'O Socialismo e a República Popular da China: uma resposta à tribuna Anti-KKE' (Alessandro)
A influência imperialista menos agressiva da China em algumas partes do mundo é uma abordagem tática temporária, que no momento detalha a tática de expansão mais promissora do imperialismo chinês devido à posição de mercado da China e à situação geopolítica específica.
Por Alessandro para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
1. Introdução
O camarada Gramscinho, em sua tribuna “Anti-KKE Pt.1: Uma introdução em defesa do socialismo real” incorre em erros presentes em diferentes concepções do MCI em torno do que se convencionou chamar de “socialismo real” pós 91, posições essas em ascendência com o escalonamento das tensões do bloco China-Rússia com o bloco EUA-UE. Antes de começar, porém, gostaria de me solidarizar com o autor da tribuna que, como vi dizendo em seu perfil nas redes sociais, escreveu sua primeira tribuna pública. Porém, o que se seguiu foram xingamentos por parte da militância de que seus escritos eram burros, ridículos, etc. Se antes não tínhamos formas de debater abertamente, hoje temos uma parcela da militância que age de maneira avessa à camaradagem com a possibilidade de debate aberto e em prol de se criar um ambiente em que a exposição de ideias não é bem vista, com potencial de gerar desistência da disputa sobretudo de elementos recém-ingressos no nosso partido, além óbvios recortes de opressão de raça e gênero que esse movimento possa vir a ter.
Dito isso, escrevo esta tribuna para debater sobretudo o “socialismo” chinês e por que esta concepção do camarada rebaixa o horizonte estratégico de qualquer partido revolucionário, quer ele esteja no poder ou não. Farei esta tribuna à luz de contribuições daquilo que considero a ala que devemos nos aproximar no MCI atualmente, contribuições em especial do TKP, em seu texto “Teses sobre o imperialismo no eixo da Rússia e da China, tradução livre” (2017, tradução livre), e da KO alemã sobretudo em sua contribuição “O DKP, o socialismo e a República Popular da China” (2023, tradução livre), que recomendo a leitura; mas não conseguirei abordar em uma só contribuição também a questão do KKE, que também não foi também muito abordada pelo camarada, apesar de mencioná-lo no título.
2. Os erros de Gramscinho e os caminhos da crítica
É importante levantar que o camarada deixa claro sua falta de tempo para elaborar diversas questões. Ainda assim, seus erros mais evidentes estão em:
1. Uma redução forçosa do conceito de imperialismo enquanto sinônimo de capitalismo para disto refutar a concepção de uma disputa interimperialista no cenário internacional atual.
2. Uma posição seguidista de outras organizações políticas, inserindo, por exemplo, que reivindicar Cuba e não a China enquanto experiência socialista é um contrassenso pelo único motivo do PC Cubano dar declarações de apoio à experiência do Partido Comunista Chinês (doravante PCCh).
3. Uma relação pouco fundamentada e simplista das relações políticas, armamentistas, econômicas e sobretudo no que tange à geopolítica e à defesa nacional de países socialistas e sua relação com a China, tomado pelo exemplo da Coreia Popular e seus tratados de defesa-mútua, tratados estes necessários aos países que buscam sua soberania nacional a todo custo e que não conseguem salvaguardá-la sozinhos.
Para além destes erros que estão claramente presentes na tribuna do camarada, buscarei atravessar algumas questões políticas também importantes que fundamentam e são o plano de fundo de diferentes erros em relação à República Popular da China (doravante RPC), sendo eles:
4. O abandono da concepção de que o socialismo é um passo necessário para derrotar o imperialismo e desenvolver, de maneira eficiente e planificada, as forças produtivas.
5. O sistema mundial imperialista ser assimilado ao Ocidente e suas guerras, tomando pela essência do imperialismo sua aparência bélica.
6. Uma má ou ausência de debate ideológico, além do histórico-político, para diversas questões relevantes na história do movimento operário do século XX, como a cisão sino-soviética, fazendo com que tanto o revisionismo kruschevista quanto os erros do PCCh mesmo antes de Deng serem considerados irrelevantes.
7. Tomar a propaganda anti-China como eixo central do qual o MCI precisa se afastar, ignorando com isto os argumentos político-econômicos que denotam um abandono do horizonte socialista da RPC, igualando a propaganda e a materialidade e buscando a criação de outro real.
