'O Poder Popular: a milícia proletária como germe do Estado proletário, tarefas necessárias para a Revolução Brasileira' (Visuallar)
Um partido verdadeiramente de vanguarda não pode ficar a reboque das tarefas clandestinas e da luta armada.
Por Visuallar para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Introdução
Camaradas, escrevemos a presente tribuna a fim de delimitar aspectos do Poder Popular. Compreendemos que nossas pré-teses estão muito desqualificadas quanto à compreensão teórico-prática da questão; tanto em relação ao nosso papel e nossas tarefas imediatas quanto à formulação em si do que é o Poder Popular.
Em nossas teses, esta definição é realizada de forma rasa. Seja para adaptar as formulações ao “avanço da luta revolucionária”; como apresenta a seção Programa-E.3 das pré-teses; seja pela espera de uma resolução congressual ou mesmo por mera desconsideração ou despreparo, a indefinição de um traço central de nosso programa; para a nossa “Estratégia Socialista”; é certamente um empecilho para entendermos as nossas necessidades organizativas, nossos trabalhos imediatos e tarefas a longo prazo, nossos erros e acertos.
Definir o Poder Popular, delimitar a sua demonstração prática, não é passar por cima do desenvolvimento da luta revolucionária, mas sim investigar a realidade (a famosa análise concreta da realidade concreta) e revelar aquilo que é incontornável para esse desenvolvimento e para a vitória proletária. Se aceitamos que o proletariado só pode se libertar pela luta armada, necessitamos de preparar-nos para as armas. Um partido verdadeiramente de vanguarda não pode ficar a reboque das tarefas clandestinas e da luta armada. Se aceitamos o Poder Popular, precisamos construí-lo diariamente, precisamos de direções e uma condução correta e, para tudo isso, precisamos compreender o que de fato é o Poder Popular.
O Poder Popular é a milícia proletária: problemas das resoluções atuais
A tese E.3 do Programa diz:
3. As medidas elencadas a seguir são, portanto, completamente dependentes do avanço da luta revolucionária. São medidas que só podem ser realizadas por um poder revolucionário, [...] um Poder Popular que, emergindo na luta, ultrapasse o Estado burguês, tome o poder e estabeleça a Ditadura do Proletariado. Esse poder só poderá se instalar mediante a derrubada do velho poder. [...]. (extraído do Caderno de Teses do XVII Congresso Extraordinário do PCB - Reconstrução Revolucionária, grifos nossos)
Um erro muito aparente é o de que o Poder Popular “só poderá se instalar mediante a derrubada do velho poder”. Além de surgir na luta, isto é, ainda na sociedade burguesa, o Poder Popular instala-se na luta, não após esta. O Poder Popular é o preparativo para a Revolução, é a organização popular, é o feto da sociedade socialista que conduz a parteira (isto é, a violência) a fim de sair do ventre da velha sociedade capitalista. Por isso, o Poder Popular desenvolve suas raízes na sociedade atual, ao mesmo tempo que a destrói.
Adiante, a Tese E.3.1. comete outros desvios:
3.1. O Poder Popular é a democracia direta construída na luta pela classe trabalhadora e todas as camadas que constituem a maioria explorada e oprimida do povo, que busca sua libertação na realização de uma nova sociedade, a sociedade comunista. Ultrapassando uma situação de dualidade de poderes, esse contrapoder é o fundamento do Estado Proletário que se estabelecerá. Posto nas mãos das massas, deverá suprimir a propriedade privada dos meios de produção e toda a velha maquinaria burocrática do Estado burguês. É necessário que, em todos os locais de trabalho e de moradia, sejam organizados Comitês Populares comprometidos com o presente programa, organizando a luta pela realização dessas exigências. (ibidem, grifos nossos)
Primeiro. O poder popular é apenas a “democracia direta” e devem ser “organizados Comitês Populares”? Isso é tudo que podemos dizer sobre o contrapoder que permitirá o nascimento do Estado proletário? Será esta a única diferença entre nós e aqueles que vulgarizam tal conceito?
O Poder Popular, como falaremos posteriormente, é uma estratégia revolucionária, portanto, não adianta defini-lo como “a democracia direta” proletária. O Poder Popular deve ser definido concretamente, e deve-se entender que ele apenas não surgirá, não se estabelecerá, se (e somente se), ao invés do caminho do socialismo, andarmos rumo ao caminho da barbárie. A nossa decisão pela Estratégia do Poder Popular não pode se apoiar em apostas, mas no estudo consequente, na ciência revolucionária. Este não é algo que podemos passar sem, mas sim o desenvolvimento incontornável da luta de classes no Brasil.
