'O sexto secretário: formação de quadros de RI no PCB' (P.A.)

Fico feliz que a disputa interna tornou-se pública justamente envolvendo o caso da PMAI [...], mas me parece que isso não é o suficiente para que consigamos forjar e solidificar uma cultura internacionalista, marxista-leninista, em nosso partido.

'O sexto secretário: formação de quadros de RI no PCB' (P.A.)
"O secretário de RI não é o militante que mais conhece sobre da área de RI, mas sim um camarada extremamente experiente enquanto direção política geral (condição necessária para qualquer tarefa dentro de um CC), evidentemente que com muito acúmulo sobre as questões de RI, mas que, principalmente, seja um camarada com afinadíssima capacidade de síntese, produção de encaminhamentos e organização dos trabalhos necessários."

Por P.A. para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Breve comentário sobre nossa forma organizativa

Antes de debater o tema dessa tribuna propriamente dito, é importante esclarecer que imagino, e assim espero, que com o XVII Congresso (Extraordinário), os modos de organizar nosso trabalho de base serão muito diversificados em relação ao que predominou nos últimos anos no complexo partidário. Espero que iremos muito além da forma “núcleo/célula” como única maneira de organizar o trabalho de nossas bases (assim como nossas instâncias de direção regional, estadual e nacional provavelmente serão reformuladas). Entretanto, escolhi escrever esse texto baseando-me em nossa forma organizativa “clássica” pelo seguinte motivo: seria impossível escrever sobre o tema de organização de formação de quadros sem me basear em alguma forma organizativa, o texto seria absolutamente inútil e conjectural sem tomar como base uma forma organizativa dada, desta maneira, optei por usar de base nossa forma organizativa clássica, de modo que o debate sobre esse tema pudesse ser iniciado, e levando em conta que – com as importantes contribuições de nossos camaradas – as devidas alterações serão feitas para encaixar uma política de formação de quadros de RI [1] em nossa nova forma organizativa, a ser deliberada no XVII Congresso.

Isso tudo esclarecido, vamos a tribuna:

Camaradas, é comum em nossa organização que temas relacionados a geopolítica, imperialismo, internacionalismo proletário e o MCI sejam vistos como interesses particulares de alguns camaradas que “tem o tempo livre de ir ler sobre o que rola no Cazaquistão” ou que “tem o tempo livre para ficar lendo documento do KKE”. É comum em nossa organização que isso seja visto como uma curiosidade, como um extra (até como “nerdolisse”), inclusive, o trabalho de solidariedade internacional nas bases do PCB e da UJC é bastante diminuto, com algumas coisas bem pontuais referentes a Palestina ou Cuba, além de que o conhecimento que nossas bases têm do que se passa na luta de classes em outros países costuma ser muito limitado, quase nulo e deixado à iniciativa de alguns camaradas de estudarem os eventos por conta própria.

Fico feliz que a disputa interna tornou-se pública justamente envolvendo o caso da PMAI, o que deu ênfase para o grosso da militância da importância das questões internacionais, mas me parece que isso não é o suficiente para que consigamos forjar e solidificar uma cultura internacionalista, marxista-leninista, em nosso partido, muito menos acho que seja o suficiente para que tenhamos quadros bem preparados para dirigir, formular e tocar tarefas referentes às relações internacionais desde o CC até as bases. Desta maneira, segue aqui uma contribuição sobre organização e formação [2] de quadros de RI em nosso partido. Começarei explicando a estrutura organizativa a partir do CC, descendo até as bases.

No CC devemos ter um secretário de RI (devemos extinguir a secretaria de solidariedade internacional, a separação dessas duas secretarias não só não faz sentido de um ponto de vista marxista-leninista, como também setoriza “solidariedade internacional” como algo menor”), o qual deve ser responsável por coordenar uma comissão de RI (COM-RI-CC), composta de membros do pleno do CC. Essa comissão, do ponto de vista formativo, terá o proposito de especializar cada um dos camaradas que a compõe em uma das região do globo, de maneira que tenhamos um camarada responsável por América Latina, um por América do Norte, Europa, Ásia Central, Oriente Médio, África, Oceania etc. (a divisão geográfica específica não é o foco aqui, mas deve haver uma divisão geográfica, visando a especialização dos camaradas). A política de formação dessa comissão deve consistir em literatura especializada nas dinâmicas do capital internacional nessas regiões, em estudo aprofundado de notícias, dinâmica política, história e do movimento comunista na região, de modo que as reuniões sejam um espaço de síntese das dinâmicas globais do capitalismo e do MCI [3], formando militantes capazes de analisar um continente inteiro e uma comissão capaz de fazer sínteses à nível global.

