'Organizações religiosas e revolução: diálogos necessários' (Lazaro De Almeida)

Ao se comunicar de forma respeitosa, os comunistas podem mostrar que a nossa luta não é contrária à religião. Pelo contrário, pode ser uma forma de fortalecer a fé e a espiritualidade.

'Organizações religiosas e revolução: diálogos necessários'  (Lazaro De Almeida)
"A religião é uma esfera da vida social que tem sido historicamente subestimada pelos comunistas. Isso se deve, em parte, ao fato de que a esquerda tem sido influenciada por correntes de pensamento que veem a religião como uma forma de alienação e opressão, ou um subproduto menor do processo histórico-material. No entanto, essa visão é uma simplificação grosseira. A religião pode ser, e muitas vezes é, uma força de transformação social."

Por Lazaro De Almeida para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A religião é uma força poderosa na sociedade brasileira. Segundo o último censo do IBGE, 86,8% da população brasileira se declara religiosa. Isso significa que, para a maioria dos brasileiros, a religião é um elemento central de suas vidas, suas identidades, influenciando suas crenças, valores e comportamentos.

A religião evangélica tem mais penetração entre os jovens da população (crianças e adolescente), de acordo com o IBGE. "A proporção de católicos é maior entre as pessoas com mais de 40 anos, decorrente de gerações que se formaram em períodos de hegemonia católica".

Em virtude disso, é estranho verificar que pouco tenha se falado disso, entre os camaradas, para A Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A religião é uma esfera da vida social que tem sido historicamente subestimada pelos comunistas. Isso se deve, em parte, ao fato de que a esquerda tem sido influenciada por correntes de pensamento que veem a religião como uma forma de alienação e opressão, ou um subproduto menor do processo histórico-material. No entanto, essa visão é uma simplificação grosseira. A religião pode ser, e muitas vezes é, uma força de transformação social.

Como forma de alienação e opressão podemos citar a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), uma organização neopentecostal. Considero hoje que essa organização e outras da mesma linha da teologia da prosperidade, como a Assembleia de Deus (AD), são as maiores ameaças à revolução e ao movimento comunista brasileiro e ao mesmo tempo representam um projeto de poder de fundamentalismo religioso em curso no Brasil

A IURD é uma das maiores organizações religiosas do Brasil, com mais de 10 milhões de fiéis. Ela possui um grande poder econômico e político.

A IURD usa seu poder econômico para manipular e controlar seus fiéis. Ela exige contribuições financeiras constantes de seus membros, que são na maioria das vezes o proletariado pobre. Essa exploração financeira é uma forma de opressão que dificulta a luta dos trabalhadores por melhores condições de vida.

A IURD, assim como outros grupos corporativos, é proprietária e utiliza muito bem as ferramentas de comunicação para seu proselitismo e defesa. É uma organização com inúmeras rádios e concessões de televisão, sendo a Rede Record a mais conhecida.

O poder político da IURD é uma das suas maiores ameaças. A igreja possui um partido político, o Republicanos, que possui uma grande bancada no Congresso Nacional e também nas Assembleias legislativas e câmaras municipais somente para atender aos seus interesses.

Além disso, a IURD propaga um discurso de intolerância e discriminação, que é usado para dividir a classe trabalhadora e dificultar a construção da unidade de classe. A igreja ataca grupos minoritários, como negros, LGBTs e mulheres, o que contribui para o aumento do preconceito e da violência social.

Outras organizações fundamentalistas religiosas, como a Assembleia de Deus (AD) e outras igrejas neopentecostais, também representam uma ameaça ao processo revolucionário. Essas organizações propagam um discurso de intolerância e discriminação, que é usado para dividir a classe trabalhadora, dificultar a construção de uma unidade e endeusar o empresariado, como os escolhidos por Deus.

O Brasil, historicamente enraizado na influência do cristianismo, particularmente do catolicismo, estabeleceu bases sociais e culturais profundas a partir dessa perspectiva religiosa. Dentro desse contexto, surge a necessidade premente de os revolucionários e os partidos políticos estabelecerem uma relação crítica e um diálogo contínuo com as organizações religiosas. Esta interação multifacetada deve abordar dois pontos cruciais: a denúncia do uso da religião como ferramenta de opressão e a construção de laços de solidariedade e cooperação com comunidades religiosas.

Por um lado, é crucial expor e combater qualquer tentativa de instrumentalização da religião para subjugar ou controlar as massas. A utilização deturpada da fé como uma forma de manter estruturas de poder injustas e opressivas deve ser combatida veementemente. Por outro lado, é igualmente essencial estabelecer canais de comunicação abertos e construtivos com os grupos religiosos, visando criar uma sinergia de esforços na busca por justiça social e direitos humanos.