Segundo. Como pode um contrapoder “ultrapassar” a dualidade de poderes? Contrapoder é uma oposição, por isso ele surge e se instala antes que essa dualidade seja resolvida, por isso ele não pode nascer fora do antagonismo de classes, fora da dualidade. O despreparo das teses chega a tal ponto que o §37 contradiz a tese 3.1 justamente neste ponto, pois afirma, em oposição, que o Poder Popular é a expressão da dualidade.
Terceiro. “Posto nas mãos das massas”? Se fala-se do Estado, ele não é “posto” nas mãos das massas, mas estas que tomam e aniquilam o Estado burguês. Se fala-se do Poder Popular, menos ainda é possível dizer que é “posto”, uma vez que parte das massas para as massas.
Quarto. Como poderia a nossa classe e o povo oprimido em geral comprometerem-se com tal programa que nada diz? Como poderia a população negra, a LGBTQIAP+, as mulheres, o campesinato e até mesmo a nossa própria classe se comprometer com um Partido que apenas pretende-se de vanguarda, mas não demonstra ser o partido dirigente dessa massa? Que Comitê Popular, em sã consciência, comprometeria-se com um programa que mais parece estar apostando em algo do que realmente investigando cientificamente o desenvolvimento e as necessidades da luta?
Não podemos, seja por ser uma escrita péssima que permite as famosas e perniciosas “interpretações” (isto é, que dê asas ao oportunismo), seja por despreparo, dizer que as propostas elencadas na seção E.3.1-5 são “completamente dependentes do avanço da luta revolucionária”; como se o Poder Popular, ou o monopólio estatal apenas ocorressem em um dos muitos caminhos da luta revolucionária. Isso não é atitude de um partido de vanguarda, de um partido que pretende ser o primeiro marxista-leninista no Brasil, que se orienta pelo materialismo histórico-dialético.
Dito isto, nossas teses devem defender que somos pelo Poder Popular porque essa é a necessidade do movimento comunista, é a condição para a libertação do povo sob jugo do capital, que é o meio para varrer o Estado burguês e construir o “Estado” proletário. Dando a certeza da vitória e não apostando num caminho qualquer, demonstrando-a na prática cotidiana, é assim que garantimos o comprometimento da organização popular, bem como um general garante o comprometimento de seu exército.
Por último. Um erro central cometido diversas vezes nessas teses é o de não tomar as coisas como materiais, abstraí-as, e, depois, realizar uma tentativa porca de orientar nossos trabalhos a partir desta abstração. É isso que indica o trecho “É necessário que, em todos os locais de trabalho e de moradia, sejam organizados Comitês Populares comprometidos com o presente programa, organizando a luta pela realização dessas exigências”, pois diz sempre que algo é necessário, sem dizer o porquê ou os meios. Apesar de dizer que o Poder Popular é a democracia direta, apenas diz que devem ser criados Comitês Populares e omite as razões da existência desses e como construí-los. Determina o que os Comitês Populares (ainda inexistentes) devem fazer, mas não o que devemos fazer para que finalmente venham a existir. Sem dizer como agir, sem entender o que deve ser feito para alcançarmos o socialismo-comunismo, não garantimos a democracia direta e o Poder Popular.
§37 Compreendemos o Poder Popular como a materialização da hegemonia do proletariado em seu processo de luta rumo à sua constituição como classe dominante. É, portanto, o pilar fundamental da construção da ditadura do proletariado, surgido do seio das lutas dos explorados e oprimidos em confrontação com o poder burguês. A sua constituição, assentada nos instrumentos de luta da classe trabalhadora organizada, é a expressão da dualidade de poderes e se apoia diretamente na ofensiva revolucionária pela construção do socialismo-comunismo. (ibidem)
Portanto, deve-se reconhecer que o Poder Popular, expresso nos Comitês Populares, é a milícia proletária:
Não deixar reconstituir a polícia! Não largar das mãos o poder ao nível local! Criar uma milícia realmente de todo o povo, geral, dirigida pelo proletariado! - tal é a tarefa do dia, tal é a palavra de ordem do momento, que corresponde de igual modo tanto aos interesses corretamente entendidos da luta de classes ulterior, do movimento revolucionário ulterior, como ao instinto democrático de qualquer operário, de qualquer camponês, de qualquer trabalhador e explorado, que não pode deixar de odiar a polícia, os guardas, os polícias rurais, o comando dos latifundiários e polícias sobre homens armados que obtém poder sobre o povo.
[...] De que milícia precisamos nós, o proletariado, todos os trabalhadores? De uma milícia realmente popular, isto é, em primeiro lugar, constituída por toda a população, por todos os cidadãos adultos [e jovens] de ambos os sexos, e, em segundo lugar, de uma milícia que combine em si a função de exército popular com as funções de polícia, com as funções de órgão principal e fundamental da ordem pública e da administração estatal.
