Opinião | Quais caminhos o movimento estudantil deve seguir em 2025?
Não podemos permitir que a UNE se furte de se apresentar como alternativa política para a juventude e permita, assim, que movimentos reacionários como o MBL ocupem esse vácuo.

Por Gabriel Tavares, Belém Ribeiro e Vitória Dias (diretores da UNE pela UJC)
O 16º CONEB da UNE, realizado no final de janeiro, foi um um importante espaço de organização estudantil, reunindo centros acadêmicos de universidades do Brasil inteiro, para refletir sobre a conjuntura e pensar nos próximos passos. A UJC participou desse espaço, buscando apresentar sua linha política, intervindo nos debates e dialogando com estudantes. O jornal O Futuro cumpriu um papel fundamental nesse aspecto, introduzindo também discussões e processos em luta do proletariado para dentro do movimento estudantil. Ao longo do texto, iremos apresentar uma análise geral do processo, os limites que encontramos e como atuamos no espaço.
Desde o início, o tema central do CONEB girava em torno da Reforma Universitária, a grande campanha que a direção majoritária da UNE se propôs a construir para esse ano, como ferramenta de disputa política em torno do projeto de universidade defendido pelo movimento estudantil. O fato é que essa discussão acabou sendo secundarizada, a partir de uma política econômica do Governo Lula-Alckmin que acabou enterrando qualquer ilusão que se tinha de fortalecimento do financiamento dos serviços públicos em geral, em particular da educação. Na verdade, o Programa de Parcerias de Investimentos, iniciativa de Temer e ampliada por Lula, abriu espaço para a realização de parcerias público-privadas, com financiamento do BNDES, no investimento em serviços públicos. Além disso, o Novo Arcabouço Fiscal, um teto de gastos implementado por Haddad, impôs restrições significativas ao orçamento, inviabilizando, por exemplo, o reajuste salarial de servidores das instituições federais de ensino, que se mobilizaram em greve no ano de 2024.
No CONEB, tivemos uma carta, aprovada no Seminário de Gestão da entidade, protocolada junto ao MEC, em um ato simbólico. Tal iniciativa passou despercebida do conjunto dos estudantes ali presentes, embora devesse representar as reivindicações do movimento estudantil de transformações na universidade. Tal documento, embora bastante contraditório, pois defende a mera regulamentação do ensino privado e do EAD, possui elementos importantes, como a retomada da pauta sobre democracia nas instâncias de direção das universidades, o fim do vestibular e o uso de 10% do PIB para a educação.
É evidente que tais reivindicações não poderiam assumir um papel central nesse evento. Elas são contraditórias com a política econômica implementada pela gestão Lula-Alckmin, onde Fernando Haddad articula a austeridade da cartilha neoliberal do FMI. As organizações que dirigem a UNE não podem levar essa batalha até as últimas consequências, justamente por serem parte do governo, e apoiarem – ou ao menos não se posicionarem – diante de ataques aos direitos e interesses da classe trabalhadora.
A organização do evento demonstra isso logo de cara. A presença de estandes de ministérios, que divulgavam as políticas públicas do governo para os estudantes, fornecendo brindes, embora ajudem na realização de um evento de grande porte, mostra que o espaço cumpre um papel de convencimento sobre as ações governamentais, e não de disputa ou crítica. Mais do que isso, a presença de convidados como Márcio Macedo (PT), Secretário-Geral da Presidência, que em Sergipe se aliou a bolsonaristas e perseguiu críticos de sua atuação, ou mesmo João Campos (PSB), prefeito de Recife, que investiu mais em propaganda pra aliviar sua imagem de playboy do que em obras para impedir alagamentos na cidade, mostra a ligação umbilical entre a direção majoritária da entidade e os representantes da “frente ampla democrática” que compõe o Governo Federal.