Nesse sentido, é valioso destacar iniciativas progressistas como a igreja "Comuna de Deus" em Belo Horizonte, a igreja "Coletivação" em Ceilândia-Brasília, assim como os esforços do Padre Júlio Lancelotti em São Paulo e a atuação da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Esses exemplos ilustram a possibilidade e a eficácia de estabelecer alianças táticas produtivas entre movimentos políticos e organizações religiosas, unindo esforços em prol de pautas comuns.

Além desses pontos, é imprescindível ressaltar o papel fundamental das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no enfrentamento e desmantelamento da ideologia. As CEBs, originadas no seio da Igreja Católica, têm sido verdadeiras trincheiras na promoção da conscientização política e social. Elas operam como espaços de reflexão, diálogo e ação coletiva, capacitando os indivíduos a compreenderem sua realidade à luz da fé e a se engajarem ativamente na transformação social.

A Teologia da Libertação, surgida e nutrida nesse contexto das CEBs na América Latina nos anos 1960, não apenas propõe uma conexão entre a fé e a luta pela emancipação dos marginalizados, mas também encontra terreno fértil nessas comunidades. Ela ressoa profundamente com a prática das CEBs, inspirando-as a promoverem uma interpretação da fé cristã que vai além das estruturas hierárquicas e dogmáticas.

Essa corrente teológica não se limita a um discurso meramente doutrinário; ela incita a ação. Propõe um Cristo não apenas como figura espiritual, mas como um exemplo tangível de solidariedade e transformação social. É um chamado para uma prática genuína de empatia e ajuda mútua, instigando a comunidade cristã a se posicionarem ao lado daqueles que historicamente foram marginalizados e oprimidos.

Dessa forma, a Teologia da Libertação não apenas resgata a imagem de um Cristo solidário e transformador, mas também reforça a importância das CEBs como espaços de resistência à ideologia opressora. Ao promover uma leitura crítica das estruturas de poder, tanto políticas quanto religiosas, e ao capacitar os indivíduos a se tornarem agentes ativos de mudança, as CEBs e a Teologia da Libertação se tornam aliadas em nossas pautas.

Por fim, acrescento como ponto a ser observado pelos comunistas é a comunicação respeitosa em relação à religiosidade das pessoas. Isso é importante por vários motivos. Primeiro, porque é uma forma de respeitar a diversidade religiosa do país. Segundo, porque é uma forma de construir pontes com pessoas religiosas, que podem ser aliadas nas nossas lutas. Terceiro, porque é uma forma de evitar que a religiosidade seja usada para justificar opressão e desigualdade.

Ao se comunicar de forma respeitosa, os comunistas podem mostrar que a nossa luta não é contrária à religião. Pelo contrário, pode ser uma forma de fortalecer a fé e a espiritualidade. Os comunistas podem falar sobre como a religião pode ser uma fonte de inspiração para a luta pela igualdade e fraternidade, que são valores fundamentais de todas as religiões.

É importante ressaltar que o respeito à religiosidade não significa que os comunistas devem concordar com as crenças religiosas. Os comunistas podem discordar, mas isso não deve impedir que eles se comuniquem de forma respeitosa com pessoas religiosas.

A seguir, apresento algumas dicas para nos comunicarmos de forma respeitosa com pessoas religiosas:

  • Evite generalizações sobre a religião. Lembre-se que existem muitas religiões diferentes, com diferentes crenças e práticas. E mesmo dentro de uma mesma religião existem várias alas de pensamento.
  • Seja respeitoso com as crenças e práticas religiosas das pessoas. Evite fazer comentários que possam ser considerados ofensivos ou desrespeitosos.
  • Esteja aberto ao diálogo. Não tente impor suas crenças ou opiniões às pessoas religiosas.
  • Procure pontos de convergência entre a religião e a luta comunista.

O estabelecimento de uma relação crítica e um diálogo contínuo com as organizações religiosas representa um desafio significativo para os comunistas. No entanto, essa empreitada é essencial para a concretização de uma revolução que esteja em conformidade com os princípios do materialismo histórico-dialético, do marxismo-leninismo e, acima de tudo, para a formulação de uma revolução brasileira que seja bem-sucedida.


Referências

A religião é o ópio do povo -  o que Marx queria dizer com isso e as influências de Feuerbach

A RELIGIÃO É O ÓPIO DO POVO? | #LéxicoMarx com Alysson Mascaro

Comunadoreino

Cristianismo de libertação, teologia da prosperidade e as perspectivas da luta de classes no Brasil

ESQUERDA, PRECISAMOS FALAR SOBRE RELIGIÃO

Frente de Evangélicos (@frentedeevangelicos) • Instagram photos and videos

Igreja | Coletivação

Jones Manoel: Em nome de Deus e da Revolução: marxismo e religião

Número de evangélicos cresce 61% no Brasil, diz IBGE Série “Poder Universal” da Carta Capital: O IMPÉRIO UNIVERSAL | Poder Universal, episódio 1