'O “Partido Testemunho” e a nossa tática eleitoral' (Jones Manoel)
[...] creio que o real desafio é construir um Partido Revolucionário de quadros com inserção orgânica na classe trabalhadora que seja o mais firme, decidido e sério organizador das lutas cotidianas, imprimindo nessas lutas um horizonte estratégico de Revolução Brasileira.
Por Jones Manoel para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Inicio essa tribuna lembrando de um episódio. Era começo de 2017. Estava no Rio de Janeiro, no curso nacional de Formação de Quadros da UJC. Naquela época, tinha como certo que a base do PCB do Rio de Janeiro era uma das maiores do Brasil. Durante o curso, na aula do camarada da Direção Nacional do PCB, cometi o “erro” de questionar a atuação do Partido no Rio frente ao desmonte da Petrobras. Na minha visão, frente à ofensiva praticada pelo Governo Michel Temer para desmontar a empresa e fazer dela a “vaca leiteira” do capital, o partido poderia e deveria fazer muito mais. A resposta, é claro, foi uma fala sobre a participação histórica do PCB na campanha… O petróleo é nosso, 50 anos atrás.
Abro essa tribuna contando esse episódio para dizer que faz muito tempo que uma das coisas que mais me incomoda desde o início da minha militância, é a incapacidade do movimento comunista no Brasil de oferecer respostas práticas e imediatas para as lutas e desafios da classe trabalhadora em cada conjuntura. Somos muito “bons” em apontar os limites do capitalismo, as ilusões dos reformistas e ter alguma incidência no debate acadêmico do marxismo. Mas, na luta por pão, paz e terra, no dia a dia do nosso povo, temos pouco ou nada a dizer e fazer (com a exceção parcial do movimento estudantil).
Essa realidade é engraçada. Afinal, em formações e palestras, todo comunista vai dizer que a classe não se move por “abstrações” e que precisamos estar inseridos no cotidiano do nosso povo, compondo suas lutas, organizando, dando radicalidade e fazendo do marxismo a alma viva da atuação da nossa classe. Ao mesmo tempo em que falamos isso, contudo, não existe nenhum esforço coletivo coordenado e planejamento para tocar nesse cotidiano.
Comecei a escrever essa tribuna na segunda-feira, depois de voltar de Foz do Iguaçu. Nos últimos dias, tive que ler quase 200 páginas para produzir uma análise sobre a “Nova Indústria Brasil”, política lançada pelo Governo Lula. Antes disso, estava lendo as quase 100 páginas do relatório do Ministério da Cidadania e Direitos Humanos sobre 2023 (para ver se tinha algo sobre privatização de presídios e o que era dito sobre a questão carcerária). Antes disso, estava lendo sobre a “reforma tributária” do Governo Lula (o projeto de lei e análises) e em paralelo a devorar essas 262 páginas, estava lendo contratos das Parcerias Público-Privadas do Governo Lula. Em suma, em janeiro, só em janeiro, tive que ler quase 500 páginas para produzir análises, debates, material, crítica, sobre políticas do Governo Lula.
Embora não seja dito abertamente, para muitos camaradas, o debate que venho fazendo sobre política econômica é “reformista”. Afinal, não é revolucionário combater a política fiscal e monetária do Governo burguês do momento. Revolucionário mesmo é ficar soltando jargão sobre “conciliação de classe” e ignorar todos os confrontos da conjuntura. Já falei e reclamei várias vezes no Grupo Provisório da Direção Nacional do RR (e para CPN) que preciso de ajuda e mais camaradas voltados para acompanhar as medidas do Governo Lula e dos Governos estaduais, buscando fazer a crítica, mobilizar, debater, informar a nossa classe sobre o que acontece. Nada andou.
Esse desleixo com a conjuntura, os combates táticos do momento, acompanhar as iniciativas políticas das diversas frações da burguesia e as respostas (espontâneas e organizadas) do povo trabalhador, é claro, se reflete também no processo eleitoral. A CPN, corretamente, solicitou tribunas para fundamentar o debate sobre tática eleitoral. No domingo, dia 28, enquanto encarava 11 horas de viagem voltando para Recife, tive oportunidade de ler três tribunas falando sobre política eleitoral, a saber: 'Sobre a participação do PCB-RR no processo eleitoral 2024', de Gerardo Santiago e Gabriel Lima; 'Que tipo de Partido queremos construir?', de Ivan Pinheiro; Questão eleitoral: quem quer os fins deve também querer os meios', de Leonardo Vinhó.
