O STF é vanguarda no ataque aos direitos trabalhistas
O Supremo Tribunal Federal (STF) vem dando sua contribuição se perpetuando enquanto a vanguarda da demolição dos direitos trabalhistas em claro aceno às pressões das grandes corporações que mercantilizam serviços.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não é apenas elemento de uma política governista específica do contexto histórico do século XX, e sim uma manifestação jurídica em resposta às intensas e profundas mobilizações da classe trabalhadora, para que garantias mínimas fossem asseguradas de forma legal às trabalhadoras e trabalhadores no Brasil. Apesar disso, a implementação da CLT não impossibilitou que a classe trabalhadora sofresse os mais variados ataques da classe dominante utilizando diversos aparelhos do Estado, seja em período “democrático” ou ditatorial.
Na década de 1980, uma das grandes bandeiras da burguesia brasileira era acabar com a CLT. Não é exagero afirmar que a Nova República, nascida da constituição de 1988, tem como uma das suas marcas centrais o ataque sistemático aos direitos trabalhistas e a criação de modalidades mais precárias de trabalho - terceirização, pejotização, estímulo à informalidade etc.
A Reforma Trabalhista, de 2017, é um dos diversos pontos fundamentais da desconstrução dos direitos trabalhistas no Brasil. Com os ataques constantes à capacidade de sobrevivência da classe trabalhadora, essa desconstrução de direitos impacta diretamente no índice de desemprego e na taxa de informalidade. O governo de Michel Temer significou um período crucial na defesa de uma agenda golpista que privilegiou a pauta do capital em meio à crise econômica. Nesse período, os interesses foram centralizados pela privatização das estatais, a defesa ferrenha dos interesses privados e o enfraquecimento da CLT. A aceleração das pautas políticas e econômicas da classe trabalhadora acirra a dominação de classe e revela o verdadeiro embate entre os interesses da burguesia e as condições de reprodução de vida do proletariado.
Assim, fazendo parte da institucionalidade burguesa e sendo um dos instrumentos que demonstra diariamente sua eficácia na dominação de classe, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem ofertando sua contribuição se perpetuando enquanto a vanguarda da desconstrução dos direitos trabalhistas.
Da reforma trabalhista à decisão do STF que não reconhece o vínculo empregatício entre trabalhadores e empresas
A Lei 13.467 de 2017, Reforma do Trabalho, iniciou um intenso processo de demolição dos direitos sociais da classe trabalhadora no Brasil, mas não se manteve como única fonte desse retrocesso. Há em curso, desde 2017, uma intensa e sistemática destruição por meio de reformas, ataques às instituições públicas que atuam pelo equilíbrio mínimo das relações de trabalho e decisões que picotam os direitos consolidados e reconhecidos por meio das lutas dos trabalhadores ao longo da história do Brasil.
A precarização das relações de trabalho afeta toda a classe trabalhadora e repercutem diretamente na camada da população que atua na informalidade. Pelo julgamento do mérito do vínculo de trabalho existente entre motoristas e aplicativos, a recente decisão do STF atacou frontalmente os direitos não apenas de motoristas que atuam por meio de plataformas e aplicativos, mas operou em consonância com o projeto de total desmantelamento dos direitos trabalhistas. Pela escolha do não reconhecimento do vínculo entre os trabalhadores e as empresas desse ramo se confirmou o entendimento pela repercussão geral que alcançou todos os casos em trâmite com esse mérito, mas também impetrou pela própria fragilidade do instituto do vínculo empregatício previsto legalmente. Em matéria à Rádio Agência, o professor Rodrigo Carelli (UFRJ) denuncia esse ataque aos trabalhadores reforçando o caráter ultraliberal da decisão, que afetará potencialmente todos os brasileiros.