[...] Nem é preciso dizer que seria absurda a ideia de elaborar qualquer «plano» da milícia proletária: quando os operários e todo o povo se lançarem verdadeiramente em massa ao trabalho de modo prático, elaborá-lo-ão e organizá-lo-ão cem vezes melhor do que quaisquer teóricos. [...]
É este o tipo de «Estado» de que precisamos!
É esta a milícia que seria de facto, e não apenas em palavras, uma «milícia popular».
É este o caminho que devemos seguir para que não seja possível reconstituir nem uma polícia especial nem um exército especial, separado do povo.
Tal milícia seria constituída em 95% por operários e camponeses, exprimiria realmente a inteligência e a vontade, a força e o poder da imensa maioria do povo. Tal milícia armaria e ensinaria realmente a arte militar a todo o povo, salvaguardando, [...], contra quaisquer tentativas de restauração da reacção, contra quaisquer maquinações dos agentes tsaristas. Tal milícia seria o órgão executivo dos «sovietes de deputados operários e soldados» [em nosso caso, dos Comitês Populares], gozaria do respeito e confiança absolutos da população, porque ela própria seria uma organização de toda a população. Tal milícia transformaria a democracia de bela etiqueta encobrindo a escravização do povo pelos capitalistas e o escárnio do povo pelos capitalistas em verdadeira educação das massas para a participação em todos os assuntos estatais. Tal milícia incluiria os jovens na vida política, ensinando-os, não só pelas palavras mas pelos actos, pelo trabalho. Tal milícia desenvolveria as funções que, falando em linguagem científica, dizem respeito à «polícia do bem-estar», a vigilância sanitária, etc., recrutando para esse trabalho todas as mulheres adultas. E sem incluir as mulheres no serviço social, na milícia, na vida política, sem arrancar as mulheres ao seu ambiente embrutecedor da casa e da cozinha, não é possível assegurar uma verdadeira liberdade, não é possível constituir sequer a democracia, para já não falar do socialismo. (Cartas de Longe, Lênin. Carta 4: Sobre a Milícia Proletária, extraído de Marxists Internet Archive. Grifos do autor).
Portanto, quando, ainda na seção E.3.1., fala-se que é necessária a criação de Comitês Populares, há de se dizer o como, o porquê e o que fazer. O que se tem feito até agora é apenas a descrição do Poder Popular, inclusive em propostas alternativas (vide a proposta de Gabriel Oliveira e Gabriel Galvão). Dizer que uma maçã é uma fruta, descrevê-la em seus pormenores, sua textura e seu gosto, não nos ajuda em nada se essa descrição não orienta a luta pelas maçãs individuais, a tomada da árvore ou a expropriação da terra e a derrubada das cercas. Exemplos disso são os §37 e 38.
A única intervenção digna de ser mantida em nossas teses finais seria o §39, pois é o único que fala qual é o fim dos Comitês Populares; mas ainda assim é insuficiente se não temos uma orientação para a ação, para a tarefa imediata de construir a milícia proletária que são os Comitês Populares.
Objetivo da Revolução Socialista, Estratégia do Poder Popular
Primeiro. Pouco se fala de fato da “Estratégia Socialista” em nossas pré-teses, apenas passa por detalhes sobre como ela veio a ser, mas, quanto ao que fazer daqui em diante, nem uma palavra sequer é dita.
Segundo. Quanto mais insistimos na “Estratégia Socialista”, menos entendemos como atuar e, menos ainda, o Poder Popular. E por que razão? Simples: por estarmos tratando o Poder Popular como uma tática.
O Poder Popular não é algo que abandonaremos no meio do caminho da revolução e ele há de se manter no pós-revolução, como o (não-)Estado proletário. Ele é a nossa Estratégia, enquanto a revolução socialista é nosso Objetivo.
Como Leonardo Vinhó explicita muito bem em sua tribuna, o objetivo é sempre um objetivo político, enquanto a Estratégia estará subordinada a ele e possui caráter militar. Nossa intenção com o Poder Popular é construir o Estado socialista, o Estado proletário, portanto o Poder Popular é um meio duradouro, não orienta apenas uma batalha imediata.
Já a tática é a forma específica de conduzir cada batalha individualmente, decisão a cargo de oficiais de campo comandando tropas contra um determinado batalhão de forças inimigas. De tal sorte que as táticas devem estar subordinadas à estratégia. Supondo que a estratégia diga para avançar sobre determinado território guarnecido por forças inimigas, cada destacamento em campo precisa descobrir a melhor tática para fazê-lo e cumprir com a estratégia. (O que é estratégia? O que é tática? O que é o poder popular?, tribuna de Leonardo Vinhó)
Após a Revolução, não abandonaremos o Poder Popular como se fossemos abolir o Estado no ato (como querem os anarquistas), e é claro que nossa estratégia não será a mesma (portanto, não mais a Estratégia do Poder Popular, assim como não seria a Estratégia Socialista; se a mesma estivesse correta), pois nosso objetivo não será mais o de extinguir o Estado burguês (ao menos no Brasil).