Vou debater separadamente aspectos desses textos, mas, antes disso, um balanço geral: nenhum deles toca nas questões centrais na conjuntura para essa eleição. Nenhum deles se propõe a refletir o que está em disputa, como nossa classe (em suas diversas frações e particularidades regionais), se relaciona com a eleição municipal, quais são as prioridades das forças burguesas, que tipo de combates podemos potencializar a partir das diversas formas de participação na eleição de 2024. Em suma, as “questões concretas”, o cotidiano da nossa classe, suas demandas imediatas, simplesmente não aparecem nesses escritos.
Só o escrito de Gerardo Santiago e Gabriel Lima tenta tocar de leve a especificidade do que é a eleição municipal em 2024, quando falam de “realidade local” (esse escrito, inclusive, é o melhor dentre os três). O escrito de Ivan Pinheiro e Leonardo Vinhó simplesmente passa ao largo disso. A simples pergunta, a pergunta básica para um comunista, de qual será o impacto sobre a classe trabalhadora da nossa tática eleitoral para a eleição municipal de 2024, não aparece nos textos. Feito essa consideração geral, vamos analisar trechos dos textos.
Os camaradas Gerardo Santiago e Gabriel começam seu texto apontando a função geral da participação dos comunistas nas eleições burguesas. Dizem o seguinte,
"Para ele, a participação nos processos eleitorais e nos parlamentos burgueses é para fazer agitação e propaganda revolucionárias, mostrando ao povo que esse sistema não funciona a seu favor, mas contra ele. É uma atividade pedagógica para demonstrar, na prática, a natureza de classe do Estado capitalista e suas instituições ditas “democráticas”."
Depois dessa caracterização geral que serve para qualquer país capitalista em qualquer tempo histórico, faltou entrar na particularidade da conjuntura. Ou seja, dentre essas tarefas gerais para todas as épocas, temos demandas específicas da luta de classes em 2024 e que perpassam a eleição de 2024? Por exemplo, em 2024, graças à iniciativa do Governo Lula, teremos o maior recorde da história brasileira de Parcerias Público-Privadas (PPPs), com 329 PPPs já contratadas. São centenas de PPPs em saúde, educação, cultura, lazer, segurança e meio ambiente. Em Recife, minha cidade, temos em andamento a privatização da saúde com a entrega para o “mercado” de mais de 40 Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Esse pacote de PPPs significa uma contrarreforma administrativa em âmbito municipal e estadual, antes de aprovar no Congresso a contrarreforma administrativa liderada por Arthur Lira. Quem não estava em coma nos últimos anos, sabe que no âmbito do sindicalismo brasileiro, professores/as e trabalhadores/as da saúde, em especial na enfermagem, protagonizam as maiores e mais combativas mobilizações. O pacote de PPPs significa ir tirando de cena trabalhadores/as com concurso público, emprego estável e maior liberdade sindical, por celetistas, contratos temporários e PJ. Será que precisamos pensar o papel da eleição municipal na luta para barrar essas PPPs e proteger essa importante reserva de força do sindicalismo brasileiro?
Embora os camaradas Gerardo Santiago e Gabriel se proponham a pensar a “realidade local”, nada, absolutamente nada, é dito sobre as lutas locais e os desafios que estão colocados. Por exemplo, ando bastante preocupado com a tendência nacional de militarização das guardas municipais e o que isso significa em termos de repressão ao nosso povo trabalhador e aos sindicatos, movimentos sociais e afins. Nada é dito também, infelizmente, sobre as recentes mobilizações da enfermagem pelo piso da categoria e como mais de 2 milhões de assalariados/as (a maioria mulheres) vão ter como central para seu voto, simpatia e ação política o compromisso ou não com o pagamento do piso.
Desculpem, camaradas, mas acho muito estranho um debate eleitoral sobre tática que começa e termina debatendo formalmente como vamos atuar no processo eleitoral e simplesmente não considera os combates táticos. Contudo, o escrito de Santigo e Gabriel não é o mais problemático. O mais preocupante é o escrito do camarada Ivan Pinheiro. E nesse preciso me deter com mais atenção.
