma empresa, um local, um departamento, um turno. Mas o mais difícil é iniciar o trabalho no local. A partir do momento que um pequeno núcleo consegue fazer um bom trabalho, consequente, é certo que poderemos ver o crescimento de nossa organização no local.
Isso, claro, também deve vir em conjunto da especialização de nossa estrutura de comitês intermediários (Comitês Locais, Comitês de Zona, etc.). Pretendo dedicar um texto especificamente a essa questão, mas destaco que, hoje, frequentemente as células territoriais cumprem, na realidade, o papel de um Comitê, organizando diversos trabalhos de camaradas distintos, frequentemente sem muita conexão entre eles a não ser o território próximo. A estruturação de mais Comitês intermediários (que, também, não precisam ser maiores do que 5 ou 7 camaradas) permitirá também que se criem quantidades maiores de núcleos, mais especializados, sem com isso sobrecarregar demasiado o trabalho das CRs nas assistências e na direção política e organizativa.
5. Clandestinidade
Em segundo lugar, é certo que, diferente das organizações de base territorial, a organização por local de trabalho exige uma rígida clandestinidade. Afinal, mesmo em momentos em que o governo burguês mantém um véu "democrático" e permite a atividade aberta dos comunistas nas ruas e até no parlamento, a burguesia mantém a mais rígida vigilância policial a seus trabalhadores, utilizando para isso inclusive as direções sindicais conciliadoras e burguesas. Certamente, nenhum camarada aparecerá em seu trabalho com uma camiseta do Partido ou distribuindo uma pilha de panfletos vermelhos incentivando a greve, pois sabemos que no dia seguinte esse camarada não trabalharia mais nesse mesmo local, por mais “democrático” que fosse seu patrão.
Ora, precisamos saber dirigir cada luta parcial dos trabalhadores nas empresas ao mesmo tempo em que preservamos as identidades de nossos camaradas e mesmo a existência da organização. O ideal seria que cada trabalhador soubesse da existência da célula e de seu papel dirigente enquanto o patrão não teria ideia dessa existência. Claro, saindo dos exemplos ideais, essa atuação parece impossível para muitos que estão acostumados ao movimento estudantil das universidades públicas, no qual certamente podemos brandir nossas bandeiras a qualquer momento sem risco de grandes represálias, e temos a saudável prática de nos uniformizar e nos identificar, inclusive, para nos diferenciar das outras muitas organizações do local. Isso permite que qualquer trabalho, qualquer palavra de ordem, seja imediatamente reconhecida, e permite uma mais rápida tomada da confiança dos estudantes que nos conhecem e vêem no dia a dia nosso papel dirigente.
Porém, nos locais de trabalho isso não é possível e o processo de mobilização e conquista da confiança política dos trabalhadores certamente não ocorrerá em um curto período de tempo, mas frequentemente pode demorar até anos para "engatar", especialmente na conjuntura de descenso histórico do movimento sindical. Isso não deve nos desanimar, e faz a tarefa ainda mais urgente, porque apenas a conquista de confiança e o longo processo de preparação da consciência da classe trabalhadora nesse momento de descenso garantirá a hegemonia proletária nos momentos de ascenso, garantirá que nosso Partido tenha as condições mínimas de cumprir seu necessário papel dirigente nesse processo revolucionário.
Além disso, o enraizamento de nossa base nos locais de trabalho é uma reserva essencial para garantir a continuidade de nossas atividades após crises ou no aumento da repressão policial. Com o fim da primeira revolução russa em meados de 1908, a organização dos bolcheviques foi mantida e reconstruída pelos trabalhadores das células de fábrica, especialmente quando a intelectualidade passou a abandonar o partido, uns por desespero, outros sob influência do liquidacionismo. Nosso Partido também se manteve ativo e atuante durante a ditadura empresarial-militar, mesmo sendo o mais perseguido e procurado, graças à acertada orientação sindical de manter a atividade das células nas fábricas e empresas, quando possível atuando nos sindicatos. Isso permitiu que tivéssemos boa influência nos sindicatos na volta à legalidade (infelizmente, a política sindical reacionária e conciliadora dos eurocomunistas fez o desfavor de liquidar nossa influência após isso).
6. Que organização favorece o economicismo?
O camarada Leonardo Vinhó trouxe uma importante contribuição sobre a especialização das células por trabalho político, mas nega a centralidade da organização por local de trabalho porque a associa ao desvio do economicismo, criticando a concepção das resoluções anteriores do PCB (que, infelizmente, jamais saíram de fato do papel).