3. As relações sociais de produção e o abandono do horizonte socialista
Há diferentes prismas em que este debate em si pode ser tratado, vou abordar aqui do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas e o que isso significa não na teoria marxiana, mas a partir da perspectiva do primeiro país que teve de dar vazão prática a essa questão, a Rússia Soviética. Em março de 1920, no Teatro Bolshoi é instalado o IX Congresso do Partido Bolchevique, cujo tema central seria “reconstrução econômica do país” e onde seria discutido o plano econômico único para toda a Rússia, com prioridade para a eletrificação. É neste período que se vivifica o mote: “Comunismo é o poder soviético mais a eletrificação de todo o país”, como dizia Lenin, destacando o papel decisivo desempenhado pelo desenvolvimento das forças produtivas para o sucesso da revolução recém empreendida.
Entretanto, no estágio imperialista do capitalismo, esse desenvolvimento somente pode ser atingido até certo ponto caso ele não venha acompanhado de um desenvolvimento político e, em especial, economicamente consciente e planejado do “poder soviético”, isto é, daquilo que pós-revolução conseguimos dar nome de relações sociais de produção de um modo de produção socialista. Desde a década de 90, porém, a China expressou uma guinada em direção à flexibilização das relações sociais de produção até seu desaparecimento, exemplo pictórico narrado na frase muito vezes mudada de contexto de Deng Xiaoping, então Secretário do PCCh, de que “não importa a cor do gato, importa que ele cace os ratos” (1), exemplificando a noção de que uma produção mais eficiente era possível como resultado do modo de produção da economia de mercado, como resultado da substituição do socialismo pelo capitalismo na China ou, como chamam, o socialismo de mercado.
Esse movimento denota uma concepção equivocada entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção, como se, no estágio imperialista do capitalismo, as forças produtivas não se tornassem na realidade em forças destrutivas, com base na apropriação privada do lucro monopolista que se opõe à utilização deste desenvolvimento e o conjunto das técnicas ao interesse do proletariado de uma ou de todas as nações. Além disso, é uma realidade muito turva que um país com tão alto grau de monopolização deva continuar aumentando suas forças produtivas antes de ser considerado maduro para a tomada intransigente do poder pelo proletariado chinês. Por quanto tempo mais o desenvolvimento econômico chinês deverá “correr atrás do prejuízo” quando ele, na realidade, já está desafiando a hegemonia dos EUA na cadeia privilegiada do imperialismo mundial? Este é um dos sinais que apontam o impulso das classes burguesas no interior do PCCh.
Na RPC há hoje 6,3 milhões de milionários, enquanto nos EUA 24,5 (2). Os números de bilionários na China neste último ano de 2023 variam entre 500 e 1000 (3 e 4). Nestas mesmas fontes, os EUA apresentam para a mesma categoria entre 740 e 700. No que pese a diferença abismal de população em ambos os países, isto aponta de forma clara e inequívoca que monopólios internacionais estão nas mãos de uma oligarquia chinesa tanto produtiva quanto financeira. Porém, aqui o camarada Gramscinho acusa nosso Manifesto e nosso Caderno de Discussões de serem, em termos de política externa, “anti-comunista”, e ainda faz essa afirmação em caráter de obviedade por não considerarmos um país com tais características como socialista. Esperava que o camarada, diante de uma afirmação bastante séria, pudesse elaborar um tanto mais. Ora, vejamos a argumentação seguinte que o camarada insere para sustentar tal fato óbvio:
De que consiste em nossa análise internacional? China é um país capitalista, portanto, é um país imperialista, porque todos os países capitalistas na era imperialista do capital são países imperialistas, e a atual disputa China x EUA é, desta forma, uma disputa interimperialista. Com isso, os interesses da classe trabalhadora não está em nenhum dos lados dessa disputa. (Gramscinho)
Muito me intrigou que, talvez, eu tenha impresso e encadernado o Caderno de Discussões errado, pois em nenhum momento encontrei onde isso se verifica em nossas pré-teses. Se assim o fosse, seria inclusive incoerente não destacarmos também o imperialismo brasileiro, visto que, neste caso sim, há trechos onde afirma-se que nosso país é um de capitalismo pleno e desenvolvido. Me parece não ser o caso, porém, de dotar todos os países capitalistas como imperialistas, apenas aqueles que, em seu estágio superior, passam a exportar capitais de forma monopolista para outros países, como conceitua Lenin. Vejamos, então, a continuação da argumentação do camarada:
Camaradas, se a China for capitalista implica em, necessariamente, Vietnã e Laos também os serem. Porque a economia política dos três países é quase a mesma (no caso do Vietnã, inclusive está mais a direita do que a própria China!). Você pode falar “ah, mas eu não conheço Laos o suficiente pra concluir isso”, é claro que não conhece, você não conhece a China também, mas tudo bem, porque há propaganda sinofóbica dia sim e dia também para te ajudar a tomar as conclusões que toma, so que, agora, com uma gramática e estética aparentemente marxista. Desta forma, imediatamente temos 3 das 5 experiências socialistas em curso atualmente jogadas no lixo. Sobra apenas Cuba e o Norte da Coreia. (Idem)
Neste trecho, acreditei que ao comparar China, Vietnã e Laos em termos econômicos, o camarada apresentaria então uma defesa da economia destes países, por que eles são socialistas e seus pontos de conexão (pois a economia é “quase a mesma”, afirmação que também carece de defesa) com a economia chinesa. Entretanto, não há qualquer argumentação neste sentido, somente esforço do camarada sempre circunstancial e fora daquilo que seria o eixo central do texto, ao passo que dessa colocação se segue a dizer que Cuba apoia e reconhece China, e que a Coreia Popular tem acordos militares de defesa-mútua. Aqui consta claro que a defesa da “obviedade” (do anti-comunismo pelo relegar das experiências) é, na realidade, um método discursivo para fugir daquilo que é fundamental e fornecer evidências pouco sustentadas da sua tese.
Continuemos, portanto, analisando traços políticos e econômicos chineses para provar a inconsistência do “socialismo chinês”. Em primeiro lugar, o camarada Gramscinho não nega a existência de um amplo mercado ou da permissibilidade jurídica de uma propriedade capitalista no país, nem sequer insere este fato como arriscado ou questionável, mas pelo contrário, diz que o Vietnã está ainda mais a direita, e dá a entender que seria igualmente uma experiência socialista que deveríamos reivindicar. É necessário, neste momento, perguntar o que o camarada considera como socialista nestas experiências para além das análises de outros países sobre, já que parte importante da sua argumentação gira somente em torno disto.
Aqui, deixarei um pouco as argumentações do camarada Gramscinho para tratar de argumentos comumente elencados para defender o socialismo chinês que eu considero um pouco mais sólidos tal como também apresentados pela KO. Em geral, a defesa de um “amplo mercado ou da permissibilidade jurídica e prática de uma propriedade capitalista” também não são questionadas por setores autodenominados comunistas, como o PCdoB ou, internacionalmente, como é o caso do Partido Comunista Alemão, que expressou em uma recente resolução a favor do socialismo chinês: “Para dominar essas tarefas, os Partidos Comunistas foram e são forçados a fazer concessões com o inimigo de classe. Isso inclui permitir a propriedade capitalista em países socialistas.” (5, tradução minha). Para tanto, este argumento é geralmente dado como equiparável à NEP na Rússia, plano econômico que permitiu uma reintrodução limitada da produção de mercadorias por menos de uma década, um fato bastante diferente de um país que permite monopólios há mais de 30 anos.
Nesta posição há um pilar avesso ao marxismo e sua teoria econômica: a de que a anarquia da produção capitalista é condizente com o planejamento social e que, portanto, as relações sociais de produção capitalistas podem dar cabo às necessidades dos trabalhadores. Esta é concepção prática do PCCh que reiteradamente afirma os avanços das condições de vida de sua população em feitos históricos, como a erradicação da fome na China Continental. Entretanto, é preciso retornar a Marx e Lenin para se ter noção do caminho da mercadoria para a sociedade de classes e, portanto, para a guerra expressa em disputas interburguesas. Os bens produzidos, vendidos e comprados como mercadorias, tem sua produção e distribuição determinados por seu valor de troca, e não por seu valor de uso. Deste modo, a produção de mercadorias promove a formação de capital, e a produção industrial obriga a formação e acumulação deste capital, desencadeando o inequívoco impulso capitalista de fazer valer seus interesses. Esse impulso pode ser combatido na superestrutura, mas se reafirma repetidamente enquanto o mercado existir. Interesses estes que, hoje, estão presentes e pujantes dentro do PCCh haja vista que diversos bilionários são seus membros e votam em suas resoluções ou, de maneira mais concreta, reafirmam a necessidade sempre crescente de expansão do monopólio para outros países em detrimento da tomada do poder pelo povo chinês. Assim, apoiar e reivindicar enquanto experiência socialista no horizonte atual o chamado socialismo chinês é negar a necessidade de superação da exploração capitalista do ser humano pelo ser humano como foco fundamental de transformação social, criando nuances que não são explicadas, ainda que sob condições nacionais adversas.
