'O que é “trabalho de base” e como executá-lo?' (João Lucas Leite)

Iniciativas simples de serem postas em prática podem gerar resultados incríveis para o desenvolvimento da consciência da classe, é preciso apenas que saibamos como organizar esse trabalho de base e dar a ele um sentido político de emancipação da classe.

'O que é “trabalho de base” e como executá-lo?' (João Lucas Leite)
"Os partidos comunistas presentes no Brasil atualmente são predominantemente compostos por universitários que estudam licenciatura em alguma disciplina, ou seja, temos militantes capacitados academicamente a prestar o serviço de reforços escolares para os filhos da classe trabalhadora, esse trabalho não é necessariamente político e propagandistico."

Por João Lucas Leite para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Muito se fala sobre a necessidade dos comunistas fazerem “trabalho de base”. Que os comunistas não fazem trabalho de base. Que os comunistas se encastelam nas universidades e se distanciam do trabalho de base. Entretanto, pouco se fala em o que é o “trabalho de base”, como fazê-lo, como organizá-lo. Neste texto planejo fazer uma introdução ao debate sobre trabalho de base e quanto é necessário a proletarização das bases do partido para que o possamos fazer com excelência.

“Base”, no seu sentido literal, significa “apoio”, “sustento”, “fundamento”. “Base”, no contexto que colocamos quando falamos sobre trabalho de base, significa o conjunto da classe trabalhadora, a classe operária, pois a base de um Partido Comunista deve ser toda a classe trabalhadora. O trabalho de base significa fazer um trabalho de inserção nas bases do partido, a classe operária. É também fazer o trabalho de agitação e propaganda política visando a tomada de consciência de si da classe, é penetrar nas camadas populares, educá-las, apresentar o programa do Partido que se pretende ser o Partido da classe. Mas o trabalho de base não necessariamente é um trabalho de propaganda das ideias revolucionárias, mas isso desenvolverei mais afrente.

Portanto, o trabalho de base é pilar fundamental para a construção de uma estratégia comunista. Se inserir nas massas para organizá-las, dá-las o programa do partido do proletariado, apresentar as soluções para os problemas mais agoniantes da classe, é colocar em pauta a estratégia da revolução socialista/comunista. Em outras palavras, é se inserir na classe e direcionar a luta da classe para um sentido político, é uma forma do trabalho de agitação e propaganda. E a agitação e a propaganda de um partido revolucionário deve estar centrada, deve ser organizada coletivamente, e esse trabalho só pode ser feito por um jornal do partido.

“(…) sem um órgão de imprensa política é inconcebível um movimento que mereça ser chamado político. Sem um órgão de imprensa política é absolutamente impossível cumprir nosso dever de concentrar todos os elementos de descontentamento de protesto político, de fecundar com estes o movimento revolucionário do proletariado.” (LÊNIN, “Por Onde Começar?”)

O jornal é um organizador coletivo do trabalho de agitação e propaganda e a construção de um jornal do partido é o mais primordial trabalho de base. O jornal é o instrumento político fundamental com o qual o partido se comunica com a classe, apresenta seu programa, o que defende, suas soluções para os problemas mais imediatos da luta popular da classe operária.

Um jornal do partido, que se for efetivamente um partido da classe, logo terá a adesão da classe trabalhadora, irá conquistar a simpatia de setores da classe trabalhadora rapidamente se a escrita do jornal for boa, se o jornal for justo, se o trabalho de venda do jornal for bem feito. Veja um exemplo, se os militantes do partido centralizam o seu trabalho de agitação e propaganda principalmente (“principalmente”, e não só), logo o jornal ganhará adesão de alguns trabalhadores, esses trabalhadores por reconhecerem o jornal como o seu jornal, o jornal de sua classe, logo comentarão desse jornal com seus colegas de trabalho que logo conhecerão o jornal e assim sucetivamente. Do trabalho do jornal se desdobram todas as outras formas de fazer trabalho de base, pois do jornal, o trabalhador pode ficar sabendo de um curso de formação política marxista e se interessar, de uma reunião de moradores de seu bairro, etc. Para além disso, o trabalho de venda do jornal é um momento onde os militantes do partido podem estabelecer um contato direto com a classe operária, se por a escutar as reivindicações da classe operária, seus problemas, apresentar o instrumento do partido de agitação e propaganda política e conquistar o apoio permanente daquele trabalhador. Por isso o trabalho do jornal do partido, o jornal enquanto definição leninista de um “organizador coletivo”, é o trabalho de base mais fundamental.

Entretanto, essa não é a única forma de trabalho de base, e está longe de ser, somente é a fundamental, para além de todas as outras funções de um jornal do partido que não cabem nesse texto. O trabalho de base é fazer contato direto com as massas trabalhadoras, é promover a consciência política da classe, é educar os trabalhadores não conscientes de si, é fazer o trabalho de propaganda das ideias revolucionárias. Esse trabalho pode ser feita de várias formas, não somente por meio do jornal.

