'O processo de marginalização dos negros brasileiros através de escritos do Clóvis Moura' (Laura Leão)

Ao mesmo tempo que a população negra participa, incansavelmente, na forma de exploração de sua mão de obra no processo de desenvolvimento econômico de nosso país, eles são as camadas excluídas da possibilidade do chamado “mobilismo social”, ou seja, de ascender socialmente e economicamente.

'O processo de marginalização dos negros brasileiros através de escritos do Clóvis Moura' (Laura Leão)
"O negro, pós escravidão é apresentado pela burguesia como socialmente incapaz de trabalhar como assalariado. É contraditório, pois, durante o escravismo o negro era quem mais trabalhava eficientemente em todos os setores."

Por Laura Leão para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Escrevo essa tribuna com base no livro “Sociologia do Negro Brasileiro” de Clóvis Moura. A ideia não é apresentar alguma ideia original minha e sim, contextualizar da minha forma os conceitos que Clóvis expõe no capítulo 3 deste livro. Acho importante não só termos o hábito de fichar os textos que lemos mas também de “propagar” os pensamentos dos grandes autores de forma mais didática, simples e enxuta entre nós. É uma das formas com que podemos ter a oportunidade de mergulharmos em análises teóricas  de muito fôlego, que  infelizmente muitas vezes não temos tempo para ler diretamente da fonte  ou mesmo adquirir o livro. E isso não pode ser impedimento para não nos aventurarmos na teoria.

Clóvis neste capítulo se atenta a aprofundar ao leitor as duas realidades estruturais que o negro brasileiro vivenciou: ( périodo escravista) e vivencia (capitalismo dependente). Essas duas realidades estruturais são intrinsecas ao processo de marginalização dos negros e as  mesmas desenvolveram formas políticas de minar as possibilidades de ascensão social e economica  do negro. Essas realidades são contraditórias, como já sabemos: Ao mesmo tempo que a população negra participa, incansavelmente, na forma de exploração de sua mão de obra no processo de desenvolvimento econômico de nosso país, eles são as camadas excluídas da possibilidade do chamado “mobilismo social”, ou seja, de ascender socialmente e economicamente.

Autores liberais se utilizam da ideia de que, após o periodo da escravidão os negros seriam incoporados as novas classes sociais que apareceriam pós a abolição, formando o proletariado das cidades e ficando em igualdade com os demais trabalhadores. Isso não poderia estar mais errado e Clóvis embasa uma outra concepção. O negro, pós escravidão é apresentado pela burguesia como socialmente incapaz de trabalhar como assalariado. É contraditório, pois, durante o escravismo o negro era quem mais trabalhava eficientemente em todos os setores. Justamente quando seu trabalho árduo poderia ser então remunerado e assim, com possibilidades de uma vida melhor, o negro é jogado para fora da economia. O que se explica, então, apresentá-lo como incapaz de trabalhar enquanto assalariado? O ideal racista em que foi formado nosso país e juntamente a formação do capitalismo em nosso solo:

“Queremos dizer com isso que, na dinâmica da sociedade escravista atuou, durante toda a sua existência, como mecanismo equilibrador e impulsionador, o trabalho do escravo negro. Esse mecanismo de equilíbrio e dinamismo, já que as classes senhoriais fugiam a qualquer tipo de trabalho, será atingido quando se desarticula o sistema escravista e a sociedade brasileira é reestruturada tendo o trabalho livre como forma fundamental de atividade. O equilíbrio se parte contra o ex-escravo que é desarticulado e marginalizado do sistema de produção. Toda essa força de trabalho escrava, relativamente diversificada, integrada e estruturada em um sistema de produção, desarticulou-se, portanto, com a decomposição do modo de produção escravista: ou se marginaliza, ou se deteriora de forma parcial ou absoluta com a morte de grande parte dos ex escravos.”

continuando:

“ao tentarem se reordenar na sociedade capitalista emergente, são, por um processo de peneiramento constante e estrategicamente bem manipulado, considerados como mão de obra não aproveitável e marginalizados. Surge, concomitantemente, o mito da incapacidade do negro para o trabalho e, com isso, ao mesmo tempo que se proclama a existência de uma democracia racial, apregoa-se, por outro lado, a impossibilidade de se aproveitar esse enorme contingente de ex-escravos. O preconceito de cor é assim dinamizado no contexto capitalista, os elementos não brancos passam a ser estereotipados como indolentes, cachaceiros, não persistentes no trabalho e, em contrapartida, por extensão, apresenta-se o trabalhador branco como o modelo do perseverante, honesto, de hábitos morigerados e tendências à poupança e à estabilidade no emprego

Entendemos então, que o negro passa por um processo de peneiramento social e de marginalização. Agora que os mesmos não serão incluídos na força de trabalho assalariada, quem irá então, assumir o seu lugar? Os imigrantes.

