'O que o PCB-RR quer da vida?' (Andrey Santiago)
Tenho plena consciência do que significou o “pecebismo” na história do Partido, ao mesmo tempo, no atual momento a denúncia ao “pecebismo” vem se tornando quase que uma repulsa a história do PCB, como se aqueles erros históricos não fossem nossos erros históricos enquanto comunistas.
Por Andrey Santiago para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, depois de um ano que muitos não esperavam terminar da maneira que termina, nos deparamos com um enorme desafio para a classe trabalhadora brasileira: o racha que aconteceu no Partido Comunista Brasileiro (PCB) significa um verdadeiro retrocesso organizativo para a construção da revolução em nosso país. Ao mesmo tempo, por mais irônico que pareça, o racha que aconteceu no PCB significa um avanço político na tentativa de construção de uma verdadeira linha política marxista-leninista para a construção da revolução em nosso país.
O XVII Congresso Extraordinário do PCB-RR, que deve ser realizado no primeiro semestre de 2024, será um marco para importantes discussões que permeiam o cotidiano da classe trabalhadora brasileira e permeavam a vida interna do antigo PCB, e é com extrema preocupação que escrevo esta tribuna.
Este texto é o resultado de angústias que enquanto dirigente venho observando serem angústias generalizadas por diversos militantes, da base a direção, do Norte ao Sul. É um convite para que mais dirigentes possam estar externalizando suas reflexões nos próximos meses, contribuindo de forma mais ativa para as tribunas e os debates que surgem em torno de nossa construção congressual.
Meu primeiro ponto de preocupação, com extrema sinceridade, é que as tribunas em si, por mais que honrem o texto “Sobre o Papel da Polêmica” de Lênin (que originalmente não tinha esse nome e era apenas uma carta), no atual formato servem para os mais diferentes anseios de quem envia contribuições e não necessariamente para o próximo congresso.
Vejo textos que tratam de temas alheios ao debate congressual, se tornando vitrine para pessoas poderem externalizar opiniões sem compromissos práticos com o debate urgente do momento: que tipo de partido estamos construindo e com qual política? Espero que nos próximos meses consigamos mais e mais camaradas se debruçando sobre os temas dos cadernos de teses, extraindo as contradições desses documentos e focando a energia numa síntese que façam esses documentos se tornarem um norte de atuação para trabalhos práticos, não somente análises de conjuntura da situação internacional e nacional.
Não me entendam errado, continuo a saudar camaradas que vem escrevendo sobre temas históricos, econômicos, fazem reflexões conjunturais sobre desafios que enfrentam e demais assuntos, isso pode e deve contribuir para nossas análises enquanto organização. Sei que vem ajudando no cotidiano de vários camaradas debates sobre profissionalização, finanças, papel de direção e outros. Ao mesmo tempo, é importante entender que é humanamente impossível um militante ler todas as tribunas e assimilar todos os assuntos em período congressual.
Nesta situação, os menos culpados são as pessoas que escrevem estas contribuições, a principal responsabilidade pela confusão que continuamos a ver entre camaradas sobre o que é o PCB-RR e o que queremos vem de duas origens em minha avaliação: 1) A omissão da direção nestes debates e 2) A deliberação "política de confusão” em andamento.
Para ilustrar o primeiro ponto, faço uma breve demonstração da minha inserção nos debates sobre o racha do PCB. Não estive presente no último congresso do Partido - e embora fosse dirigente estadual da UJC e tivesse participado do último congresso da Juventude com compromisso, formulações políticas próprias e uma vontade de unificar os trabalhos práticos com o Partido (sendo contra a proposta de jornal da UJC, por exemplo) -, não sabia que o XVI Congresso do Partido estaria encaminhando toda nossa vida para um racha. Tinha conhecimento de que o congresso havia sido bastante disputado, mas debates posteriores a ele não chegaram até mim, e pelo que soube, estes debates não chegaram nas bases de maneira correta.
A movimentação para a construção das disputas em torno de um novo congresso se deu de uma maneira extremamente frágil, e embora eu entenda que “sair metendo o louco” no ano posterior, de eleições em 2022, não teria sido correto, os debates deveriam ter fluído melhor ao menos que internamente via células e repasses para a juventude. Compreendo totalmente que o que aconteceu no XVII Congresso demonstrou que seria insustentável a coexistências de linhas políticas diferentes num mesmo partido, culminando na expulsão de militantes pelo Comitê Central. Ao mesmo tempo, foi irresponsável fazer com que militantes soubessem da possibilidade do racha somente com ele em andamento e com uma articulação restrita sem que o debate interno tivesse sido ampliado no primeiro momento.
Quando a “disputa interna” havia começado, ela já tinha acabado na verdade. O Comitê Central e a futura direção inicial do PCB-RR estavam com as cartas marcadas e o racha seria uma disputa do acúmulo de forças que fomos construídos nos últimos anos. Forças de um consequente avanço político nas resoluções partidárias do PCB, de uma base que fortalecia uma linha revolucionária dentro do partido em detrimento das direções encasteladas em si mesmas, com avanços político-organizativos enormes surgindo da juventude e dos coletivos.
Lembremos que o racha aconteceu porque as resoluções aprovadas no XVI Congresso não foram levadas adiante, e não porque o Partido estava “velho” ou era “social-democrata”. Somente depois que o racha estava em vias de começar, é que as justificativas sobre a atuação prática do Partido começaram a pesar nos debates. Até um ano atrás, mesmo com nossas críticas, éramos todos PCB, agora, surgem os mais variados nomes aleatórios gerados por Chat GPT para um “novo partido” da classe trabalhadora brasileira.