Concluindo, estamos tratando nossa Estratégia como uma tática, não dando a ela a importância e a dedicação que necessita. Disso decorrem desentendimentos gerais, como os apontados por Silco em sua tribuna, além da desorientação geral de nossas tarefas.
Das nossas tarefas organizativas
Pela necessidade de alterar nossas teses e orientar nossa prática em favor da organização da milícia proletária, devemos formular orientações organizativas.
i) O armamento geral do povo e o comando da milícia popular
Para sermos vanguarda verdadeira da luta armada, precisamos ter acúmulos práticos sobre como armar o povo: treinamento militar (abordado no próximo tópico), distribuição de armamento e outros produtos ilícitos, etc.
Um dos acúmulos práticos da logística de distribuição é a cadeia de distribuição dos jornais, do material partidário (bandeiras, camisetas, instrumentos musicais no caso da Bateria Vermelha etc) e do material de nossas empresas (vide o item iii nesta seção); por isso é perniciosa a proposta de abolição do jornal físico em nossas fileiras como trabalho de base regular e sua substituição completa pelo material digital.
Precisamos ter, em nossas instâncias superiores, experiência na compra de material ilícito, seja este qual for, mas sempre levando em conta que precisaremos transportar caixas e caixas de munição e armamento para todo o território nacional, isto é, na guerra civil vindoura.
Outra tarefa imperativa, esta que não pode passar sem a boa formação e a boa prática militante diária, é a de entendermos a autoridade do Partido. Se queremos organizar e dirigir a insurreição armada, a Revolução, se queremos gerir nossas tropas e; até mesmo antes disso; gerir nossos militantes, o Partido deve gozar de autoridade sobre os mesmos e, futuramente, sobre a própria milícia armada e o armamento geral do povo; partindo, claro, do pressuposto de que seremos o partido de vanguarda da classe proletária e de seus aliados, de que provaremos nossa importância na prática e tenhamos o reconhecimento da nossa autoridade e da necessidade dela.
Não somos proudhonistas, não somos anarquistas. Não somos “antiautoritários”. Ser antiautoritário é negar “qualquer autoridade, qualquer subordinação, qualquer poder” (O Estado e a Revolução, de Lênin. P. 85 da edição da Boitempo. Grifos nossos); portanto, é negar o Poder Popular, é negar o Estado proletário e a única arma real que pode nos levar à vitória na luta de classes: a organização.
Não somos pacifistas, não somos contra o uso da violência armada. Para reiterarmos isso, é preciso a correção de desvios tanto pela formação, quanto pelo convencimento e debate político frequente em nosso jornal; influindo tanto dentro de nossas fileiras, quanto fora delas. Um exemplo desse pacifismo em nossas fileiras é a traição ou a confusão contida na Proposta de Gabriel Oliveira e Gabriel Galvão, expresso na exclusão do programa nuclear para fins militares, o que as teses atuais prevêem.
[...] Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que existe; é o ato pelo qual uma parte da população impõe sua vontade à outra parte por meio das espingardas, das baionetas e dos canhões – meios autoritários como poucos; e se o partido vitorioso não quer ter lutado em vão, deve manter o seu poder pelo terror que as suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris teria durado um único dia se não tivesse feito uso da autoridade do povo armado diante aos burgueses? Não devemos, pelo contrário, repreendê-los por não tê-la usado livremente?
Assim, das duas uma: ou os antiautoritários não sabem o que dizem e, nesse caso, só semeiam a confusão; ou o sabem e nesse caso estão traindo o movimento do proletariado. Em ambos os casos, servem à reação. (Engels em Da autoridade, extraído de Escritos Militares, p. 309; disponível também em MIA)
Nesse sentido, uma contribuição é especialmente importante para nós, a tribuna ‘Do Twitter para o Jornal: a Organização da Polêmica Partidária’, de Deutério. A autoridade que o OC tem sobre a contribuição da militância deve ser a mais ampla, e não para dar uma carteirada ou um golpe, mas para conseguirmos, de fato, a unidade ideológica e, desta, a unidade prática que a Revolução Brasileira exige.