Porém, o camarada erra na sua interpretação da questão, ao tomar o texto de Lênin sem contexto. Lênin, nesse momento, polemiza no estrangeiro contra dirigentes dos organismos superiores e intermediários do POSDR que querem rebaixar todo o Partido à luta econômica reduzindo sua influência na luta política, ou seja, publicando menos artigos políticos, não dando opiniões sobre as lutas dos liberais contra a autocracia (p. ex., nos Zemstvos, formas de conselhos municipais). Porém, de maneira alguma o camarada busca separar o Partido da direção de cada uma das lutas econômicas. Pelo contrário, ele demonstra como essa direção de cada luta parcial, de cada reivindicação, em um espírito comunista, eleva a consciência das massas operárias. Nesse sentido, ele inclusive provoca os economicistas, afirmando que o Iskra publica mais sobre a vida nas fábricas do que os jornais economicistas.
Em adendo, Lenin discutiu amplamente a posição dos bolcheviques perante os sindicatos e sempre defendeu que não fosse uma atitude neutra, mas sim a de buscar dirigir num espírito comunista as organizações de massa, jamais separando a luta econômica e a política mas permitindo que a atividade partidária nessas organizações aglutine as amplas massas dos trabalhadores que, reunidos pelo interesse econômico nos sindicatos, elevem sua consciência e se lancem mais e mais no movimento político. É assim que o Partido Bolchevique se pronunciou, sob sua direção, em diversos momentos (já peço perdão pelo tamanho das citações, mas creio que a causa é importante):
Cartas para Apollinaria Iakúbova (pp. 44-45, O Centralismo Democrático)
“Não só os revolucionários nunca, em lugar nenhum, aconselharam a virar as costas para a associação, mas, ao contrário, sublinharam que ela é essencial para a social-democracia tomar a liderança do movimento e unir sob a liderança do Partido Social-Democrata revolucionário todos os elementos democratas. No entanto, é preciso cuidar para que as associações legais e as organizações puramente econômicas não separem o movimento operário da social-democracia e da luta política revolucionária, mas elas devem, ao contrário, ligá-los o mais estreita e indissoluvelmente possível.”
Resoluções da VI COnferência de Toda a Rússia do POSDR (Conferência de Praga)
“Sobre o caráter e as formas orgânicas do Trabalho do Partido
(...) 1. é necessária a participação mais ativa das organizações ilegais do Partido na direção da luta econômica (greves, comitês de greve, etc.) e a colaboração nessa esfera, das células clandestinas do Partido com os sindicatos, em particular com as células social-democratas dentro dos sindicatos, como também com os diversos dirigentes do movimento sindical.”
Resoluções da reunião do Comitê Central do POSDR com operários partidários no verão de 1913 (excertos) (pp. 316-7, O Centralismo Democrático)
“2. Todas as atividades em associações operárias legais devem ser conduzidas não em um espírito neutro, mas de acordo com o espírito das decisões do Congresso de Londres do POSDR e do Congresso Internacional de Stuttgart. Os social-democratas devem recrutar membros para todas as associações operárias nos mais amplos círculos da classe operária, e exortar todos os operários a se juntarem a eles, independentemente de suas opiniões partidárias. Mas os social-democratas nestas associações devem constituir-se em grupos partidários e, por meio da atividade prolongada e sistemática, assegurar o estabelecimento de relações mais estreitas entre as associações e o Partido Social-Democrata.
3. A experiência do movimento operário internacional e russo ensina que é necessário, desde o início, que tais organizações (sindicatos, cooperativas, clubes etc.) se esforcem para converter cada uma delas em um reduto do Partido Social-Democrata. Esta conferência exorta todos os membros do partido a terem esta importante tarefa em mente, pois é uma tarefa particularmente urgente na Rússia, onde os liquidacionistas estão fazendo esforços sistemáticos para utilizar as associações legais contra o partido.”
ma posição contrária à de Lenin era a do PSD alemão, que separava mecanicamente as coisas. Para eles, a luta econômica era de responsabilidade dos sindicatos e a luta política era de responsabilidade do Partido. Claro, havia membros do PSD dirigindo os sindicatos e lutas econômicas, mas isso era feito em espírito de neutralidade e ao máximo segregado da luta política, organizada pelos dirigentes partidários, pelos parlamentares e nas células de bairros. Há até um episódio muito criticado por Lenin em que o Congresso Sindical Alemão (com maioria do PSD) aprovou uma resolução contrária à resolução pouco depois aprovada pelo Congresso do PSD sobre a questão das greves políticas.