Ivan Pinheiro, que em momento nenhum considera a “realidade local” de uma eleição municipal, começa o escrito dizendo “dentro do que o senso comum chama de “campo de esquerda”, digamos ampliado, certamente será consenso entre nós a exclusão liminar do PT, PCdoB, PSB e PDT". Sim, camarada, deve ser consenso para quem acha que a luta de classes acontece apenas nas regiões metropolitanas das capitais. Ora, em cidades pequenas e médias, a realidade não é a mesma que nas capitais. Estamos em cidades onde não existe PSOL, UP e PSTU. Dando um exemplo concreto. Em Petrolina, cidade do sertão pernambuco, dominada pela Oligarquia Familiar dos Coelhos desde o tempo do Brasil Império, temos o vereador Gilmar Santos. Vereador pelo PT. Um dos poucos a expressar alguma oposição aos Coelhos e compromisso com lutas populares. Mas, veja bem, em Petrolina de jeito nenhum, poderíamos pensar em apoiar o Gilmar, já que ele está em um partido burguês.
Nessa lógica, abrimos mão de uma das possibilidades de fazer política eleitoral em quase 4 mil cidades brasileiras. Dei o exemplo de apoio eleitoral, mesmo Ivan Pinheiro debatendo filiação democrática. O meu problema central é perceber que a reflexão de Ivan desconsidera a realidade afastada do litoral brasileiro e das pequenas cidades. Não sei se em caso concreto X ou Y, defenderia filiação democrática ou apoiaria candidaturas dos partidos citados. O que sei é que desconsiderar essa realidade deixa tudo mais fácil em nome de uma suposta coerência - “coerência” que é escapismo da realidade e de formar uma política leninista em condições mais complexas.
Depois disso, o camarada Ivan lembra que as eleições são municipais (sem debater sua especificidade), quando fala da dificuldade de ter uma aliança eleitoral tática com o PSTU, dado nossas divergências no âmbito internacional. O que é curioso, afinal, temos alianças táticas com o PSTU em várias iniciativas e até ensaiamos a construção de um espaço de oposição de esquerda ao Governo Lula com o PSTU e a CST, que tem posições internacionais bem diferentes que a nossa. Então, podemos ter unidade com o PSTU nas lutas, mas não na eleição. Por quê? A eleição é especial? Em que sentido? A coisa fica ainda mais estranha quando o camarada Ivan fala da UP.
Ivan fala apenas do sectarismo da UP. Só isso. O PCR/UP ser parte da CUT no movimento sindical, não é um problema. As vastas relações de composição do PCR/UP com o campo democrático-popular não são um problema. O fato do PCR/UP estar em silêncio ou falar pouco sobre várias atrocidades do Governo Lula - como a privatização de presídios e a meta de déficit zero (basta conferir no site A Verdade) - também não é um problema. Ivan Pinheiro sabe de todos esses aspectos. Eles já foram debatidos no âmbito da Direção Provisória e já tive oportunidade de questionar ele diretamente sobre isso. Mas Ivan, não sei o motivo, decidiu ignorar isso. E note: eu não acho que esses aspectos citados impedem ações em conjunto com o PCR/UP. Ao contrário. Acho que precisamos de bem mais unidade de ação com eles. Cito-os apenas para mostrar que a proximidade com o petismo não foi considerado nesse caso, mas o foi no do PSOL (e sim, até onde me consta, a UP não se declara publicamente oposição à esquerda ao Governo Lula).
Mas chegamos na parte mais estranha do escrito do camarada Ivan. A parte sobre o PSOL. Ivan começa a colocar como problemático o PSOL ter “apoiado Lula no primeiro turno [em 2022]” e “fazer parte da sua base aliada e do seu ministério”. Em seguida, diz que o PSOL (todo o partido, bem entendido), ficou com uma “enorme dívida política com Lula, pelo empenho pessoal deste, contra a imensa maioria do PT, de bancar a candidatura de Boulos à Prefeitura de São Paulo”. A eleição de Boulos, para o camarada Ivan, “fará do PSOL um refém mais submisso ao governo Lula durante toda esta campanha e mais ainda depois dela, no caso de a eleição de Boulos se confirmar, como indicam todas as pesquisas. A chapa Boulos-Marta em São Paulo, abençoada por Lula, dará o tom e condicionará a campanha do PSOL em todas as cidades brasileiras”. Em seguida, diz que o PSOL será pressionado a retirar as candidaturas no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, para apoiar o candidato abençoado pelo PT.