Para que tudo isso seja praticado, é preciso desenvolver a disciplina dos militantes; até mesmo para que possamos ensiná-la à população em geral; no sentido mais amplo, não apenas o de saber se portar em certos espaços, mas também o de subordinação. Para tal, temos que alterar o nosso sistema de formação.
ii) Re-Formação: a necessidade da reconstrução do SNFP
Atualmente, o Sistema Nacional de Formação Política é um golpe contra nós mesmos. Apesar de elucidativo, nosso material atual não é absorvido pela periferia em geral, pela juventude trabalhadora, por exemplo, que não possui tempo para se dedicar a ler e refletir.
Adiante, o SNFP preocupa-se muito pouco com a formação perene dos militantes, como se inserir o militante no partido fosse sua única função. Já falamos, na tribuna anterior, que não temos nada que obrigue os militantes a se formarem, a entender a teoria e, mais que isso, a aplicá-la de forma consequente, além da própria prática. A prática é a melhor professora, isso está correto, mas a prática oportunista também ensina muito bem seus lacaios. Além, claro, da máxima de Lênin de que não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária.
A formação de militantes deve sempre ser pensada em dois eixos: teórico-prática; isto é, política; e militar; uma vez que é a realização da política “por outros meios” e, com a preparação que se exige, deve-se atenção especial.
Seguimos. A reconstrução do que chamaremos de Formação Básica (aquela que é necessária para que o militante adentre no Partido) é ligada à criação da Formação Continuada (aquela que acompanha os militantes já inseridos no Partido). Sendo assim, é imperativo que mudemos os materiais e diversificar as mídias atuais da Formação Básica, e para essa alteração propomos:
- Caderno de Apresentação do Partido;
- A seção Programa das teses finais (pós congresso), de forma resumida;
- A seção Estatuto das teses finais, de forma completa;
- A seção Estratégia e Tática das teses finais, de forma resumida (sendo a etapa inicial da formação militar); e
- A Introdução de Contribuição à Crítica da Economia Política (Marx).
Apesar da Formação Continuada não ser passiva de uma definição minuciosa, é necessário dizer que não adianta haver leitura se não houver prática (por isso a substituição de “política” por “teórico-prática”, entendendo ambos como condutores da unidade da militância). A formação militar, é claro, há de ser também teórico-prática, mas destacá-la é um fator decisivo: deve-se aprender a teoria, a ciência militar e formar o corpo como possível (isto é, nunca contribuir para a normatização e padronização dos corpos, mas torná-los armas na medida do possível).
Em linhas gerais, a Formação Continuada deve conter obras e trechos do marxismo, como: O 18 de Brumário, Manifesto do Partido Comunista, Fundamentos do Leninismo, O Que Fazer?, Imperialismo, estágio superior do capitalismo, Carta a um Camarada, As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo e o capítulo A assim chamada acumulação primitiva, d’O Capital; assim como deve conter obras liberais, justamente para que se aprenda a opor-se ativamente ao liberalismo pela sua essência, pelo seu caráter classista. O estudo da dialética, por exemplo, deve ser obrigatório, assim como o básico da Crítica da Economia Política.
Assim, poderemos superar erros simples cometidos tanto por oportunistas quanto por aqueles que possuem a “boa intenção”, mas não a boa teoria. Erros como o idealismo trajado de cientificismo, exposto em nossa última tribuna.
Por todas essas razões, o Sistema Nacional de Formação Básica e Continuada (SNFBC) deve substituir o caduco SNFP, cumprindo um objetivo político superior: o de preparar nossos militantes para a disputa política e para a guerra revolucionária.
iii) Nossas finanças e seu caráter político: disputas políticas e meios para a formação militar
A criação de empresas do Partido, não necessariamente ligadas a ele por nome, é uma questão candente, que contribui tanto para nossas finanças quanto para os acúmulos sobre a logística (abordado no item i).
A criação de empresas que nos sejam especialmente úteis a nós não é um debate que se inicia aqui, mas que tem sido mal apresentado e limitado. Sobre isso, a tribuna de Luiz Neto, 'Sobre a profissionalização das finanças e a proletarização das nossas fileiras', por exemplo, não discute o caráter político das finanças, apenas diz que é incontornável, se queremos vencer, seu uso em nosso favor. E ainda é muito limitada por dizer que temos que formar nossos militantes para fazer vestibular e aprender a administrar. Isso é ridículo. O que devemos é aproveitar os proletários já formados e os cooptar para nossas empresas e possivelmente, mas não necessariamente, para o próprio Partido.
Enfim, nossas empresas devem ter a orientação perene de disputar espaços: uma editora do Partido (se a Lavra Palavra for essa empresa, precisamos que seja completamente subordinada ao Partido e ao OC) deve fazer frente aos oportunistas e às editoras que os adoram; não é necessário ir muito longe para exemplificar, basta apenas ler o prefácio de Crítica do Programa de Gotha (edição da Boitempo) para entender.