Apesar de distinto da proposta dos economicistas, essa política levou ao mesmo resultado: restringir a luta política aos intelectuais/pequena-burguesia, e a luta econômica aos operários, segregando-as e removendo seu potencial revolucionário. Por isso, devemos tomar extremo cuidado para, ao fechar a porta para o economicismo, não deixar que entre pela janela. Como bem citou o próprio camarada Vinhó, o Partido revolucionário do proletariado deve saber reagir à todas as formas de opressão, conscientizando os trabalhadores de suas raízes e de nossas propostas para encerrar toda a opressão, e estou convencido que a melhor forma de organizar essa reação é através da organização mais ampla de células por local de trabalho.
7. Disponibilidade e exaustão
Uma outra questão sobre a organização por local de trabalho diz respeito à exaustão que nossa militância sente em todas as esferas de trabalho, aliada à falta de disponibilidade frequente. Em diversas células e núcleos, não temos atividades semanais. Quando um secretário sonda a disponibilidade para determinada atividade, nem todos respondem, e a maioria não pode, especialmente em dias de semana, já que todos trabalham 8h e muitos ainda estudam e fazem trabalhos domésticos.
Ora, quando se milita no local de trabalho, o horário de trabalho é sempre um horário de possíveis tarefas. Nenhuma organização territorial consegue manter todos os seus camaradas por 40h por semana em contato com as bases nas quais busca se inserir, mas o local de trabalho obriga essa dinâmica, permite que muito mais seja feito (apesar da necessidade de segredo). Os contatos mesmo entre camaradas são mais rápidos e dinâmicos.
Minha experiência na direção de organizações do Movimento Estudantil também indicou que a mudança do centro de gravidade das atividades dos militantes para seu próprio local de estudo permitiu que fizessem muito mais e desenvolvessem uma ligação muito mais estreita e forte com os estudantes desse local do que quando aplicávamos medidas de organizações mais genéricas (por setor, por exemplo). Dos relatos que conheço, o mesmo tende a acontecer com os organismos por local de trabalho.
Além disso, a especialização das células também permite o aumento das formulações e discussões gerais dos militantes nelas, mesmo isso parecendo contraditório. Afinal, uma reunião de célula genérica que intervém em 5 ou 6 locais diferentes, com diversos movimentos, fica em geral atolada nas decisões necessárias para manter esses próprios trabalhos, e apesar de todos discutirem os trabalhos de todos, ninguém os discute com profundidade e, frequentemente, “não há tempo” para debater os rumos gerais do Partido, conjuntura, política nacional e internacional, ou mesmo para realizar uma formação sobre os clássicos do leninismo.
Já em uma célula especializada em um local de trabalho pode discutir todas as questões desse local com profundidade, dividindo suas tarefas, e ainda ter tempo para se debruçar sobre outras questões, garantindo um maior engajamento dos militantes nos locais (claro, isso não está dissociado de uma política de direção consequente).
8. Trabalhos “sem local”
Nos casos de trabalhos sem um local específico, o que em crescendo com novas formas de exploração do trabalho (aplicativos, home-office), podemos também encontrar formas de ligar o trabalho político dos camaradas que trabalhem nessas condições, seja através de Células por empresa (v.g. uma célula de trabalhadores da iFood), seja por células de setores de trabalho (v.g. uma célula de entregadores). De qualquer forma, estas também podem ser especializadas a partir das próprias formulações desses setores. Com mais experiência na organização de cada um desses setores, poderemos formular, de forma flexível, as melhores formas de organizá-los.
O que não podemos aceitar é, por uma falta de formulação própria ou por uma rigidez organizativa, impedirmos esses setores de especializar-se, de formular demandas diretamente ligadas com o mundo do trabalho, de organizar sua ação política com foco nos trabalhadores, sem precisar se manter organizados em células territoriais que executam trabalhos completamente diferentes.
Outra coisa devemos pensar para as profissões liberais, como seria o caso da advocacia. Nesse aspecto, apesar de certa proletarização da categoria, a profissão sege sendo marcantemente pequeno-burguesa e está bastante distante do mundo da produção e, na minha experiência, não faz qualquer sentido em organizar-se a partir de local de trabalho, nem em disputar amplamente os sindicatos em um momento inicial (até porque a ampla maioria dos advogados não é sindicalizada). Muito menos, seria uma boa tática disputar a OAB como entidade.
Nesse aspecto, advogados organizados no Partido poderiam tanto organizar-se em células por local de moradia como em organismos especializados de trabalho jurídico partidário. Imagino que o mesmo poderia ser feito para arquitetos, por exemplo.
É certo que haverão diversas exceções, e que devemos ser o máximo flexíveis para poder aproveitar o máximo do potencial de cada camarada. Porém, essas exceções não contradizem, mas confirmam, a regra, que deve orientar no geral para a organização dos militantes trabalhadores em seus locais de trabalho.