O camarada, sobre o PSOL, conclui assim sua caracterização,
“Esta tendência de que as campanhas do PSOL sejam de sustentação acrítica do governo Lula-Alckmin e no campo da “frente democrática ampla”, seria contraditória e constrangedora para nós, caso decidamos pedir a filiação emprestada de camaradas nossos a esse partido e este aceite, obviamente cobrando contrapartidas de apoios, desde o primeiro turno”.
Agora vamos debater um pouco sobre as reflexões do camarada Ivan. Enquanto o camarada escreveu essa tribuna, Porto Alegre estava afundada no caos. Pontos de alagamento, casas inundadas, falta de luz generalizada. Nós, militantes comunistas do RR, não conseguimos fazer nada. Não organizamos luta, não fizemos panfletagem pela reestatização da CEEE Equatorial, não organizamos uma cobertura jornalística do caos na cidade. Enquanto isso, Matheus Gomes, deputado estadual, dirigente do Resistência/PSOL e não oposição de esquerda ao governo Lula, teve um papel protagonista nas lutas de rua, ajudar os protestos espontâneos da nossa classe (mais de 120 ações aconteceram em Porto Alegre), agitar pela reestatização da CEEE Equatorial, lutar pela CPI da empresa, enfrentar os governos neoliberais de Sebastião Melo e Eduardo Leite.
Matheus Gomes não é oposição ao Governo Lula, mas é uma liderança popular importante que tem protagonismo em Porto Alegre em lutas fundamentais. É do bloco majoritário do PSOL, mas não é uma figura que está na linha política de frente ampla com rebaixamento total do problema. O que isso diz para nossa política eleitoral? Aliás, o PSOL do Rio Grande do Sul é liderado pelo MES, oposição interna no PSOL e a aliança Boulos e Marta Suplicy não vai mudar nada na política do MES. Mas Ivan, infelizmente, não sabe disso. Ivan trata o PSOL como um bloco homogêneo, não conhece suas correntes, disputas e particularidades locais. É do Rio Grande do Sul a deputada Fernanda Melchionna, também do MES.
Fernanda foi a deputada que em 2023 mais deu combate ao Novo Teto de Gastos e defendeu os mínimos constitucionais da saúde e educação. Enfrentou diretamente o Ministro Fernando Haddad. Tem papel de destaque nas disputas internas da bancada do PSOL para o partido não dizer amém para a política econômica do Governo Lula. O que isso significa para nossa política? É importante ter boas relações e construir unidade de luta (inclusive eleitoral) com uma parlamentar (e sua organização) crítica da austeridade e do Novo Teto de Gastos?
Por falar em deputado federal, Glauber Braga, o melhor parlamentar do Brasil, é a figura política de maior destaque nacional na defesa das empresas públicas e na luta pela reestatização da Eletrobras. Pergunte aos trabalhadores organizados da Eletrobras, Correios, Casa da Moeda, Caixa Econômica e afins o que acham do deputado Glauber. Glauber, na sua agitação pública, fez infinitamente mais que todos os comunistas do Brasil pela reestatização da Eletrobras, confrontando diretamente o interesse dos bilionários e poderosos Lemann, Telles e Sicupira.
Até onde me consta, o camarada Daniel Cara ainda é militante do PSOL. E Daniel Cara é figura central na luta pela revogação do “Novo” ensino médio, no combate às políticas neoliberais e de fundações empresariais que emanam do MEC - assim como na denúncia das manobras do Ministro Camilo Santana para manter o “Novo” ensino médio. Sem Daniel Cara, só acompanhando a luta pela agitação do RR, eu e todo mundo não saberíamos muitos aspectos reacionários da política educacional do Governo Lula.
Já David Deccache, economista e assessor da bancada do PSOL, é hoje o principal crítico (na economia) da política do Governo Lula. David não é oposição à esquerda ao Governo Lula. Repete diretamente que gostaria que o Governo “desse certo”. E é graças a David que temos acúmulo crítico qualificado sobre o Novo Teto de Gastos, pacotes de PPPs, meta de déficit zero, ataque aos mínimos constitucionais da saúde e da educação. Foi David Deccache que me informou do decreto 11.498 de abril de 2023, viabilizando a privatização de presídios. David, sozinho, fez mais do que todos os comunistas no Brasil para termos acúmulo crítico para enfrentar a política de austeridade em curso.