Descendo um degrau, todo estado deve ter um secretário de RI, e todos os secretários de RI estaduais devem se congregar numa espécie de “sub-pleno”, que, se juntando a comissão de RI do CC, formaria a “COM-RI-CC expandida”, na qual, do ponto de vista formativo, os camaradas do CC devem se responsabilizar por uma política de formação de nível avançado de teoria sobre o imperialismo, economia política, geopolítica de todo o globo e estudo do MCI, buscando criar a nível nacional camaradas bem formados e aptos a criticar e debater com o CC em questões internacionais. Além disso, os camaradas destacados para cada região do globo devem, nesse “sub-pleno”, organizar a formação de camaradas específicos a serem especializados em cada área geográfica, pensando na lógica de renovação de quadros que possa ser necessária e para que um camarada só não fique responsável eternamente por uma só região, evitando a consolidação de eventuais erros de análise em nosso partido. Dessa maneira, esse sub-pleno pode ser inclusive dividido pela especialização nessas regiões geográficas do globo. Além disso, seria responsabilidade da COM-RI-CC formular uma política de formação sobre a relação que cada estado da federação tem com o capital internacional, de modo que se formem secretários estaduais de RI aptos a analisarem o papel específico de seu estado dentro das relações internacionais brasileiras. Por fim, essa COM-RI-CC expandida se reuniria periodicamente não só para reuniões de formação, mas também para discutir eventos de grande magnitude (como quando do início da guerra da Ucrânia, por exemplo), buscando sínteses não só gerais do caráter e dos efeitos de tal evento, mas também sobre como todo o Brasil, e seus estados, são afetados por tal evento, permitindo sínteses e encaminhamentos de maior qualidade e precisão.

Segue um organograma para clarificar a estrutura:

Secretário de RI

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Comissão de RI do CC (dentro dela, camaradas do pleno do CC, especializados por região geográfica do globo)

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Sub-pleno (composto pelos secretários estaduais de RI, dividida também por regiões globais)

A junção do sub-pleno com a comissão de RI do CC seria o pleno expandido da COM-RI-CC.

Agora, descendo mais um nível, ao estadual, como já dito, teremos o secretário estadual de RI, e as coordenações estaduais também terão uma comissão de RI composta por camaradas do pleno da coordenação estadual. Essa comissão, do ponto de vista organizativo, terá o objetivo de solidificar a formação da teoria marxista clássica sobre imperialismo, sobre os debates da caracterização do imperialismo no século XX e XXI, iniciando os estudos de geopolítica contemporânea (com foco aqui na América Latina, entendida como região privilegiada para a formação dos camaradas, visto que é a região onde nos encontramos), além de solidificar a compreensão do cenário geral do MCI e de seus principais partidos, de forma a começar a formar quadros, no futuro, capazes de sínteses continentais e globais, sendo, portanto, uma etapa médio-avançada da formação especializada em RI. O secretário estadual de RI, portanto, é responsável por organizar essa bibliografia (a ser aprovada pela COM-RI-CC) e o cronograma de reuniões e acompanhar com atenção a evolução dos camaradas, com a produção de balanços periódicos para a COM-RI-CC, baseado em critérios e indicadores.

Tal qual o sub-pleno debatido acima, a nível estadual também deve haver um, composto pelo secretário de RI estadual, membros da comissão estadual de RI (COM-RI-CE) e por todos os secretários de RI de todos os núcleos/células do estado. O papel formativo desse sub-pleno deve ser padronizar, nivelar o nível de formação de todos os secretários de RI dos núcleos do estado, garantindo 1) uma sólida compreensão da teoria imperialista de Lenin; 2) uma boa compreensão de economia política que permita a boa evolução dos estudos sobre imperialismo e RI; 3) o início dos estudos sobre formação social e econômica latino-americana; 4) compreensão geral da história, forças em disputa e da situação da Palestina; 5) compreensão geral da história, situação atual e linha política internacional de Cuba; 6) compreensão geral da história e desenvolvimento da transição socialista na China; 7) estudos iniciais do MCI.

Os três primeiros pontos se justificam por serem questões básicas e essenciais para qualquer compreensão de qualidade de realidade do capitalismo internacional e das relações internacionais hoje, especificamente de um comunista que atua no Brasil. Os pontos 4 e 5 se justificam por serem os dois pontos mais comuns quando se fala de solidariedade internacional, sendo hoje os pontos que predominam as tarefas de RI nas bases da organização, logo, qualquer secretário de RI deve ter uma boa compreensão desses dois temas. O sexto ponto se justifica pelo fato de a China ser a protagonista (junto dos EUA) das disputas inter-imperialistas a nível global que ocorrem hoje, suscitando os maiores debates do MCI atualmente. O sétimo ponto se justifica pelo fato óbvio de que devemos nos relacionar internacionalmente, buscando a construção de algo análogo a uma Internacional Comunista, e não faremos isso sem conhecimento profundo e intervenções de qualidade no MCI.

Por fim, chegamos aos núcleos/células. Como dito, todo núcleo/célula deve ter um secretário de RI e uma comissão/pasta de RI. Já travei essa discussão em meu núcleo na UJC e ouvi um argumento que com certeza aparecerá contra essa minha posição, o de que tal imposição organizativa seria excessiva para a quantidade de trabalho que os núcleos tocam nessa área, de modo que o mais avançados tem algum tipo de trabalho mais ou menos constante com algum comitê de solidariedade internacional, alguns tocam tarefas pontuais com uma periodicidade relativa e outros não tocam nenhum trabalho ou tarefas extremamente pontuais. Sem dúvidas que esse apontamento sobre o estado de nossos trabalhos de base de RI é verdadeiro, tenho plena ciência do deplorável estado de nosso trabalho nesse sentido, tenho plena ciência que o trabalho de RI nas bases é visto no geral como algo secundário, acessório, (até como obrigação moral) não ligado ao “trabalho de verdade” do organismo de base.