Em 2022, o STF decidiu que normas de acordos e convenções coletivas de trabalho limitem, restrinjam ou afastem direitos trabalhistas (com exceção dos direitos indisponíveis previstos na Constituição Federal de 1988). Decisões como esta não só caminham para um cenário de enfraquecimento das entidades sindicais como também enfraquecem a própria força das mobilizações dos trabalhadores e acabam por conformar uma crença irreal de que a autonomia das partes nos contratos de trabalho não aprofunda a relação desigual entre trabalho e capital. Na prática, repercutem diretamente para que os direitos trabalhistas sejam extirpados em nome da neoliberalização cada vez mais profunda dos aspectos político-econômicos, como se fosse possível que os acordos entre empregadores e trabalhadores fosse garantir condições mínimas de segurança e vida. Em fevereiro de 2024, o STF voltou a atacar os direitos trabalhistas já consolidados, acenando à possibilidade de demissão sem justa causa de funcionários estatais. A tese firmada no julgamento pelo STF foi de que “As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista”, decisão que abre margem para que seja derrubado o entendimento de estabilidade de funcionários públicos.
Os ataques do STF ao piso salarial da enfermagem
Em dezembro de 2023, o STF decidiu, por maioria de votos, pela implementação do piso da enfermagem para os profissionais celetistas de forma regionalizada, o que significa dizer que deixará para que sejam realizados por meio de negociação coletiva, ou seja, que prevaleça aquilo que foi negociado em detrimento do que é legislado. A exigência máxima para essa defesa do STF resta nos interesses de grandes planos de saúde que atuam pela mercantilização dos serviços e exercem força nos ataques ao piso da enfermagem, classe que se manteve em mobilização de luta pelo piso conquistado e referenciado de forma expressa pela Lei 14.581 de 2023, que garantia R$4.750 para profissionais de enfermagem, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$2375 para auxiliares a parteiras.
A categoria da enfermagem foi a que mais sofreu diretamente com os impactos da pandemia de Covid-19 e constantemente é afetada pelas epidemias a que é exposta, como o recente aumento de dengue. Mesmo com os obstáculos da insalubridade e periculosidade da prática cotidiana, se mantiveram nos anos subsequentes em mobilização constante para garantia do piso, por meio das entidades de representação, como os sindicatos e a Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE). A decisão do Supremo Tribunal Federal é uma afronta a essas mobilizações e a toda categoria, majoritariamente composta por mulheres trabalhadoras que dividem os riscos da prática do trabalho com a sobrecarga dos cuidados e afazeres domésticos. Na decisão do Supremo, o pagamento do piso será proporcional à carga horária de 8 horas e 44 horas semanais de trabalho, o que, na prática, significa a redução de salários de enfermeiras e enfermeiros. Além disso, a decisão também ataca pela via da regionalização, permitindo a flexibilização dos valores de acordo com a região, pela premissa de que as regiões do país devem ser tomadas de acordo com suas especificidades. Na prática, há uma inconstitucionalidade nessa questão por prevalecer o negociado e não o legislado, colocando o valor do piso abaixo em regiões onde se entender, em negociação coletiva entre sindicato patronal e laboral, que o piso estabelecido é muito alto. Essa decisão também contraria a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os ataques à categoria da enfermagem representam um grande retrocesso na defesa dos direitos trabalhistas. É mais uma demonstração dos Poderes Executivo e Judiciário pela escolha política da defesa das grandes corporações e entidades que exercem pressão para que os direitos trabalhistas prossigam sendo atacados. O governo Lula-Alckmin cada vez mais aponta para a defesa do lucro e ataques à dignidade de vida da população, por meio do Arcabouço Fiscal, das privatizações e da manutenção das reformas que prosseguem afetando drasticamente a vida de trabalhadoras e trabalhadores no Brasil.
A precarização das relações de trabalho não só ataca os direitos trabalhistas, como alteram profundamente a própria construção e potencial de organização do proletariado brasileiro, gerando o enfraquecimento das mobilizações sociais, o desmonte das instituições e entidades que operam pela sua proteção mínima em matéria de garantias e uma alteração alarmante no “mundo do trabalho” e das condições de vida. Acirra-se o cenário atual do proletariado por meio do aumento exponencial da informalidade, que submete trabalhadoras e trabalhadores a jornadas exaustivas, risco do desemprego, condições insalubres e total desamparo em matéria de defesa de direitos, por estarem às margens da legislação, que cada vez mais vem sendo alterada para não os alcançar. Entre o desemprego e as relações de trabalho instáveis e precárias, a classe trabalhadora brasileira também assiste, já há anos, a destruição total da legislação que outrora garantiu condições mínimas nas relações de trabalho, mas que nunca atuou como fonte e instrumento real de proteção aos seus interesses.