Ivan diz que Tarcísio Motta, terceiro colocado nas pesquisas eleitorais, pode abandonar a sua candidatura por pressão do PT. Desconheço isso. E acho que Ivan desconhece o Campo Semente do PSOL. E Tarcísio não só é um firme crítico da política econômica do Governo, como já denunciou publicamente brutalidades que nós, os comunistas, não estamos fazendo agitação: como a PPP das florestas. Tarcísio é um crítico do Novo Teto de Gastos, do pacote de PPPs, da privatização de presídios, do Novo Ensino Médio, da rendição ao agronegócio etc.
Antes do racha, trabalhávamos com uma mentira confortável: toda militância do PSOL é socialista e revolucionária ou próxima disso. Agora vamos colocar uma nova simplificação mentirosa no lugar: são todos lulistas, pelegos e rendidos. Em ambos os casos, temos uma mentira simplificadora para não formular uma política séria e qualificada. E sim, antes que alguém venha com caricaturas: é óbvio o giro lulista e à direita do PSOL. Mas a caracterização geral não é o fim da conversa. A partir dessa caracterização precisamos fazer a dura crítica e combate da estratégia e ao mesmo tempo construir pontes de luta, unidade e tensionamento à esquerda.
Camaradas, pelo amor de deus, praticamente ninguém hoje é oposição à esquerda ao Governo Lula. O cenário político-eleitoral está polarizado entre o fascismo e o neoliberalismo progressista. Construir um outro campo político exige potencializar lutas, mobilizações, denúncias, ações concretas. Aproveitar brechas, tensionamentos, certos compromissos de vida. O MST, o MTST, a CPT, a quase totalidade dos sindicatos, coletivos, organizações e afins não são oposição à esquerda ao Governo Lula. E deve continuar assim em 2024. O que vamos fazer para mudar isso? Não vamos disputar as bases e arcos de influência dessas organizações para nossa linha política?
O camarada Ivan diz que lançar candidaturas por filiação democrática no PSOL seria atitude “contraditória e constrangedora para nós”. O camarada não acha constrangedor não estarmos trabalhando em cima da insatisfação dos 2 milhões de funcionários públicos federais (ativos e inativos) sem aumento por causa do Novo Teto de Gastos. Ou dos mais de 2 milhões de trabalhadoras/es da enfermagem putos da vida por causa dos ataques do STF ao piso da enfermagem, ou ainda com a insatisfação dos povos indígenas com a morosidade e letargia do Governo Lula.
Mas alguém pode falar: “Jones, isso não é tema eleitoral”. Não, camaradas. É sim! Se conseguirmos lançar uma candidatura para vereança que aglutine apoio massivo na enfermagem, deixaríamos isso de lado para “não se constranger” fazendo filiação democrática ao PSOL? O que é mais importante, construir base em categorias mobilizadas e organizadas ou passar atestado de os “mais puros” da oposição de esquerda ao Governo Lula? Para quem não considera as lutas táticas de agora, fica mais fácil se contentar só com a caracterização geral.
Não tenho dúvidas de que devemos sim ser oposição de esquerda ao Governo Lula e lutar para construir um campo político com independência de classe (inclusive, nem precisaria falar isso. Basta olhar minha atuação política em 2023). Mas não vamos conseguir isso exigindo atestado de concordância total conosco já! É impressionante como em um debate sobre eleição municipal, ninguém faz a simples pergunta: como as bases na qual temos contato estão repercutindo a política eleitoral? Movimentos feministas, negros, coletivos de cultura, associação de moradores, organizações de trabalhadores informais e afins, todos já estão em debate sobre a eleição.
A ideia é ficar de fora do processo e dizer que nossa prioridade é construir o “poder popular”. Mas para construir o poder popular, precisamos de trabalho de massas revolucionário no seio do povo trabalhador, organizar as lutas do dia a dia, ser os mais combativos e sérios nos enfrentamentos aos dramas imediatos. E hoje, dado o nível de consciência e organização da classe, isso também passa por muita atenção à disputa eleitoral.
Os camaradas Gerardo Santiago e Gabriel Lima, novamente chegando próximo de tocar a realidade, dizem o seguinte,
"Quinto, nos locais em que não estiver colocada a possibilidade de filiações democráticas nem existir nenhuma candidatura que possamos apoiar, deverá ser feita a agitação e propaganda de um programa, mesmo sem pedir voto para ninguém e esclarecendo que a ausência de candidaturas realmente favoráveis aos trabalhadores e ao povo é uma prova da natureza de classe do processo eleitoral."
