O teatro e a realidade: o papel de Gabriel Galípolo no Banco Central

Nesta quarta-feira (11/12), em votação unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar a taxa básica de juros (Selic) em 1%, atingindo o patamar de 12,25%. É a maior taxa de juro real (taxa de juros descontada a inflação) do mundo.

O teatro e a realidade: o papel de Gabriel Galípolo no Banco Central
Gabriel Galípolo e Fernando Haddad. Foto: Reprodução/Agência Brasil.

Por Redação

Nesta quarta-feira (11/12), em votação unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar a taxa básica de juros (Selic) em 1%, atingindo o patamar de 12,25%. É a maior taxa de juro real (taxa de juros descontada a inflação) do mundo. Na mesma reunião do Copom, o comunicado, redigido pelo diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, indica a tendência para as próximas reuniões do Copom em 2025: "Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões". A indicação política é clara: em março de 2025, jogar a taxa básica de juros para estratosféricos 14, 25%.

Esse aumento na taxa Selic vai provocar um crescimento na despesa financeira do Estado na ordem de R$ 50 bilhões. Basicamente, podemos dividir o gasto público do Estado brasileiro em dois grandes “ramos”: gasto financeiro e gasto primário. O gasto primário é o dinheiro gasto com saúde, educação, cultura, assistência social, previdência social, bolsa-família, ciência e tecnologia, funcionalismo público etc. Já o gasto financeiro do Estado é, grosso modo, o gasto com juros e serviços da dívida pública.

A taxa Selic serve como um indexador de vários títulos da dívida pública. Em linguagem mais simples, o quanto o Governo Federal vai pagar de juros em diversos títulos da dívida pública é regulado de acordo com a Selic. Se aumenta a taxa Selic, aumenta a despesa com juros da dívida pública. Por isso, esse aumento de 1% vai acarretar um crescimento gigantesco na despesa financeira do Estado. Frente a isso, nos próximos dias, veremos a mídia burguesa divulgar que o déficit nominal está em crescimento e que por isso é necessário cortar gastos. Mas o que é o déficit nominal?

É a diferença entre o que o Governo Federal arrecada e gasta, somando o gasto primário e o gasto financeiro do Estado. Com o aumento da taxa Selic, cresce o gasto financeiro, com o crescimento do gasto financeiro, cresce o déficit nominal. A mídia burguesa tende a apresentar o crescimento desse déficit como se fosse fruto de “gastança” na despesa primária; ou seja, “gasto demais” com saúde, educação, cultura, previdência social etc. Desse modo, defende a necessidade de “cortar gastos” para “equilibrar as contas públicas” e ter “responsabilidade fiscal”. Cortar o gasto financeiro, reduzindo a taxa de juros? Não. Cortar no gasto primário que não tem responsabilidade pelo aumento do déficit nominal. Uma mentira institucionalizada, funcionando como ideologia para legitimar os interesses do rentismo que garante o lucro da classe dominante brasileira.

Como falamos, o aumento da taxa Selic foi com votação unânime. Todos os indicados pelo Governo Lula-Alckmin votaram para elevar a taxa básica de juros e garantir mais bilhões para os rentistas. Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central, indicado por Lula, foi um dos defensores dos juros estratosféricos. O petismo, com discurso despolitizado e simulando enfrentamento ao rentismo, passou todo o ano de 2023 personificando o problema só na figura de Roberto Campos Neto, atual presidente do BC, chamando-o de bolsonarista, empregado de banqueiro, sabotador etc. Mas existem diferenças substantivas entre Campos Neto e Gabriel Galípolo? O portal Poder360 formou um quadro comparando as posições de Galípolo e Campos Neto nas reuniões do Copom. Como podemos ver no quadro abaixo, ambos concordam no fundamental, sempre apontando a tendência de juros altos e, quando tivemos a única discordância, Gabriel Galípolo defendeu uma taxa de juros mais alta que Campos Neto.

Reprodução: Poder 360.

