'O PCB e um trabalho de novo tipo' (Victor Plasa)

Somos uma escola de quadros de um Partido Comunista, não podemos tratar nossos quadros como a escola burguesa trata seus melhores alunos, inflando suas imagens e dando ainda mais responsabilidade e tarefas.

'O PCB e um trabalho de novo tipo' (Victor Plasa)
"Estarmos inseridos em um país neoliberal, com todas suas consequências, não justifica a manutenção do pensamento meritocrático em nossas fileiras."

Por Victor Plasa para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Muito se fala entre nossas fileiras sobre a necessidade de especializar e profissionalizar a militância. O debate sobre a especialização dos militantes é fundamental para os partidos leninistas desde a época do próprio Lenin. Quanto mais especializados, melhores são os desdobramentos de nosso trabalho político, maior nossa capacidade de balanço e formulação sobre nossa prática. Em conjunturas mais específicas, como era o caso da Rússia tsarista, a especialização também visa aumentar a possibilidade de esconder o trabalho da repressão.

Junto à especialização, caminha o debate sobre a disciplina militante, algo muito caro à nossa organização atualmente. A disciplina revolucionária é fundamental para as tarefas pequenas e simples, mas adquire maior importância conforme chegamos mais perto de nossa tarefa prioritária, a construção da revolução brasileira.

Nesse sentido, penso a questão da disciplina revolucionária no PCB enquanto conectada ao trabalho. Por isso, proponho pensarmos o PCB como um “trabalho de novo tipo”, que se trata da seriedade que um trabalho exige, mas sem a alienação que o trabalho no capitalismo cria.

É comum que os recém-ingressados se deparem com os camaradas falando sobre o trabalho que realizamos, e sobre a organicidade. Para quem entrou recentemente, essa situação pode criar a ideia de que o partido é um trabalho nos moldes capitalistas, algo que é tratado como uma obrigação entre tantas outras da vida atual.

Sabemos que nossa organização não é uma empresa, não produzimos mercadorias e não geramos valor para o capital. Mas o trabalho é, conforme aponta Marx em A Ideologia alemã, a transformação da natureza para atender as necessidades dos humanos, que acaba criando novas necessidades e novos meios de uso da natureza para sua satisfação. Dessa forma, precisamos compreender profundamente a relação que estabelecemos com o trabalho dentro de nossa organização.

Um dos problemas mais complexos de nossa atual situação é a centralização das tarefas em poucos camaradas, o que causa problemas como a quebra dos militantes e a concentração de informações. As causas são nossas práticas artesanais em praticamente todas as áreas, que se somam a inorganicidade e falta de disciplina. Muitos camaradas não respondem corretamente os formulários, deixam de justificar suas ausências em tarefas e de responder seus dirigentes. São diversos os motivos, desde a rotina, até a falta de compromisso e de convencimento que os militantes possam ter com nossa linha política.

A formação pode ser evocada como possibilidade de solucionar alguns desses problemas, mas é incapaz de mudar a rotina de trabalho e estudo, por exemplo. Compreendo a facilidade com que esse tema pode acabar se voltando para uma crítica moral aos indivíduos por sua “falta de comprometimento”, mas não é esse o objetivo desta tribuna. Pretendo propor que o debate sobre organicidade, disciplina e profissionalização passe pelas condições e estruturas organizativas, formas de comunicação e logística, que são incapazes de solucionar os problemas levantados acima, e debatidos entre nós há anos.

Ponto importante para a geração da indisciplina e da inorganicidade é a sobrecarga militante. Com a sobrecarga temos camaradas cumprindo um número muito grande de tarefas, o que os leva ao cansaço excessivo, que a médio e longo prazo leva o militante ao afastamento. Também faz com que o trabalho executado por esses militantes tenha menor qualidade do que eles teriam capacidade de realizar caso tivessem um número menor, se especializando.

É comum, ainda, que camaradas acumulem tarefas e secretarias em instâncias diferentes, bem como em outros coletivos e no partido. Somos uma escola de quadros de um Partido Comunista, não podemos tratar nossos quadros como a escola burguesa trata seus melhores alunos, inflando suas imagens e dando ainda mais responsabilidade e tarefas. Devemos formar nossos quadros como camaradas que se destacaram por seu trabalho, logo, demonstraram potencial para se especializarem naquele tipo de trabalho, não como alguém que demonstrou potencial para acumular funções cada vez maiores.

Estarmos inseridos em um país neoliberal, com todas suas consequências, não justifica a manutenção do pensamento meritocrático em nossas fileiras. Não somos uma empresa, então o trabalho realizado aqui não deve ser tratado como se aquele trabalhador que se destacou possa “produzir” mais, como se pudéssemos usufruir mais de sua força de trabalho por isso.

Corremos um risco enorme mantendo essa postura, o risco de alienar cada vez mais o trabalho. Quanto mais estudamos a ciência do marxismo, melhor compreendemos as características e os desdobramentos da alienação do trabalho na sociedade capitalista. Nosso objetivo é combater a alienação do trabalho e criar uma nova sociedade sem exploração da força de trabalho.

Em nossas fileiras, a alienação leva aos mesmos resultados que no emprego capitalista em geral: a falta de comprometimento, não identificação com o trabalho, descaso com as tarefas, em suma, passamos a ter militantes cuja relação com o partido é a mesma que têm com seus empregos. Essa infeliz realidade ficou ainda mais acentuada pelos desvios tarefistas de nossos dirigentes máximos, que foram reproduzidos em toda a militância, resultando em uma sobrevalorização das tarefas – quase um conceito abstrato – sobre os saldos políticos no sentido da revolução socialista e da profissionalização de nossa organização.

