O plano de recuperação econômica de Traoré em meio à crise humanitária de Burkina Faso

Tendo como prioridade o combate aos grupos fundamentalistas, o governo de transição em Burkina Faso vem atuando na estruturação de novos marcos de uma política econômica voltada para o desenvolvimento interno.

O plano de recuperação econômica de Traoré em meio à crise humanitária de Burkina Faso
Ibrahim Traoré no anúncio da construção de uma fábrica de processamento de tomate em Bobo-Dioulasso. Reprodução: Governo de Burkina Faso.

Essa matéria é parte de uma cobertura mais ampla sobre os acontecimentos recentes em Burkina Faso e na África Ocidental. Leia a primeira parte para detalhes sobre a prorrogação das eleições burkinabés em meio às tensões regionais no combate ao fundamentalismo, e a segunda parte para o cenário de surgimento dos grupos fundamentalistas na África Ocidental.


Por Redação

Lidando com cerca de 2 milhões de deslocados internos em razão dos conflitos em curso na região do Sahel, a junta militar no poder em Burkina Faso, presidida pelo capitão Ibrahim Traoré, busca superar nos próximos anos os embargos regionais impostos pela CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), bem como a histórica dependência econômica criada pelo imperialismo.

Neste contexto, um dos grandes objetivos em termos políticos e econômicos do governo burkinabé é a restauração da integridade territorial. Com cerca de 40% do território nacional nas mãos do Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM) e do Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), segundo relatórios e comunicados recentes, o Ministro da Economia, Finanças e Planejamento, Aboubacar Nacanabo, afirmou no início de junho que 30% do orçamento do país estava direcionado para questão da defesa, onde foram gastos cerca de 1 bilhão de dólares em 2023.

Ibrahim Traoré na entrega de veículos aéreos ao Ministério da Defesa em abril de 2024. Reprodução: governo burkinabé.

Anunciado em maio deste ano, o chamado Plano de Ação para Estabilização e Desenvolvimento (PA-SD na sigla em francês), além de definir o combate ao terrorismo como um de seus eixos, visa solucionar as problemáticas causadas pelo deslocamento, o que inclui o investimento em infraestrutura, o reassentamento das famílias e a busca pela soberania alimentar, além do enfrentamento à crise climática, materializada no avanço do deserto sobre as áreas férteis do país.

Em consonância com o PA-SD, Ibrahim Traoré e o conjunto de ministros nomeados pelo presidente da junta militar, adotando um discurso marcadamente nacionalista, reiteraram em inúmeras aparições públicas a necessidade de encontrar alternativas internas para o desenvolvimento. Nesse sentido, em junho de 2023, o governo anunciou a criação da Agência para a Promoção do Empreendedorismo Comunitário (APEC), com o objetivo de financiar projetos em diversas áreas através da abertura do capital para participação da população burkinabé como acionistas. Com um claro recorte de classe, a medida visa atrair o capital da pequena e média burguesia nacional, escapando da dependência do capital estrangeiro.

Entre as primeiras iniciativas da APEC estão a construção de uma fábrica de processamento de tomate em Bobo-Dioulasso e uma Mina de ouro semimecanizada na comuna de Midebdo, situada na província de Noumbiel. Karim Traoré, Diretor-Geral da APEC, afirmou em 1º de julho deste ano que o organismo arrecadou quase 17 bilhões de Francos CFA.

Ibrahim Traoré no lançamento das obras de construção do complexo têxtil IRO-TEXBURKINA em Sourgou. Reprodução: Governo de Burkina Faso.

Já para além da APEC, o governo burkinabé iniciou a construção de dois complexos têxteis, o IRO-TEXBURKINA, situado em Sourgou, departamento na província de Boulkiemdé e o TEXFORCES-BF, em Bobo-Dioulasso. Este último tem como objetivo o processamento do algodão produzido em Burkina Faso para produção de uniformes militares para as Forças Armadas do país e, nas palavras de Ibrahim Traoré, para as demais forças de segurança dos países africanos da região que desejarem.

Em relação a soberania alimentar, o major Ismaël Sombié, Ministro da Agricultura, Recursos Animais e Pesca, ao apresentar um plano chamado de “Ofensiva Agropecuária e Pesqueira”, que pretende criar 100 mil empregos para a população deslocada e jovens desempregados entre 2023 e 2025, apontou que 54% do orçamento caberá a iniciativa privada, sendo apenas 46% financiado por recursos públicos.

Nessa conjuntura, em análise do relatório da Comissão de Parcerias Público-Privadas (PPP), em dezembro de 2023, Aboubacar Nacanabo definiu estas como a solução para financiamento de projetos de infraestrutura, considerando-as satisfatórias na maior parte dos projetos. O ministro também prevê a taxa de crescimento em 5,5% em 2024, relembrando que a inflação registrou uma queda de 14,1% em 2022 para 0,7% no final de 2023.

Os projetos tocados pelo governo de transição acompanham críticas de Traoré e seus ministros à intervenção e aos modelos de financiamento propostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Recebendo uma delegação da instituição, o Primeiro-Ministro burkinabé, Apollinaire Joachimson Kyélem de Tambèla, questionou a relevância da presença do FMI, uma vez que a situação econômica não progrediu nas últimas décadas. Mesmo assim, anunciando o planejamento da construção de uma rodovia e uma ferrovia ligando Bamako, Ouagadougou e Niamey, respectivamente capitais de Mali, Burkina Faso e Níger, o Primeiro-Ministro afirmou que espera firmar parcerias com a organização de Bretton Woods, mantendo uma relação amigável.