As empresas do Partido também podem, muito bem, auxiliar a formação militar: as academias. Assim, ajudaremos nossos camaradas que estão sendo constantemente assediados pelo desemprego e pelo pauperismo, que não têm emprego e que não podem pagar academia, além de ajudar as comunidades em que atuamos.
Mas não são só as empresas que nos ajudam, devemos tomar providências imediatas. Não podemos deixar que nossos militantes sejam encurralados pela polícia, que tomem spray de pimenta no rosto sem a mínima defesa, sem que possam revidar ou se proteger. As imagens do ataque covarde na Alesp indicam que, se tivessem condição e treinamento mínimo, poderiam ter revidado o golpe: imagens que mostram policiais sem equipamento de proteção no rosto, ou seja, poderiam ter reagido também com spray (tudo depende de uma estratégia e tática das ruas, orientadas para a manifestação e repressão policial).
Armar minimamente nossa militância: seja com bastões de autodefesa, spray de pimenta e/ou taser. Treinar minimamente nossa militância em enfrentamento físico: reconhecer as fraquezas das verdadeiras armaduras que a polícia usa até mesmo na mais tímida das manifestações e combate corpo a corpo (muay thai, boxe, kickboxing, kung fu, etc). Eis as nossas tarefas imediatas para formarmos agentes ativos da Revolução Brasileira, não apenas intelectuais arrogantes, acadêmicos e academicistas que “leram Marx em alemão e Lênin em russo” (como diz um camarada que é Fogo) e odeiam, tanto em suas palavras quanto em suas ações, o centralismo-democrático e o leninismo.
iv) Ir a todas as classes!
Atualmente, nossas teses são extremamente insuficientes quando abordamos nossas alianças classistas e nossa reserva revolucionária. Os problemas do campo não se resumem à luta pela terra, principalmente quando falamos de nosso aliado mais próximo do campo: o campesinato pobre.
Como se sabe, o capitalismo lança parcelas de todas as classes ao proletariado
Os pequenos estados médios até aqui, os pequenos industriais, comerciantes e rentiers, os artesãos e camponeses, todas estas classes caem no proletariado, em parte porque o seu pequeno capital não chega para o empreendimento da grande indústria e sucumbe à concorrência dos capitalistas maiores, em parte porque a sua habilidade é desvalorizada por novos modos de produção. Assim, o proletariado recruta-se de todas as classes da população. (Manifesto do Partido Comunista, disponível no acervo de MIA)
E aquelas que estão mais próximas de cair são aquelas mais suscetíveis a contribuir para a revolução ou; quando não enxergam a transição iminente ao proletariado; a vacilarem entre reacionarismo e revolução.
De todas as classes que hoje em dia defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As demais classes vão-se arruinando e soçobram com a grande indústria; o proletariado é o produto mais característico desta.
Os estados médios — o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês —, todos eles combatem a burguesia para assegurar, face ao declínio, a sua existência como estados médios. Não são, pois, revolucionários, mas conservadores. Mais ainda, são reaccionários, procuram fazer andar para trás a roda da história. Se são revolucionários, são-no apenas à luz da sua iminente passagem para o proletariado, e assim não defendem os seus interesses presentes, mas os futuros, e assim abandonam a sua posição própria para se colocarem na do proletariado. (ibidem)
A falta de nossa inserção palpável; tanto no campesinato pobre, quanto na pequena-burguesia geral (rural e urbana); significa cortar nossas reservas revolucionárias e dar mais braços à reação burguesa. Enquanto não estivermos em pleno contato com esses setores, não poderemos conscientizar o proletariado de sua luta histórica, muito menos organizar a revolução de forma consequente e lutar contra a reação.
A consciência política de classe pode ser levada ao operário somente a partir de fora, ou seja, de fora da luta econômica, de fora da esfera das relações entre operários e patrões. O único campo em que se pode obter esse conhecimento é no campo das relações de todas as classes e camadas com o Estado e o governo, no campo das inter-relações entre todas as classes. [...] Para levar aos operários conhecimento político, os [... comunistas] devem ir a todas as classes da população, devem enviar destacamentos de todo seu exército para todas as frentes. (O Que Fazer?, de Lênin, pp. 95-96 na edição da Boitempo)
Portanto, devemos construir Comitês Populares com o campesinato pobre, a fim de garantir a sua radicalidade quando se der a passagem deste ao proletariado, e manter a pequena-burguesia próxima o suficiente para que esta veja nossa linha política na prática, sem pautar nossa luta em seus interesses classistas reacionários, mas em seus interesses futuros. Assim, poderemos seguir as certíssimas orientações de Lênin de que
[...] o ideal do [comunista] não deve ser o secretário de trade-union, mas o tribuno do povo que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza e qualquer que seja a camada ou a classe social atingida, que sabe sintetizar todos esses fatos para traçar um quadro de conjunto da brutalidade policial e da exploração capitalista, que sabe aproveitar cada detalhe para expor perante todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, para explicar a todos e a cada um o alcance histórico-mundial da luta emancipadora do proletariado. (ibidem, p. 97)
Para a crítica das teses: reformulações das teses
A seguir, é claro, alteramos as teses em função de toda discussão já exposta. Quando surgir a necessidade de discutir um ponto específico para a clareza do sentido político, assim o faremos.