Reafirmamos constantemente que o comprometimento militante exige o convencimento político, que só pode ser atingido pela formação e pelo trabalho. Não obstante, é possível se manter convencido politicamente quando não se compreende os objetivos das tarefas? Ou quando é muito difícil ter informações mais detalhadas para o cumprimento da tarefa? Ou mesmo quando as tarefas vão contra nossas resoluções?

Desse modo, nossa política de formação tem relevância para o estabelecimento das bases marxistas, em conjunto com nossas análises de conjuntura e objetivos. Quanto melhor formados, maior a capacidade de compreensão que nossos militantes terão acerca de nossa base teórica, e dos objetivos de cada tarefa.

Em conjunto com a formação, a estrutura organizativa tem seu papel em todo o processo. Para que nossos militantes tenham condições de efetuar suas tarefas com a devida eficiência, precisamos estabelecer padrões, facilitar a comunicação e evitar a sobrecarga. A UJC tem empreendido tentativas nesse sentido, como a adoção de objetivos, metas e indicadores para medir o andamento de suas atividades.

Muitas vezes, um dos fatores que dificulta a execução das tarefas é a comunicação, seja entre membros de mesma instância, seja entre instâncias. São dois os motivos para esse problema, em primeiro lugar está a indisponibilidade daquele outro militante ou dirigente, algo muito comum em tarefas grandes como o CONUNE, e é resultado do acúmulo de funções; em segundo lugar está a infraestrutura de comunicação, de ligações e trocas de mensagens, que são muitas vezes atrapalhadas pelo funcionamento ruim do Signal, ou mesmo pela falta de crédito no telefone de alguns camaradas.

Sendo a comunicação algo crucial para tarefas da dimensão do CONUNE, tratemos as condições de troca de informações algo tão fundamental quanto a presença física dos militantes. Já contamos com ajuda financeira com o deslocamento, seria interessante pensar também em soluções para a questão da comunicação, desde o auxílio financeiro, até ao uso de softwares e apoio à facilidade de comunicação, inclusive pela flexibilização do contato com os camaradas.

Retomando o caráter formativo, o trabalho político é o caráter prático da formação militante. Por mais leituras que os camaradas tenham, somente a prática será capaz de expor as competências e contradições, os desvios a serem corrigidos e a firmeza ideológica. Caso haja excesso de trabalho sem prática, pode haver o surgimento do obreirismo, da prática sem fundamentação marxista; caso haja só a leitura, sem prática, teremos um intelectual sem a devida conexão com a realidade material.

Pretendo levantar o problema da identificação com o trabalho político e o comunismo em geral. É evidente que todos nós nos identificamos com o comunismo, o marxismo-leninismo e nossa organização, caso contrário não seríamos militantes do PCB. Contudo, precisamos ter cautela com o papel que a identificação tem em nossa relação individual com o partido e o comunismo, para evitar que a “identidade” comunista se sobreponha à militância e à disciplina.

Criticamos frequentemente outros partidos por suas posturas voltadas à valorização do simbolismo, dos rituais, da estética de esquerda, portanto, precisamos combatê-las internamente, consertando os desvios individualistas encontrados entre nossas fileiras. É claro que a relação individual com a militância e com o partido se dá de maneiras diversas, conforme as referências e até a personalidade dos militantes, sendo completamente normal e válido que os camaradas tenham níveis diferentes de exposição, utilização da estética comunista, e afins.

Entretanto, é preciso ter cuidado com o desequilíbrio entre o querer parecer comunista, e o ser comunista. Precisamos pensar as redes sociais como possível ferramenta de agitação e propaganda, mas não como espaço de exposição de uma “estética comunista” sem objetivos políticos. Isso pode expor os camaradas e ser danoso à segurança individual, além de não ser uma métrica real do comprometimento com as tarefas e o trabalho.

Parte fundamental de nossa reconstrução revolucionária é a profissionalização da militância, o abandono de métodos artesanais e práticas obsoletas. Se pensamos o partido leninista como a vanguarda da classe trabalhadora, os quadros mais avançados, precisamos construir um partido sólido do ponto de vista organizativo, baseado em métodos, não em uma cultura política de sobrecarga militante.

A vanguarda leninista precisa de uma ferramenta que a permita colocar todo seu potencial a serviço da classe. Deve ter meios de fluxo de informação sistematizados nacionalmente, para que os militantes de Salvador saibam o que acontece em Rio Grande, para que o jornal chegue até o Acre ainda no mês de sua edição, e que a mesma linha política seja aplicada, formulada e debatida de norte a sul.

O jornal é fundamental para essa profissionalização, mas um jornal nos moldes leninistas, como a experiência do Futuro de São Paulo demonstrou. Além do jornal, as tribunas são fundamentais para o debate sobre nossas propostas e contradições, construindo as bases do partido, e demonstrando para a classe trabalhadora nosso compromisso.

Por fim, reafirmo a necessidade de construirmos coletivamente as condições para que todos os militantes consigam cumprir as tarefas com a devida qualidade, sem sobrecarga, e sem exposição desnecessária. Pensar a organicidade, disciplina e o próprio comprometimento, não podem ser tratadas como questões morais, somente individuais, mas como algo que o partido precisa atuar sobre, construindo maneiras de incentivar a organicidade, explicar a importância da disciplina, e deixar claro o papel formativo da prática política.

Saudações camaradas.