É exatamente por compartilhar desse diagnóstico que acho essencial a existência de um secretário de RI e de uma comissão/pasta de RI nos organismos de base, desta maneira, temos alguns camaradas destacados, responsabilizados, em todos os organismos de base do país, por estudar os temas de RI e formular tarefas nesse sentido, efetivamente levando ao aumento de nosso trabalho de base na área de RI até que a existência de um secretariado e uma comissão para o tema não pareça mais algo excessivo.

Desta maneira, do ponto de vista formativo, o trabalho do secretário de RI será organizar leituras e debates iniciais de textos de Lenin sobre imperialismo, solidariedade internacional, autodeterminação dos povos, internacionalismo proletário etc, leituras iniciais sobre geopolítica, sobre o MCI, sobre Cuba, China, Palestina, América Latina etc [4]. O secretário de RI deve estabelecer na comissão de RI do núcleo, portanto, um cronograma de formações envolvendo todos esses tópicos, além de auxiliar o secretário de formação na organização de formações sobre algum desses temas.

Dessa maneira, com essa estrutura geral que vai desde o CC até as bases, é possível garantir 1) aumento do trabalho de base na área de RI; 2) uma compreensão geral de nossa militância por todo o complexo da importância dessa área, um convencimento político e uma prática real do internacionalismo nas bases; 3) a formação contínua de quadros bem formados de maneira geral e específica em questões de RI em todas as instâncias de direção e 4) direções nacionais capazes de realizar sínteses globais, continentais e regionais das dinâmicas do imperialismo e do MCI, capazes de realizar essas análises de maneira autônoma, sem depender de analistas e jornalistas (em grande parte liberais) de política internacional e/ou política regional de dada parte do planeta, formaremos intelectuais e dirigentes próprios, capazes de formularem teoria, linha e trabalho político marxista-leninista.

Por fim, algumas considerações. Primeiro, minha contribuição não detalha os indicativos e critérios de formação para cada uma dessas instâncias, além de praticamente não sugerir bibliografia. Entendo que isso pode ser uma limitação em meu texto, mas o foco aqui é debater a estrutura geral da formação de quadros de RI. Tenho certeza de que se minha sugestão (ou alguma versão dela, enriquecida pelo debate coletivo) for implementada, com a experiência, formulações específicas sobre textos, critérios e indicadores e outras questões assim surgirão. Outro ponto importante é que ficam claros uma série de “níveis formativos” que vão se tornando mais complexos, “difíceis”, conforme as instâncias vão subindo. Entretanto, é importante reiterar que, nesse cenário, o secretário de RI não é o militante que mais conhece sobre da área de RI, mas sim um camarada extremamente experiente enquanto direção política geral (condição necessária para qualquer tarefa dentro de um CC), evidentemente que com muito acúmulo sobre as questões de RI, mas que, principalmente, seja um camarada com afinadíssima capacidade de síntese, produção de encaminhamentos e organização dos trabalhos necessários.

Fico ansioso pela respostas dos camaradas, temos em nossas fileiras quadros excelentes que debatem essa questão, tenho certeza de que as críticas e sugestões levarão a uma síntese muito produtiva para nossa organização.

[1] Uso bastante o termo “área de RI” nesse texto. Quando falo a isso, me refiro a debates, formulações e tarefas sobre imperialismo, geopolítica, solidariedade internacional, autodeterminação dos povos, internacionalismo proletário e a história e atualidade do MCI.

[2] Camaradas, sei que parte essencial da formação em qualquer coisa na militância é tocar trabalho militante. Isso posto, foco nesse texto na parte da formação referente ao estudo propriamente dito.

[3] Aqui não me refiro somente ao EIPCO, aos partidos fora do poder, mas me refiro também ao PCs no poder (China, Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e Laos). Os camaradas responsáveis deveram ser capazes de formular sobre a transição socialista (ou ausência desta) em cada um desses países, o papel que esses países cumprem na luta de classes internacional etc. Inclusive pode ser interessante formular uma estrutura na qual tenhamos camaradas especializados em cada um desses países, além dos camaradas especializados nas regiões geográficas do globo, visto que, como somos comunistas, devemos conhecer profundamente as experiências socialistas do presente.

[4] Inclusive, uma compilação – nos moldes do “Centralismo Democrático” e “Estratégia e Tática da Hegemonia Proletária” – contendo “Imperialismo” e vários textos do Lenin sobre imperialismo, solidariedade internacional, autodeterminação dos povos, nacionalismo etc seria uma ferramenta formativa muito potente aqui. Fica a sugestão aos camaradas do Lavrapalavra e da Ruptura.