Isso não significa jamais que estamos negligenciando as condições objetivas de construção do socialismo em x ou y local, que podem e, como no caso chinês, demonstraram por décadas amplos avanços em relação a qualquer país capitalista ocidental. Essas diferenças podem ser expressas no grau dos direitos sociais e trabalhistas, nos sistema jurídico, no tratamento para com a corrupção e até mesmo para com a religião, mas com certeza não são avanços que dizem respeito, hoje, ao que há de mais essencial no socialismo: a produção e distribuição com base na propriedade social dos meios de produção. Aqueles que tomam o desenvolvimento das forças produtivas como critério inequívoco e descolado deste último, demonstram que não compreenderam a necessidade do socialismo.
Unida a esta concepção que comumente se faz do dito socialismo chinês, vemos uma outra posição um tanto mais envergonhada de que a China “ainda não é socialista”, como se o socialismo fosse algo a ser erigido a duras penas em processos históricos longos ou ainda que não houve sequer uma interrupção do socialismo na China desde 90. Estas colocações, assim como as do camarada Gramscinho acima, abandonam o materialismo ao mesmo passo que a China já demonstra abandonar o horizonte socialista. A China ser dirigida por um setor que se denomina Partido Comunista é, sem dúvidas, algo muito mais avançado do que ser dirigido por qualquer parlamentarismo europeu ou um chefe de Estado “do povo” latinoamericano, mas isso perde em potência já que os mecanismos de mercado interventores da base econômica não são condizentes com o que se espera dessa realidade. O que ocorre, na realidade, é o Estado, dirigido por este partido comunista, agir como um capitalista coletivo ideal, que na China está umbilicalmente relacionado ao capital monopolista (6). Além disso, a possibilidade de manutenção das relações de produção capitalistas atravessa no caso chinês a necessidade de uma exportação de capitais para entrar no páreo com os EUA. Neste caso, vemos outro erro do camarada Gramscinho que expus no ponto 1 e ponto 4.
4. A análise do imperialismo chinês
É evidente que as apaixonadas defesas contra o suposto imperialismo chinês carecem a todo momento de retorno à teoria leninista, pois abandonam a luta de classes em princípio, tanto nacional quanto internacionalmente, na reivindicação de uma política externa de orientação central na “coexistência pacífica”, a “cooperação de países de diferentes ordens sociais”. Essa, muito mais do que somente uma “paz tática” para o já avançado desenvolvimento das forças produtivas, é tratado como uma condição para o progresso da luta de classes internacional para o lado do proletariado, o que é falso. Assim, antes de se lutar contra o imperialismo de forma internacional (tal como foi a política externa da URSS em dado momento), o país que julgamos fazer frente ao imperialismo americano busca uma situação ideal que não pode existir na fase superior do capitalismo: a coexistência pacífica entre países e burguesias nacionais.
Da mesma forma, as análises contra o imperialismo russo e chinês inserem nesta argumentação uma noção distorcida dos próprios BRICS, que é entendido como um mero mecanismo de auxílio econômico contra o eixo imperialista “tradicional”, e não como uma política de expansão internacional do capital monopolista, por exemplo, indiano, brasileiro ou mexicano. (7). Mas, de maneira categórica, é possível afirmar que há uma expansão vertiginosa do capital monopolista chinês para todo o mundo. Em 2018 o TKP já assinalava a necessidade de uma observação mais profunda sobre a China em termos econômicos, políticos, militares e cultural-ideológicos (8), ainda que essas métricas sejam de difícil manuseio. Ainda assim, a Kommunistischen Organisation buscou organizar uma análise do produto interno bruto, ajustado pelo poder de compra e baseado na população, na força do exército, na expansão internacional dos monopólios, na maturidade de áreas importantes do desenvolvimento das forças produtivas, como produção de semicondutores e projetos de infraestrutura, que são indicadores importantes sobre a expansão chinesa:
Por exemplo, o think tank alemão “Stiftung Wissenschaft und Politik” (SWP) observou no início deste ano [2023] que a economia chinesa (ajustada pelo poder de compra) em 1990 não era nem 1/6 da dos EUA e pouco mais da metade em comparação a da República Federal da Alemanha; 30 anos depois, no entanto, a produção econômica da China, ajustada pelo poder de compra, era cerca de cinco vezes a da Alemanha e também bem à frente da EUA (9). Em relação à população, que ainda é muito mais pobre, em média, na China, no entanto, o produto interno bruto ajustado ao poder de compra da China é apenas um terço daquele visto nos EUA (10). A pesquisa mostra ainda que as entradas de capital de investimento estrangeiro direto da China tenderiam a ultrapassar as dos EUA no final de 2010. O maior jornal chinês, China Daily, observou que as empresas chinesas dominaram desde 2020 a lista da Fortune Global 500, em que figuram as maiores empresas do mundo em receita, desde 2020 e, em 2022, ultrapassaram os EUA em 145 empresas (11). Como país comercial no critério de importações e exportações, a China ocupa uma posição de destaque entre os países da América do Sul, com cerca de 20% em 2020 (12). (Kommunistischen Organisation, referência 6, tradução livre minha)
Ao mesmo tempo, a China já superou os EUA como maior parceiro comercial de África em 2009 e maior parceiro da UE em 2020. Ora, retirar paulatinamente a influência imperialista dos EUA no globo é fundamental, e não tem em si nenhuma problemática, basta lembrar que mesmo a URSS negociou com muitos países dentro e fora do bloco socialista e, quando o fazia por exemplo com Cuba, o fazia em favor da ilha, como bem demonstrou Che Guevara (14) acerca dos tratados de compra de petróleo enquanto foi Ministro da Fazendo e do Banco Nacional de Cuba. Porém, quando a China o faz nos tempos atuais, o faz com base em um mercado livre, e ainda que com critérios e pesos muito mais favoráveis aos países dependentes quando comparados a uma “parceria” comercial com o tradicional imperialismo americano, a atual expansão chinesa não pode ser desvinculada de uma exportação de capital de acordo com as leis imperialistas. A influência imperialista menos agressiva da China em algumas partes do mundo é uma abordagem tática temporária, que no momento detalha a tática de expansão mais promissora do imperialismo chinês devido à posição de mercado da China e à situação geopolítica específica. Isso, portanto, determina a aparência da política externa chinesa e não sua essência. É disto que se trata, no fundo, a suposta “política externa voltada para a preservação da paz e do desenvolvimento econômico”. A suposta dívida com “parcelas mínimas” e prazos de 50 anos dos empréstimos da China em África são reais, mas não podemos negar a materialidade de que a China colocou Djibuti e a Zâmbia em uma dependência de dívida externa, e os locais em que isso não ocorre, por exemplo, nos próprios investimentos em infraestrutura nas Filipinas e na Malásia atendem os próprios interesses econômicos chineses. Ou o camarada Gramscinho pensa, por exemplo, que a ferrovia entre Filipinas, Malásia e Indonésia entre 2016 e 2019 (16) seguiu segundos os interesses dos trabalhadores destes países ou mesmo o progresso capitalista estatal destes? Pelo contrário, foi realizada de acordo com os interesses econômicos chineses para distribuição e todo escoar de suas matérias e produtos. O desenvolvimento das forças produtivas de outros países, na política externa chinesa, está totalmente atrelada às relações sociais de produção capitalistas implementadas desde os anos 90 na RPC. Em Myanmar, projetos fomentados pela China tais como oleodutos e usinas hidrelétricas tiveram, em alguns casos, até 90% da energia gerada retornada à China (17). Seria isso somente mais uma propaganda anti-RPC? Ao meu ver, a argumentação de “pura perseguição” em todos os sentidos é inconsistente e demonstra que, ao querer acreditar, seus defensores caçam argumentos e fecham os olhos quando encontram algo que os desagrada.
E por último, aqueles que defendem o socialismo chinês e negam o imperialismo chinês hoje buscam sempre diminuir as conquistas chinesas antes de 90 para abraçar a inevitabilidade do seu processo de abertura mercadológica, ignorando o desenvolvimento das forças produtivas desde 49 e atribuindo esse processo totalmente ao que, nesta tribuna, eu chamo de ruptura do socialismo chinês. Ao mesmo tempo que, como essa análise é em si menosprezada, joga-se com a água do banho também uma análise dos erros do próprios maoísmo em sua primeira análise sobre a questão do imperialismo que posteriormente culminou na ruptura sino-soviética e até mesmo na posição da China em defesa da reunificação da Alemanha (18). Essa posição de esquecimento seletivo do debate procura, portanto, ignorar as problemáticas já presentes no socialismo chinês de muito e que, infelizmente, culminaram na tenebrosa década de 90, ainda que com diferentes contradições (19).