9. Outras formas de célula especializada
Nos casos de trabalhos sem um local específico, o que em crescendo com novas formas de exploração do trabalho (aplicativos, home-office), podemos também encontrar formas de ligar o trabalho político dos camaradas que trabalhem nessas condições, seja através de Células por empresa (v.g. uma célula de trabalhadores da iFood), seja por células de setores de trabalho (v.g. uma célula de entregadores). De qualquer forma, estas também podem ser especializadas a partir das próprias formulações desses setores. Com mais experiência na organização de cada um desses setores, poderemos formular, de forma flexível, as melhores formas de organizá-los.
O que não podemos aceitar é, por uma falta de formulação própria ou por uma rigidez organizativa, impedirmos esses setores de especializar-se, de formular demandas diretamente ligadas com o mundo do trabalho, de organizar sua ação política com foco nos trabalhadores, sem precisar se manter organizados em células territoriais que executam trabalhos completamente diferentes.
Outra coisa devemos pensar para as profissões liberais, como seria o caso da advocacia. Nesse aspecto, apesar de certa proletarização da categoria, a profissão sege sendo marcantemente pequeno-burguesa e está bastante distante do mundo da produção e, na minha experiência, não faz qualquer sentido em organizar-se a partir de local de trabalho, nem em disputar amplamente os sindicatos em um momento inicial (até porque a ampla maioria dos advogados não é sindicalizada). Muito menos, seria uma boa tática disputar a OAB como entidade.
Nesse aspecto, advogados organizados no Partido poderiam tanto organizar-se em células por local de moradia como em organismos especializados de trabalho jurídico partidário. Imagino que o mesmo poderia ser feito para arquitetos, por exemplo.
É certo que haverão diversas exceções, e que devemos ser o máximo flexíveis para poder aproveitar o máximo do potencial de cada camarada. Porém, essas exceções não contradizem, mas confirmam, a regra, que deve orientar no geral para a organização dos militantes trabalhadores em seus locais de trabalho.
9. Outras formas de célula especializada
Afirmei acima que saúdo e apoio as iniciativas que apontam para a especialização das células. O camarada Leonardo Vinhó apresentou de forma mais específica a sugestão de termos Células de Agitprop e Solidariedade Internacional. Destaco que isso também foi um debate no IX Congresso da UJC, que rejeitou a possibilidade de se organizar esse modelo de células.
Creio que essa espécie de organização é benéfica, porém, possui limites que devemos conhecer e entender com mais profundidade. De início, pode parecer animador organizar uma célula de agitprop especializada, melhor do que um departamento, na qual os militantes trabalharão apenas nisso. Porém, há duas questões que podem ser prejudiciais para esse tipo de célula:
Em primeiro lugar, não há sentido em um organismo de Agitprop completamente apartado das demandas cotidianas. Esse organismo vai encontrar um meio melhor de dialogar com os trabalhadores de determinado local do que a célula que atua nesse local? A organização da juventude na USP possuía uma comissão especializada de agitprop e os militantes chegaram ao acúmulo de que, ao contrário da liberação dos membros da comissão do seu trabalho nos organismos de base, seria ainda mais fundamental ligar profundamente o trabalho da comissão aos trabalhos dos organismos de base. O mesmo podemos dizer para um organismo de solidariedade internacional. Em que local estamos articulando essas ações? Esse organismo tomaria papel dirigente, poderia descer orientações? Funcionaria com papel consultivo ao organismo superior?
Não creio que esse modelo de célula seja ruim, mas precisamos conseguir delimitar exatamente suas competências e suas funções e o que continuará cabendo para as células ordinárias, evitando também o excesso na criação desses organismos ou em seu tamanho.
Em segundo lugar, a experiência que tive é que, quanto mais apartado de trabalho cotidiano e formulação política e mais envolto em trabalho operacional está um organismo, menos orgânicos ficam seus militantes, especialmente se eles não tiverem qualquer trabalho político além desse. Quanto menos concreto e ligado às massas o trabalho, mais as discussões internas se tornam enfadonhas, aumenta a dificuldade de organização dos militantes, reduz-se o comparecimento em reuniões…
Coloco essas pontuações para que possamos organizar esse trabalho da melhor forma possível e não exagerar em seu tamanho, não inflar suas competências, não removê-lo da vida orgânica do Partido, não transformá-lo em organismo operacional, mas também saber evitar as discussões exclusivamente teóricas sobre o caráter ontológico da agitprop (por exemplo) que não levam a lugar algum.
Sigo destacando que, em primeiro plano, é fundamental organizarmos ao máximo nossa intervenção nos locais de trabalho e, a partir disso e das necessidades desse trabalho, poderemos e deveremos construir células (ou outros organismos) responsáveis pelos trabalhos auxiliares.