A política migratória então, toma fôlego, tendo a importação de um trabalhador “superior” do ponto de vista racial. Esse “acontecimento”  ,forma então, a chamada classe trabalhadora branca brasileira, tendo mais oportunidades e condições financeiras, advindas da política migratória do início do século xx. (Claro, não somente da política migratória, mas é apresentada como um dos fatores estudados que nos ajudam a compreender nosso presente).

Expondo o pensamento do autor: “Razões econômicas determinaram o sucesso da substituição de um tipo de trabalhador inferior por outro superior. Assim como a substituição do escravismo indígena foi justificada pela altivez do índio e a docilidade do negro, a substituição do trabalho do escravo negro pelo do imigrante branco foi também justificada pela incapacidade de o ex-escravo (isto é, o negro e o não branco nacional) realizar o trabalho no nível do europeu superior.”

Assim, é  estruturada uma politica de imobilismo social para impedir que o negro ascendesse sigificantemente na estrutura ocupacional. Essa análise, dialética e materialista, poucos autores se propõem a  fazer como o Clóvis. Importante relembrarmos que a ideologia do branqueamento permeia o pensamento de quase toda a produção intelectual do Brasil e subordina então, ideologicamente as classes dominantes.

Essa política nos afirma que: O Brasil Teria de Ser Branco e Capitalista.

Nas palavras de Clóvis:

“Todo o racismo embutido na campanha abolicionista vem, então, à tona. Já não se trata mais de acabar com a escravidão, mas de enfatizar que os negros eram incapazes ou incapacitados para a nova etapa de desenvolvimento do país. Todos achavam que eles deviam ser substituídos pelo trabalhador branco, suas crenças deviam ser combatidas, pois não foram cristianizados suficientemente, enquanto o italiano, o alemão, o espanhol, o português, ou outras nacionalidades europeias, viriam trazer não apenas o seu trabalho, mas a cultura ocidental, ligada histórica e socialmente às nossas tradições latinas. Alguns políticos tentam inclusive introduzir imigrantes que fugiam aos padrões europeus, como os chineses e mesmo africanos.”

Ou seja, os imigrantes não tinham uma superioridade técnica de trabalho que justificasse sua vinda. A justificativa era de que dentro do processo de formação do nosso capitalismo os negros estariam fora. O que lucrasse mais e gerasse uma nova política econômica era o que interessava nesse momento. A política de contrato dos imigrantes interessava os grandes comerciantes e o capital novo que estava se formando. Estimados por esse auxílio governamental, vários fazendeiros se interessaram pelo emprego do trabalho do imigrante. As elites dominantes iam no mais barato e mais lucrativo. nessa conjuntura, o imigrante era um trabalhador de aluguel mais barato do que a compra onerosa do escravo e nesse universo de transação capitalista, o fazendeiro do café aceita o imigrante. Importante destacar a relação entre esse universo de transação capitalista em conjunto com auxílios governamentais. O Estado Brasileiro é fundado e ainda exerce políticas econômicas racistas, sendo intrínseco, obviamente, a relação entre o racismo e a formação e continuação do capitalismo em nosso território.

Como podemos ver, não se tratou de uma crise de mão de obra, como até hoje se propaga, mas da substituição de um tipo de trabalhador por outro, o isolamento de uma massa populacional disponível e a colocação, no seu lugar, daquele trabalhador que vinha subvencionado, abrindo margens e possibilidades de lucros para diversos segmentos das elites deliberantes.

O negro é negado na formação da nossa sociedade, sendo apontado como incapaz de se adaptar ao “processo civilizatorio”:

“Acompanhando esses mecanismos que dinamizavam a estratégia da importação de imigrantes e as suas compensações monetárias, projetava-se a ideologia da rejeição do negro. Em São Paulo, onde o processo migratório subsidiado foi considerado a solução para a substituição do trabalho escravo, os políticos representativos dos fazendeiros do café desenvolveram um pensamento contra o negro, não apenas mais como ex-escravo, mas como negro, membro de raça inferior, incapaz de se adaptar ao processo civilizatório que se desenvolvia a partir do fim do escravismo.

E para então, finalizar:

A ideologia racista é substituída por razões sociológicas que no fundo as justificam, pois transferem para o negro, através do conceito de um suposto traumatismo da escravidão, as causas que determinaram a sua marginalização atual.

Recomendo a todos a leitura deste livro camaradas! Clóvis Moura é fundamental, obrigatório! Temos que estudar e entender as classes sociais brasileiras a partir de uma análise histórica e dialética, como Clóvis nos ensina. A população negra não foi “jogada” a margem da sociedade por um mero acaso de Deus. Foi colocada a margem da sociedade porque o capitalismo dependente do qual se formou no Brasil obriga esse grupo a ser sucateado, em nome do que seria mais lucrativo.