i) Programa
B.12. É nesse contexto que o Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária apresenta seu Programa Socialista para a Revolução Brasileira, pois, para a libertação real do povo, resta apenas o caminho da expropriação da burguesia e a reorganização socialista da sociedade, que poderá resolver as agudas contradições que vitimam nosso povo, e proporcionar os frutos de um desenvolvimento econômico solidário e consciente não só à população trabalhadora brasileira, mas a toda a humanidade!
E.6. A realização completa, consistente e duradoura das transformações políticas e sociais mencionadas acima é atingível somente através da revolução socialista; da consolidação da Ditadura do Proletariado.
Nossa pretensão é reverter a noção de que estamos apostando, de que apenas “achamos” que este é o caminho correto: estarmos “confiantes” não é uma certeza da luta; não é uma análise científica, nem um chamado à ação.
Se não nos posicionarmos certos de nossas resoluções, se somos vacilantes por medo de errar, isto é um erro ainda maior. Se o Partido errar, devemos admitir e nos reorientar, nesse sentido, precisamos ser mais transparentes com nossa classe. Só assim seremos o Partido de vanguarda, só assim as massas nos verão como seu partido.
E.1. Não acreditamos que seja possível alcançar o socialismo-comunismo por meio de meras reformas, por meio da mera participação nos parlamentos e governos. Nosso programa só poderá ser realizado pela organização da própria classe trabalhadora em um poder político que supere o poder dos capitalistas, buscando reduzir o quanto possível as condições de uma resistência violenta por parte dos capitalistas e de seus mercenários armados contra as medidas de interesse da ampla maioria do povo trabalhador. Sabemos que essa realidade só será possível se e onde o proletariado revolucionário conquistar o apoio político consistente da ampla maioria dos soldados pobres que compõem as bases das forças armadas com seus desligamentos das instituições burguesas a fim de formarem a milícia popular revolucionária em práticas militares, que transforme o poder armado em um poder a serviço da luta do proletariado pela sua emancipação, não sendo possível a identificação deste com o poder armado burguês, com qualquer forma de exército permanente.
A configuração anterior de nossas teses resulta em: primeiro, estarmos formando apenas um destacamento armado específico (exército); quando, na verdade, a revolução precisa do armamento geral (milícia).
Segundo, que os soldados rasos irão inventar a milícia, sendo que, em verdade, esta surge pela organização da população nos Comitês, pela necessidade da defensiva e, mais importante ainda, da ofensiva, pelo trabalho prático que deve ser realizado pelos Comitês. A função dos soldados é ensinar nossa milícia as artes da guerra burguesa.
Terceiro, que o “poder armado” deve apenas ser transladado, sem alterações. Porém, o armamento sofre, sim, uma alteração, a repressão sofre, sim, uma alteração. E essa alteração é seu caráter de classe.
E.3. Elencamos, a seguir, medidas que devem ser realizadas pela organização da classe proletária formada antes da destruição do Estado burguês e a criação do semi-Estado proletário, da Ditadura do Proletariado. Essa organização são os Comitês Populares. Devemos dirigir a criação desses Comitês em todos os espaços de trabalho e moradia. Essa organização irá destruir a burocracia burguesa e deve, também, substituir o Exército Permanente pelo armamento geral de nossa classe. Nosso papel frente às medidas que se seguem é o de conduzir o processo para interesses classistas e irrevogáveis, em suma, lutar contra a reação da burguesia por todos os meios possíveis e defender tais medidas em todo momento oportuno.
3.1. Supressão total do parágrafo
A razão da alteração da tese 3. e a supressão da 3.1. seguem o mesmo sentido: o entendimento profundamente incorreto do Poder Popular e falta de orientações práticas, ou seja, de um comprometimento cotidiano com essas medidas.
3.3. Monopólio estatal do de todos os meios de transporte e de todos os ramos estratégicos da produção: alimentícia, energética, militar, siderurgia, metalurgia, construção civil, comércio exterior e controle cambial.
3.4. A garantia do direito e o dever do trabalho para todos os adultos até 60 anos. A distribuição da força de trabalho deve ser controlada pelo Estado.