Se a discussão de projeto de universidade e o enfrentamento à política econômica que enfraquece a educação ficou em segundo plano, o debate central girou em torno do combate à extrema-direita e a defesa da democracia. Para nós, enfrentar os setores reacionários, comprometidos com o aprofundamento da exploração capitalista, a desnacionalização de nossas riquezas e a repressão aos setores discordantes é uma prioridade absoluta. Em nossa história de uma juventude quase centenária, estivemos à frente das principais mobilizações antifascistas do país, como na Revoada das Galinhas Verdes e enviando militantes para comporem as Forças Expedicionárias Brasileiras na 2ª Guerra Mundial. Avaliamos, no entanto, que a continuidade da política neoliberal, aliada a uma série de promessas abstratas e impossíveis de serem realizadas nos marcos do capitalismo dependente em crise, são também um espaço para a extrema-direita crescer de maneira demagógica, principalmente por possuir uma estrutura de organização inabalada desde sua consolidação enquanto força política relevante na sociedade brasileira, uma vez que não avançam movimentações para punir e responsabilizar esses setores pela tragédia vista na pandemia e pelas movimentações golpistas. A classe trabalhadora, fragmentada e desorganizada, é mobilizada pela insatisfação com as políticas do governo, para a outra alternativa com expressão de massas.
Um último exemplo de limite para a luta da UNE em relação à política do governo federal está na moção “unitária” aprovada no CONEB, que define um calendário de lutas para o movimento estudantil. Logo de início, dos dias 17 a 21 de fevereiro, uma genérica Semana Nacional de Luta por Orçamento da Educação. Existem cortes concretos no financiamento da educação pública, como no FUNDEB e um déficit histórico no financiamento das universidades públicas. O chamado não menciona o teto de gastos e abre espaço para posicionamentos dúbios, sem definir os responsáveis diretos pela política fiscal. A semana já passou e nenhuma “luta por orçamento da educação” foi feita – sem maiores explicações, a data foi jogada para os dias 11 a 15 de março. No 28 de Março, dia do assassinato pela ditadura empresarial-militar do estudante secundarista Edson Luís, uma ainda mais genérica Jornada de Lutas da Juventude, que direciona o movimento estudantil para uma luta abstrata, sem inimigos ou pautas.
Para além da luta defensiva contra uma política econômica de austeridade, existem algumas pautas que entendemos que devem ser centrais para o ano de 2025. A primeira delas diz respeito à Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, a COP30, que será realizada ao final do ano em Belém. Enquanto o governo do Pará, de Helder Barbalho (MDB) e o governo federal buscam utilizar o evento como a grande fachada de transformação em direção ao “capitalismo sustentável”, avançam as concessões às mineradoras, o garimpo ilegal e o genocídio dos povos indígenas. É um grande teatro que está sendo armado, sob a lógica dos “grandes eventos”, consagrada durante o governo Dilma, que expropriou territórios e abriu oportunidades de enriquecimento para empreiteiras e fundos de investimento. O movimento estudantil deve se envolver diretamente com a pauta, mobilizando a juventude brasileira para denunciar a atuação do agronegócio e demais frações da burguesia extrativista e a conivência de Lula-Alckmin com isso.
A segunda, por sua vez, é uma pauta ofensiva da classe trabalhadora. Em 2024, depois de muitos anos, houve uma movimentação espontânea da classe trabalhadora que retomou a pauta histórica do movimento operário da redução da jornada de trabalho. Através da articulação, sobretudo através das redes sociais, estabeleceu-se um consenso em torno da necessidade do fim da perversa escala 6x1, que dá apenas um dia de folga a cada 6 dias trabalhados, além dos baixos salários e direitos limitados. A mobilização foi tamanha que obrigou parlamentares de direita a se posicionarem à favor e assinarem o pedido de protocolação da PEC da deputada Erika Hilton (PSOL). Até agora, não tivemos novos avanços. A PEC ainda não foi protocolada na Câmara, e existe a ameaça concreta de que os diferentes partidos políticos do Congresso Nacional intervenham para enfraquecê-la no processo legislativo. A mobilização nas ruas, nos diferentes locais de trabalho, com apoio direto do movimento estudantil – cada vez mais proletarizado – é ferramenta essencial para avançar nessa conquista. A decisão da majoritária da UNE foi de se incorporar ao plebiscito nacional, organizado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, que será realizado apenas em setembro.
Se na primeira pauta, Lula está atuando diretamente pela realização da COP30 e no uso político do espaço para sua imagem internacional, na segunda não se posiciona diretamente. Seu Ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), disse que seria uma questão para ser resolvida entre patrões e empregados, retomando uma das bases da reforma trabalhista de Temer, em 2022. Lula, o antigo líder metalúrgico, não atuou em prol da redução da jornada de trabalho - a principal pauta da classe trabalhadora para o ano de 2025, pois ela afeta diretamente os interesses do empresariado brasileiro, o qual Lula mantém profundo compromisso para mantê-los satisfeitos.
