O significado histórico da luta pela redução da jornada de trabalho

“A redução da jornada de trabalho não foi apenas um grande sucesso prático; foi a vitória de um princípio; foi a primeira vez que em plena luz do dia a economia política da classe média sucumbiu à economia política da classe operária.”

O significado histórico da luta pela redução da jornada de trabalho

Por Karl Marx

Trecho final da Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, escrito entre 21 e 27 de outubro de 1864.


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Após o fracasso das Revoluções de 1848, todas as organizações partidárias e jornais partidários das classes operárias foram, no Continente, esmagados pela mão de ferro da força, os mais avançados filhos do trabalho fugiram desesperados para a República Transatlântica e os sonhos efêmeros de emancipação desvaneceram-se ante uma época de febre industrial, de marasmo moral e de reação política. A derrota das classes operárias continentais, devida em parte à diplomacia do Governo inglês, agindo, então tal como agora, em solidariedade fraterna com a Rússia czarista, cedo espalhou os seus efeitos contagiosos para este lado do Canal. Enquanto a derrota dos seus irmãos continentais desanimou as classes operárias inglesas e quebrou a sua fé na sua própria causa, restaurou para o senhor da terra e para o senhor do dinheiro a sua confiança algo abalada. Retiraram insolentemente concessões já anunciadas. As descobertas de novas terras auríferas conduziram a um imenso êxodo, que deixou um vazio irreparável nas fileiras do proletariado britânico. Outros dos seus membros anteriormente ativos foram apanhados pelo suborno temporário de mais trabalho e salários melhores e tornaram-se “fura-greves políticos”. Todos os esforços feitos para manter ou remodelar o Movimento Cartista [1] falharam visivelmente; os órgãos de imprensa da classe operária foram morrendo um a um pela apatia das massas e, de fato, nunca antes a classe operária inglesa tinha parecido tão inteiramente reconciliada com um estado de nulidade política. Se, então, não tinha havido qualquer solidariedade de ação entre as classes operárias britânica e continental, havia, para todos os efeitos, uma solidariedade de derrota.

E, contudo, o período que passou desde as Revoluções de 1848 não deixou de ter os seus aspectos compensadores. Apontaremos aqui apenas para dois grandes fatos.

Após uma luta de trinta anos, travada com a mais admirável perseverança, as classes operárias inglesas, aproveitando uma discórdia momentânea entre os senhores da terra e os senhores do dinheiro, conseguiram alcançar a Lei das Dez Horas. Os imensos benefícios físicos, morais e intelectuais daí resultantes para os operários fabris, semestralmente registados nos relatórios dos inspetores de fábricas, de todos os lados são agora reconhecidos. A maioria dos governos continentais teve de aceitar a Lei Fabril inglesa em formas mais ou menos modificadas e o próprio Parlamento inglês foi cada ano compelido a alargar a sua esfera de ação.

Mas, para além do seu alcance prático, havia algo mais para realçar o maravilhoso sucesso desta medida dos operários. Através dos seus órgãos de ciência mais notórios — tais como o Dr. Ure, o Professor Sênior e outros sábios desse cunho —, a classe média tinha predito, e a contento dos seus corações, provado, que qualquer restrição legal às horas de trabalho teria de dobrar a finados pela indústria britânica que, qual vampiro, não podia senão viver de chupar sangue, e ainda por cima sangue de crianças. Em tempos idos, o assassínio de crianças era um rito misterioso da religião de Moloch, mas só era praticado em algumas ocasiões muito solenes, uma vez por ano, talvez, e, mesmo assim, Moloch não tinha uma propensão exclusiva para os filhos dos pobres. Esta luta acerca da restrição legal das horas de trabalho enfureceu-se tanto mais ferozmente quanto, à parte a avareza assustada, ela se referia, na verdade, à grande contenda entre o domínio cego das leis da oferta e da procura que formam a economia política da classe média e a produção social controlada por previsão social, que forma a economia política da classe operária. Deste modo, a Lei das Dez Horas não foi apenas um grande sucesso prático; foi a vitória de um princípio; foi a primeira vez que em plena luz do dia a economia política da classe média sucumbiu à economia política da classe operária.

Mas, estava reservada uma vitória ainda maior da economia política do trabalho sobre a economia política da propriedade. Falamos do movimento cooperativo, especialmente, das fábricas cooperativas erguidas pelos esforços, sem apoio, de algumas “mãos” usadas. O valor destas grandes experiências sociais não pode ser exagerado. Mostraram com fatos, em vez de argumentos, que a produção em larga escala e de acordo com os requisitos da ciência moderna pode ser prosseguida sem a existência de uma classe de patrões empregando uma classe de braços; que, para dar fruto, os meios de trabalho não precisam de ser monopolizados como meios de domínio sobre e de extorsão contra o próprio trabalhador; e que, tal como o trabalho escravo, tal como o trabalho servo, o trabalho assalariado não é senão uma forma transitória e inferior, destinada a desaparecer ante o trabalho associado desempenhando a sua tarefa com uma mão voluntariosa, um espírito pronto e um coração alegre. Na Inglaterra, as bases do sistema cooperativo foram semeadas por Robert Owen; as experiências dos operários, tentadas no Continente, foram, de fato, o resultado prático das teorias, não inventadas, mas proclamadas em alta voz, em 1848.