Enquanto dirigente, quando chegou em mim a possibilidade do racha e de organização da disputa interna, tentei fazer ela da forma mais qualificada que fosse possível, incentivando circulares, debates entre a base e plenárias (ainda que de forma apressada). Mas era tarde demais no escopo geral, o modo como essa “disputa” ocorreu no país foi totalmente desordenado, um fruto do federalismo de nossa organização. Alguns estados conseguiram fazer importantes debates e sínteses, especialmente no inicio da crise partidária com camaradas do Norte e Nordeste se destacando pela contundência das críticas a omissão do antigo PCB nestas regiões. Outros estados, se digladiaram nas disputas interna, com uma postura que nas redes sociais tomou forma de xingamentos, deboches e na vida real, ameaças e agressões.
Meu estado, Santa Catarina, e acredito que alguns poucos outros ainda vivenciaram uma política de panos quentes que fez com que ficássemos ainda mais para trás nos debates acerca do que o PCB-RR significa. E mesmo depois da consumação do racha, a disputa interna entre os grupos que ficaram para construir essa organização, resultaram em intensos desgastes onde o debate e a disputa por projetos políticos ficaram em segundo lugar, com antigos atritos e tensionamentos pessoais tomando os holofotes, havendo pouquíssimo espaço para mediações.
No fim, temos um cenário em que o racha está efetivado e os trabalhos práticos danificados.
Que a política é um terreno de articulações de bastidores ninguém deve ficar surpreso, mas ao mesmo tempo, a omissão das direções no incentivo e orientações dos debates mais amplos deve ser reconhecida enquanto um problema. E ainda vejo este problema acontecendo no atual momento das tribunas de debates que estão em andamento, por uma questão ainda mais destrutiva: as direções estão quebradas e fragilizadas. O peso de um ano de intensas disputas, de articulações sendo feitas as pressas, de problemas pessoais que acometem nossas vidas e toda uma miríade de situações que principalmente camaradas mulheres, negros, LGBTs, indígenas e PCDs enfrentam todos os dias, nos levam a composição de direções exaustas e muitas vezes, em um ambiente de inexperiência para a magnitude de uma construção congressual desse peso.
O peso de fundar um novo partido? É isso que queremos realmente? Minha resposta até o momento vem sendo não. Sei que embora tenham pessoas que pensem o mesmo que eu, que o PCB-RR é o PCB, também sei que existem outras pessoas que pensam diferente. Tempos atrás eu era um dos militantes que mais estudava sobre as disputas internas do PCB em sua história, sinais disso vocês podem ver em diversas tribunas de debates que transcrevi para o TraduAgindo. Tenho plena consciência do que significou o “pecebismo” na história do Partido, ao mesmo tempo, no atual momento a denúncia ao “pecebismo” vem se tornando quase que uma repulsa a história do PCB, como se aqueles erros históricos não fossem nossos erros históricos comunistas.
Sei que na prática, existem uma óbvia diferença organizativa entre o antigo PCB e o PCB-RR, tanto pela existência das tribunas de debates públicas (algo que não havia sido aprovado no XVII Congresso do PCB), quanto pelas diferentes formas de organização que vem surgindo neste momento de debates congressuais, onde existem direções conjuntas entre UJC e PCB, inexistência dos coletivos do PCB (até onde sei, se tornaram “frações”) e outras práticas políticas que as direções vem tomando atitudes, como a aproximação com a antiga Esquerda Marxista e campanhas mais combativas em nível conjuntural, como a campanha contra a Privatização dos Presídios e denúncias contra o governo de conciliação de classes de Lula-Alckmin.
Meu ponto é que conviver nessa política de confusão não vem educando a classe trabalhadora como poderia, nem auxiliando internamente de forma efetiva. O fato de o PCB-RR no momento se autodenominar internamente como movimento foi resultado de intensas discussões nada fáceis, e externamente só se denomina assim pela ameaça de processo jurídico do antigo PCB. A síntese de muitas discussões vai ocorrer no XVII Congresso do PCB, mas nossos problemas não vão se resolver neste evento.
Camaradas, essa breve tribuna é um apelo para que consigamos focar nossas energias nos debates acerca do que queremos para esta organização neste momento. Debater como alcançar a classe trabalhadora brasileira, efetivar o giro-operário popular, como garantir a formação e projeção de quadros mulheres, negros, LGBTs, indígenas e PCDs, como sustentar nossos trabalhos práticos no cotidiano da classe e não deixar que nossos trabalhos se percam na frente dos nossos olhos. Para isso, é preciso que os debates consigam focar nos aspectos principalmente nacionais e político-organizativo do caderno de teses, que os dirigentes tragam suas reflexões, que a base cobre das direções e se coloque em conjunto para as construções.
Eu mesmo, espero ter mais energias para travar esse debate com vocês, recuperar aquela fé que me fez acreditar na construção coletiva, que ir em grupo é melhor do que ir sozinho. Respeito muito a decisão de diversos camaradas que se desligaram nos últimos tempos, especialmente aqueles que colocaram suas contribuições e denúncias para que entendamos o que vem ocorrendo de errado e o que podemos trilhar para avançar.
Ainda tenho algum fundo de esperança que as coisas podem melhorar, mas para isso, nós precisamos saber onde focar nossas energias. Ho Chi Minh diz que é no contato com o fogo que o ouro se purifica, que a gente consiga reluzir mais e mais até sermos referência entre a classe trabalhadora, e não derreter e acabar sendo incinerados pelas lutas e pelo cotidiano.