Diante dessas limitações políticas do governo, seus compromissos com a burguesia e da implementação de uma política econômica contrária aos interesses do proletariado, acreditamos que a maior entidade estudantil da América Latina deve apresentar uma outra perspectiva, não como apoiador acrítico ao governo federal, se pendurando nele em direção ao abismo que se dirige.
O caminho nos parece aglutinar todos os setores que acreditam que a UNE deva ser independente dos governos, isto é, que possua autonomia política para emitir seus posicionamentos e organizar mobilizações. Como dito antes, os posicionamentos genéricos de hoje preservam os responsáveis por graves ataques que sofremos enquanto estudantes. Essa independência é necessária para criticar a política econômica do governo que, para além da quantidade de medidas atrapalhadas (como a questão do PIX ou a taxação das pequenas importações), tem como prioridade o corte de gastos nos serviços públicos e direitos sociais. Se existe o interesse em se opor a essas medidas, é necessário se opor aos setores que o sustentam politicamente.
No acirramento da conjuntura, com a extrema-direita ganhando cada vez mais espaço nas brechas apresentadas pelo Governo Lula-Alckmin, não podemos permitir que a UNE se furte de se apresentar como alternativa política para a juventude e permita, assim, que movimentos reacionários como o MBL ocupem esse vácuo. A tática de “apoiar o governo petista a qualquer custo”, essa sim, mantida inabalada desde 2003 pela majoritária, levou a UNE a seu esvaziamento e perda de legitimidade perante a base estudantil. Retomar essa tática, com uma extrema-direita fortalecida, nos parece um suicídio político. Por outro lado, foi a mobilização à esquerda, dos povos indígenas e dos professores do Pará que fez o governo Barbalho, aliado do petismo a nível nacional, revogar a lei 10.820, mesmo que o caminho tomado pela Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (PSOL), e pelo governismo em geral, tenha sido a da conciliação. O governo foi derrotado, felizmente.
As companheiras do Afronte, que compõe a Juventude Sem Medo, argumentam em seu Para que serve a oposição de esquerda hoje na UNE?, que diante das mudanças na conjuntura e de um refluxo no movimento estudantil, não haveria espaço para construir oposição, e que o caminho seria uma grande unidade política. Os elementos que explicam o enfraquecimento de nosso movimento são plausíveis, mas um outro elemento deve ser adicionado: a eleição da frente ampla, vendida como a grande resolução dos problemas, também confunde nosso movimento. Por um lado, alguns acreditam que as coisas estão resolvidas e que devemos esperar. Por outro, alguns se frustram com o caminho seguido pelo governo, em um processo de desilusão. De que forma podemos solucionar isso se não pela crítica e pela disputa política? Se não apresentarmos um outro caminho, que exige a mobilização permanente e a autoorganização de nossa classe em torno de um projeto de emancipação, a burguesia e toda a miríade de seus representantes vai apresentar o seu.
Sendo assim, não acreditamos que exista espaço para “campos intermediários” ou que os grupos insatisfeitos com a política do governo e a atuação da UNE diante dele atuem isoladamente. É legítimo defender a conciliação de classes, a austeridade fiscal, a mercantilização dos direitos e serviços públicos, e a continuidade de uma série de práticas repudiáveis em qualquer governo “porque é o que tem”. Somos contrários a isso e enfrentaremos esses setores nos espaços políticos. Mas é legítimo também que as posições sejam assumidas, Sem Medo. Agora, se entendemos que a articulação da rede nacional do movimento estudantil através de uma entidade única é uma ferramenta de potencialização da nossa luta, e que a atual condução da entidade leva ao seu enfraquecimento político, justamente por seguir priorizando a conciliação de classes, devemos ter a capacidade, de apresentar uma alternativa de oposição pros estudantes brasileiros, que veja nossos direitos até agora conquistados como inegociáveis. Que não tolere nenhum tipo de retrocesso, independente de quem esteja o implementando. Quem sabe assim, ampliando a força desse lado na UNE, não consigamos construir verdadeiras lutas em unidade, falando de problemas concretos e reais que os estudantes atravessam, e, seguindo o exemplo dos movimentos vitoriosos no Brasil - que não se curvaram ao governismo - tenhamos vitórias reais.