Ao mesmo tempo, a experiência do período de 1848 a 1864 provou fora de qualquer dúvida que o trabalho cooperativo — por mais excelente que em princípio seja e por mais útil que na prática seja —, se mantido no círculo estreito dos esforços casuais de operários privados, nunca será capaz de parar o crescimento em progressão geométrica do monopólio, de libertar as massas, nem sequer de aliviar perceptivelmente a carga das suas misérias. É talvez por esta precisa razão que nobres bem-falantes, filantrópicos declamadores da classe média e mesmo agudos economistas políticos, imediatamente se voltaram todos com cumprimentos nauseabundos para o preciso sistema de trabalho cooperativo que em vão tinham tentado matar à nascença, ridicularizando-o como Utopia do sonhador ou estigmatizando-o como sacrilégio do Socialista. Para salvar as massas industriosas, o trabalho cooperativo deveria ser desenvolvido a dimensões nacionais e, consequentemente, ser alimentado por meios nacionais. Contudo, os senhores da terra e os senhores do capital sempre usarão os seus privilégios políticos para defesa e perpetuação dos seus monopólios económicos. Muito longe de promover, continuarão a colocar todo o impedimento possível no caminho da emancipação do trabalho. Lembremo-nos do escárnio com o qual, na última sessão, Lord Palmerston deitou abaixo os defensores da Lei dos Direitos dos Rendeiros Irlandeses [Irish Tenants' Right Bill]. A Câmara dos Comuns, gritou ele, é uma casa de proprietários de terras.

Conquistar poder político tornou-se, portanto, o grande dever das classes operárias. Parecem ter compreendido isto, porque em Inglaterra, Alemanha, Itália e França tiveram lugar renascimentos simultâneos e estão a ser feitos esforços simultâneos para a reorganização política do partido dos operários.

Possuem um elemento de sucesso — o número; mas o número só pesa na balança se unido pela combinação e guiado pelo conhecimento. A experiência passada mostrou como a falta de cuidado por este laço de fraternidade, que deve existir entre os operários de diferentes países e incitá-los a permanecer firmemente ao lado uns dos outros em toda a sua luta pela emancipação, será castigada pela derrota comum dos seus esforços incoerentes. Este pensamento incitou os operários de diferentes países, congregados em 28 de Setembro de 1864 numa reunião pública em St. Martin's Hall, a fundar a Associação Internacional.

Mais outra convicção influenciou esta reunião.

Se a emancipação das classes operárias requer o seu concurso fraterno, como é que irão cumprir essa grande missão, com uma política externa que persegue objetivos criminosos, joga com preconceitos nacionais e dissipa em guerras piratas o sangue e o tesouro do povo? Não foi a sabedoria das classes dominantes, mas a resistência heróica das classes operárias de Inglaterra à sua loucura criminosa, que salvou o Ocidente da Europa de mergulhar de cabeça numa cruzada infame pela perpetuação e propagação da escravatura do outro lado do Atlântico. A aprovação desavergonhada, a simpatia trocista ou a indiferença idiota com que as classes superiores da Europa assistiram a que a fortaleza de montanha do Cáucaso caísse como presa da Rússia e a heróica Polónia fosse assassinada pela Rússia; as imensas e irresistidas usurpações desse poder bárbaro, cuja cabeça está em   São Petersburgo e cujos braços estão em todos os Gabinetes da Europa, ensinaram às classes operárias o dever de dominarem elas próprias os mistérios da política internacional, de vigiarem os atos diplomáticos dos seus respectivos Governos, de os contra-atacarem, se necessário, por todos os meios ao seu dispor, [o dever de,] quando incapazes de o impedirem, se juntarem em denúncias simultâneas e de reivindicarem as simples leis da moral e da justiça, que deveriam governar as relações dos indivíduos privados, como as regras supremas do comércio das nações.

O combate por semelhante política externa faz parte da luta geral pela emancipação das classes operárias.

Proletários de todos os países, uni-vos!


[1] Movimento de massas dos operários ingleses nos anos 30-40 do século XIX. Os cartistas elaboraram em 1838 uma petição, a Carta do Povo, ao Parlamento, a qual continha as reivindicações do sufrágio universal para os homens de mais de 21 anos, o voto secreto, a abolição das restrições censitárias para os candidatos a deputados ao Parlamento etc. O movimento começou com grandes comícios e manifestações e decorreu sob a palavra de ordem de luta pela aplicação da Carta do Povo. Em 2 de Maio de 1842 foi entregue ao Parlamento uma segunda petição dos cartistas, incluindo já uma série de reivindicações de caráter social (redução da jornada de trabalho, aumento dos salários etc). Esta petição, tal como a primeira, foi rejeitada pelo Parlamento. Em resposta a isto, os cartistas realizaram uma greve geral. Em 1848 os cartistas marcaram um desfile de massas para o Parlamento com uma terceira petição, mas o governo concentrou tropas e dispersou o desfile. A petição foi rejeitada. Depois de 1848 o movimento cartista entrou em declínio. A causa principal do insucesso do movimento cartista foi a ausência de programa e tática precisos e de uma direção consequentemente revolucionária. Mas os cartistas exerceram uma grande influência tanto na história política da Inglaterra como no desenvolvimento do movimento operário internacional.