Esta alteração da tese serve para enfrentar a principal contradição que temos hoje: entre o trabalho e o capital, entre a produção socializada e a apropriação privada. Todos os ex-senhores devem trabalhar e ganhar tanto quanto qualquer outro trabalhador de sua categoria. Todos os trabalhadores devem receber sua parte da produção, sem apropriar-se do suor, do sangue, do trabalho de outrem.
A outra função é orientar a nossa produção cada vez mais para longe dos tentáculos da oferta e da demanda, que desorientam a produção e geram crises pela má distribuição, enfim, para longe da anarquia capitalista.
3.4+X. Transição da República Federativa para a República Unitária.
ii) Sobre a Estratégia Socialista: Objetivo da Revolução Socialista, Estratégia do Poder Popular
§25+X. A “estratégia socialista” não dá conta de nossos interesses. Se a estratégia é aquilo que nos orienta sempre, que nos orienta em seu favor, então a nossa é a Estratégia do Poder Popular, enquanto a Revolução Socialista Brasileira é nosso objetivo político. Esses termos, emprestados de Clausewitz, revelam melhor nossas intenções e orientam melhor nossas tarefas revolucionárias para a vitória. A confusão que se fez até agora apenas nos leva a linha política errada e rebaixa, erroneamente, o Poder Popular à uma tática, como se fosse algo abandonável.
iii) Sobre o Poder Popular
§X Dentro dos limites da sociedade burguesa, o Poder Popular tem sua maior expressão na organização do povo. Isto é, nos Comitês Populares, na milícia proletária. Estes surgem no seio da luta de classes na sociedade burguesa, aí estão suas raízes, seu fundamento. O fundamento da Ditadura do Proletariado é o Poder Popular.
§37 Supressão total do parágrafo.
§38 [...]. Os Comitês Populares citados nessas teses serão uma organização deste tipo, que nos conduzirá à vitória.
iv) Sobre a questão agrária
§X Como o campesinato pobre é o nosso aliado de classe do campo, devemos organizar nossos Comitês Populares no campo primeiro sob a ordem da mão de obra assalariada do campo, mas sempre mantendo o campesinato pobre o mais perto possível, compreendendo seus interesses (que não se resumem à reforma agrária) e orientando a luta em nosso favor. Assim, criaremos uma reserva revolucionária, arrastando o campesinato para a revolução. Ademais, é sob a máxima de que “o proletariado deve ir a todas as classes”, que devemos estar sempre em contato com a pequena-burguesia, a fim de que esta não se torne um inimigo maior; a fim de arrancar uma parte do futuro exército burguês da guerra civil vindoura.
v) Sobre as finanças
§49+X É Função do Partido Comunista a criação de empresas partidárias que, em geral, orientem-se para nossos fins políticos, como: academias em que os trabalhadores sejam militantes desempregados e pessoas da sociedade civil; uma editora realmente partidária, que publique não só textos revolucionários clássicos, mas os acúmulos que orientem o movimento comunista e combata os oportunistas que tomam conta da literatura revolucionária (como Elias Jabbour, a Boitempo como um todo, Sofia Manzano, Michael Löwy, etc). Nossas tarefas de finanças não podem estar apartadas de nossa política.
vi) Sobre a formação de quadros
§57 É necessário definir novos materiais para a formação e um novo Sistema, sendo este o Sistema Nacional de Formação Básica e Continuada (SNFBC). No escopo desse sistema, será dever do Comitê Central e dos demais organismos dirigentes viabilizar aparelhos nos territórios para contribuir com a formação teórico-prática e militar dos quadros. Manuais sobre os mais diversos aspectos da atividade prática e materiais de explicação teórica minuciosa de nossas resoluções congressuais também devem ser produzidos pelo Comitê Central, com a condição de não serem tomados de maneira formalista e dogmática. Para centralizar nossa Formação Básica, isto é, aquela que serve para inserir um novo militante em nossas fileiras, definimos que os seguintes textos devem ser reunidos em um documento unificado:
1. Caderno de Apresentação do Partido;
2. Seção Programa das teses finais pós XVII Congresso (de forma resumida pelo CC);
3. Seção Estatuto das teses finais (completo);
4. Seção Estratégia e Tática das teses finais, sendo o início da formação militar (resumida pelo CC); e
5. Introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política, de Marx.
Estatuto
Art. 3°, §2º Todo novo militante deverá ter seu recrutamento aprovado por uma célula após a aplicação do SNFB.
Art. 4°, §2º Se o Comitê Central se recusar a convocar um Congresso extraordinário nas condições do §1º, os Comitês que o solicitarem deverão eleger uma Comissão Organizadora Nacional com poderes para convocar um Congresso Extraordinário. O Comitê Central que se recusar a convocar o Congresso deve ser dissolvido e reeleito, sendo conduzidos processos disciplinares sobre os militantes do Comitê Central pré Congresso.