Vamos a um exemplo de trabalho de base que não é centrado no jornal e não é necessariamente propagandista das ideias revolucionárias: reforços escolares. Os partidos comunistas presentes no Brasil atualmente são predominantemente compostos por universitários que estudam licenciatura em alguma disciplina, ou seja, temos militantes capacitados academicamente a prestar o serviço de reforços escolares para os filhos da classe trabalhadora, esse trabalho não é necessariamente político e propagandistico. Entretanto, é um trabalho que se feito pelo partido é uma forma de inserção do partido nas massas trabalhadoras, é um trabalho que irá por em evidência a classe de determinada localidade onde o partido está fazendo esse trabalho que aquele partido é um partido comprometido com os interesses do povo e irão ter mais confiança naquele partido. Essa é uma porta de entrada para a realização de diversos trabalhos propagandisticos com a classe trabalhadora daquela localidade. Com a classe confiando naquele partido, a classe tenderá a participar de eventos organizados por esse partido, como por exemplo um curso de formação política. Viram como o trabalho de base não é necessariamente um trabalho de propaganda e sim de inserção nas bases trabalhadoras, ai sim com o objetivo de posteriormente atingir um trabalho de propaganda política com essas bases? O reforço escolar não é um trabalho de propaganda política, mas é uma forma de se inserir nas bases trabalhadoras e conquistar sua confiança. Além do reforço escolar, tantos outros trabalhos podem ser considerados trabalho de base e fazerem com que o partido se insira na classe de maneira eficiente, como por exemplo organizar reuniões de moradores de um bairro para debater os problemas do bairro, organizar um time de futebol de bairro com as crianças e adolescentes amantes do esporte, organizar eventos culturais, tudo isso pode ser uma forma de inserção do partido na classe, e se bem elaborado, pode servir como forma de propaganda política dos princípios do partido.

Para além disso, esse exemplo do reforço escolar pode ser pensado além, tomando de inspiração os revolucionários cubanos, que davam aulas aos filhos dos camponeses em troca que esses camponeses à noite participassem de reuniões e cursos do partido. As aulas não são um trabalho propagandisticos, mas o resultado desse trabalho é a propaganda revolucionária. É isso que os comunistas brasileiros precisam aprender, pois muitas vezes não realizam esse trabalho de base, se mantem encastelados em universidades fazendo trabalho político somente no movimento estudantil. Esse é um problema enorme que precisa ser superado: a falta de compreensão e de fazer o trabalho de base.

Essa falta de compreensão se dá, principalmente, pela hegemonia pequeno-burguesa das bases do partido, e isso é inegável. A maior parte dos membros dos partidos comunistas no Brasil são estudantes universitários, majoritariamente pequeno-burgueses, ou professores universitários. Essa militância hegemonicamente pequeno-burguesa trás consigo diversos desvios pequeno-burgueses para o partido, como é o caso da falta de compreensão do trabalho de base e a falta de iniciativa para fazê-lo. Por isso os comunistas se encastelam nas universidades.

Coloquei no começo do texto que o Partido Comunista deve ser o partido da classe operária, portanto é preciso lutar para construir uma hegemonia proletária no partido comunista, para proletarizar os quadros do partido, superar os desvios pequeno-burgueses, fazer trabalho de base. É preciso por a mão na massa, e muitas vezes esse trabalho não é um trabalho difícil ou elaboradissimo, como o exemplo que eu dei do reforço escolar ou dos cursos de formação política, são atividades que nossos militantes tem capacidade de fazer e que iriam resultar numa inserção do partido na classe que gerariam resultados qualitativos enormes, visto a elevação de consciência da classe, quanto quantitativo, pela quantidade de trabalhadores atingidos por essas iniciativas. É crescer nossa influência com as bases trabalhadoras, conquistar sua confiança, apresentar nosso programa e nossas soluções para os seus problemas. É se estabelecer definitivamente como um partido da classe.

Como coloquei no início do texto, muito se fala sobre trabalho de base e que deveríamos fazê-lo, mas falta compreensão do o que ele é e como fazê-lo. Eis o porquê: o partido comunista é hegemonicamente preenchido pela pequena-burguesia e é preciso superar essa hegemonia para superarmos as contradições vindas da pequena-burguesia, que muitas vezes não compreende o trabalho de base e tem repulsa ou medo de fazê-lo. É preciso que o partido forme camaradas capazes de fazer o trabalho de base com excelência para que possamos nos tornar o partido da classe. É preciso que se perca a vergonha dos militantes do partido de colocar o pé na lama e ir organizar trabalho de base nas periferias, é preciso superar os vícios pequeno-burgueses de fazer somente trabalho no movimento estudantil universitário e se encastelar nele. Iniciativas simples de serem postas em prática podem gerar resultados incríveis para o desenvolvimento da consciência da classe, é preciso apenas que saibamos como organizar esse trabalho de base e dar a ele um sentido político de emancipação da classe.