5. Conclusão
Camaradas, vejo que muitos de nós olham com bons olhos o caso chinês pelo sentido simbólico de confronto aos interesses americanos. Esse é um sentimento comum e, ao meu ver, natural em solo latinoamericano que sofreu e tem sua existência atravessada pela história do imperialismo que nos assola cotidianamente. Entretanto, parte deste sentimento é resgatado nas análises políticas e turvam o entendimento estratégico que devemos ter na construção de um Movimento Comunista Internacional ideologicamente coeso e capaz de enfrentar os desafios do nosso tempo, e que tem a questão do imperialismo enquanto forma superior do capitalismo, forma de exportação de capitais de maneira a monopolizar mercados de outros países, como algo central. Considero, por isso, totalmente impossível um partido revolucionário ceder às pressões da tese do socialismo chinês em troca de uma esperança vã e que não se verifica na materialidade de que a RPC continua paulatinamente construindo o socialismo ou que retornará a ele em dado momento. É possível? Plenamente, mas nada nos dá indício disso a não ser o discurso do PCCh tão vão quanto qualquer outro. A história do movimento operário do século XX, sobretudo a experiência dos partidos europeus no que se convencionou chamar de eurocomunismo demonstrou que rebaixar nossos horizontes estratégicos mesmo que na análise internacional é a antessala da destruição de qualquer pilar ideológico alinhado ao marxismo-leninismo.
Pela complexidade do assunto e no desejo de não escrever muito, não consegui sequer tratar de outros partidos ou do KKE, mas espero, com anseio de críticas, que esta tribuna possa avançar nossos debates sobre o MCI e o imperialismo.
Saudações comunistas,
REFERÊNCIAS
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- https://www.credit-suisse.com/about-us/en/reports-research/global-wealth-report/tables.html
- https://wisevoter.com/country-rankings/billionaires-by-country/, https://www.forbes.com/billionaires/
- https://www.shine.cn/biz/economy/2303237650/, https://www.globaltimes.cn/page/202303/1287829.shtml
- https://www.unsere-zeit.de/die-vr-china-ihr-kampf-um-den-aufbau-eines-modernen-sozialistischen-landes-und-die-veraenderung-der-internationalen-kraefteverhaeltnisse-4779337/
- https://kommunistische.org/stellungnahmen/die-dkp-der-sozialismus-und-die-vr-china/
- https://www.statista.com/statistics/763939/latin-america-companies-sales/ : Cf. Petrobras, JBS, América Movil, Pemex, Vale.
- https://www.tkp.org.tr/uluslararasi/theses-imperialism-axis-russia-and-china-2017/
- https://www.swp-berlin.org/publikation/usa-und-china-auf-kollisionskurs
- https://statisticstimes.com/economy/united-states-vs-china-economy.php
- https://www.chinadaily.com.cn/a/202303/01/WS63fe9288a31057c47ebb15d6.html
- https://www.americasquarterly.org/article/china-is-here-to-stay-in-latin-america/
- Apud referência 6:. Deych, T. L. “China in Africa: A Case of Neo-Colonialism or a Win-Win Strategy?.” Контурыглобальныхтрансформаций: политика, экономика, право (2019): 63-82
- GUEVARA, Che. Textos Econômicos, 1º edição. Global: São Paulo, 2009.
- Stengl, Anton: Chinas neuer Imperialismus : Ein ehemals sozialistisches Land rettet das kapitalistische Weltsystem. Wien: Promedia Verlag, 2021.
- Camba, Alvin. “Derailing development: China’s railway projects and financing coalitions in Indonesia, Malaysia, and the Philippines.” Boston: Boston University, Global Development Policy Center, GCI Working Paper 8 (2020).
- Andrews-Speed, Qiu, Len, „ “Mixed Motivations, Mixed Blessings: Strategies and Motivations for Chinese Energy and Mineral Investments in Southeast Asia”, in: “In China’s backyard”, 2017
- Yes, we are in favor of reunification”, Memorandum of Conversation between Mao Zedong and Henry A. Kissinger, 21 de outubro de 1975. In: https://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/memorandum-conversation-between-mao-zedong-and-henry-kissinger-0
- Ainda não me convenci da validade destas colocações por falta de conhecimento de leituras contrárias, mas recomendo: https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/1988/02/fim.htm#tr12