Outro ponto que vale destacar, para além das convergências de votação nas reuniões do Copom, é a convergência de diagnóstico macroeconômico entre Roberto Campos Neto e a equipe econômica do Governo Lula-Alckmin, com protagonismo do Ministério da Fazenda, dirigido por Fernando Haddad. O economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, no artigo “Não existe alternativa?”, publicado no site A Terra é redonda, mostra com clareza essa convergência:

“A posição teórica e ideológica do Ministério da Fazenda sobre o mix de coordenação entre política monetária e fiscal é, rigorosamente, a mesma posição neoliberal do BC [Banco Central], também academicamente desatualizada quanto a seus impactos econômicos esperados. A única diferença é de ritmo de implementação: Haddad alega que o BC deveria confiar nas boas intenções contracionistas do arcabouço fiscal e antecipar uma redução mais robusta das taxas de juros básicas. No entanto, Haddad aceita que a política fiscal seja coadjuvante da política monetária, ou seja, que respeite as condições fiscais definidas pelo presidente do Banco Central autônomo para baixar taxas de juros a curto prazo. A longo prazo, Haddad também aceita a proposta de Campos de subordinar a política fiscal ao objetivo de estabilizar a trajetória da dívida pública através da contração da proporção do gasto público no PIB. À moda neoliberal, espera que o PIB seja puxado pelo setor privado em resposta à contração fiscal, à redução de juros e de reformas institucionais que estimulem a canalização da riqueza privada empoçada hoje em títulos públicos de alta liquidez para investimentos na produção de bens e serviços”.

A conclusão é inequívoca: o Banco Central dirigido por Campos Neto e a equipe econômica tem o mesmo diagnóstico político e ideológico – a serviço da classe dominante – e essa convergência se expressa nas votações do Copom e no papel de Gabriel Galípolo, dando todos os sinais possíveis de que o Banco Central continuará atuando como um representante do rentismo, garantindo lucros bilionários para todos os setores da classe dominante.

Mas e a “briga” entre Campos Neto e o Presidente Lula? Não passou de um teatro de mau gosto. Assim que ganhou a eleição de 2022, Lula e Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, garantiram que a “autonomia” do Banco Central seria mantida. Em seguida, o Governo Lula-Alckmin nunca atuou para derrubar a “autonomia” do BC, não usou os bancos públicos para reduzir a taxa de juros na economia (fazendo frente à tendência de alta da Selic), nunca usou sua maioria no Conselho Monetário Nacional (composto pelo Presidente do Banco Central e Ministros do Planejamento e Fazenda) para mudar a meta de inflação e pressionar para baixo a taxa de juros e mesmo com o presidente criticando Campos Neto, o Ministro da Fazenda corria para concordar e reforçar as posições do presidente do Banco Central.

O debate despolitizado do petismo, resumindo o problema ao caráter bolsonarista de Campos Neto, nunca colocou em questão o rentismo como parte intrínseca da reprodução do capitalismo dependente brasileiro na sua fase neoliberal. Nunca fez uma campanha política, mobilização de rua e politização para recuperar o controle público do BC e não se propôs a debater as reais causas da inflação brasileira e como enfrentá-la, aceitando a mentira que aumentar sempre a taxa de juros reduz a inflação.

Agora, com Gabriel Galípolo no limiar de assumir a presidência do Banco Central, o discurso despolitizado de que o problema se resume ao presidente bolsonarista, cai por terra. A maioria dos indicados para diretoria do Banco Central, a partir de janeiro de 2025, são frutos de ações do Governo Lula-Alckmin. Em 2025 e 2026, a presidência do Banco Central e a diretoria, serão de maioria de indicados petistas – muitos deles, inclusive, ex-funcionários do Ministério da Fazenda. As condições para um teatro de luta acabaram. Resta a realidade. E a realidade é que o Banco Central segue como um instrumento de expropriação do fundo público para garantir lucros bilionários para os capitais nacionais e estrangeiros, esfolando em dívidas o povo trabalhador do país.