Louvo a tentativa, mesmo muito abstrata, de pensar alguma ação concreta para o maior centralizador das atenções no segundo semestre de 2024: as eleições. Mas faltam detalhes e concretude para saber se isso pode sair do papel.
Por fim, antes de caminhar para a conclusão, gostaria de voltar ao escrito do camarada Ivan. Em tons alarmistas, para Ivan, fazer filiação democrática no PSOL é “abrirmos mão de nossa independência política, estaremos jogando na lata de lixo da história do movimento comunista brasileiro mais uma possibilidade de construção de um verdadeiro Partido Comunista, marxista-leninista de fato, que efetivamente mereça se declarar revolucionário”. Então fazer filiação democrática no PSOL é abrir “mão da nossa independência política”. Mas no movimento estudantil, de norte a sul do Brasil, podemos fazer aliança com organizações do PSOL. É compreensível. O fato de não estarmos construindo a inserção nas lutas (poucas) postas em curso pela nossa classe também não desmerece a nossa intenção de construção de um “verdadeiro Partido Comunista”. Não conseguir fazer nada no meio do caos em Porto Alegre é um mero problema organizativo que em breve vai ser resolvido, não diz nada sobre a construção do nosso marxismo-leninismo. Fazer filiação democrática no PSOL, esse sim, é um grande perigo!
E o camarada Leonardo Vinhó disse que o escrito de Ivan Pinheiro foi “suficiente para enterrar esta ideia inviável” [a filiação democrática]. Sim, camarada Vinhó, foi suficiente para quem pretende construir um Partido Testemunho. Aqui entro na conclusão.
Um dos motivos do racha com o PCB foi a incapacidade do partido ser um agente concreto de organização da classe trabalhadora. Cansei de ver as análises de conjuntura de Edmilson Costa que terminavam com a ideia de que a situação está insustentável, as massas em breve vão se revoltar e quando isso acontecer o partido deve estar organizado (sem as massas!!!) para liderar o processo. A ideia de alguns camaradas, mas em especial de Ivan, é construir uma organização comunista, muito comunista, que não se mistura com a “gentalha” reformista, faz propaganda contra o capitalismo e o imperialismo e espera o GRANDE DIA.
Já eu creio que o real desafio é construir um Partido Revolucionário de quadros com inserção orgânica na classe trabalhadora que seja o mais firme, decidido e sério organizador das lutas cotidianas, imprimindo nessas lutas um horizonte estratégico de Revolução Brasileira. O Partido que a partir da luta por remédio no posto de saúde, creche, moradia, calçamento de uma rua, restaurante universitário na universidade, greves e lutas por melhores condições de trabalho, consegue formar quadros revolucionários e ser agente de uma hegemonia marxista-leninista.
Isso exige ciência dos desafios conjunturais, máxima rigidez estratégica e flexibilidade tática. Exige combater o reformismo e ao menos saber aproveitar oportunidades de potencializar as lutas em alianças táticas com os reformistas (disputando as bases das organizações reformistas!). Exige um certo “sectarismo” na defesa da Revolução Socialista e, ao mesmo tempo, capacidade de dialogar, forjar unidade e travar lutas comuns com setores que não tem um programa revolucionário.
Exige debater concretamente o que está colocado na eleição municipal de 2024 como tarefa e qual saldo político, ideológico e organizativo podemos e devemos tirar. A partir disso, entender quais as mediações táticas necessárias para construir a política eleitoral. Mas se a prioridade é “não se misturar”, não parecer reformista, mostrar que não sentamos na mesa com “apoiadores de Lula”, fica tudo mais fácil.
Basta não lançar candidatos. Não apoiar ninguém. Agitar na internet para nós mesmos um documento eleitoral que não vai ter peso nenhum no segundo semestre de 2024 e no final dizer: somos muito marxistas-leninistas. Seria mais um Partido Testemunho esperando o grande dia. É para isso que caminhamos? E veja, eu não teria problema nenhum em votar em uma posição de não lançar candidato e não apoiar ninguém, desde que alguém me convença que esse é o melhor caminho para potencializar as lutas e desafios da conjuntura e que isso não faria nossa influência política (limitada) sumir no segundo semestre de 2024.
A ideia é só parecer coerente (???) frente a uma bolha de esquerda. O camarada Ivan, por exemplo, tem uma grande preocupação. Qual? Ele acha que fazer filiação democrática no PSOL é “dar essa notícia aos nossos adversários!". O camarada está preocupado com o que uma bolha de esquerda irrelevante - os nossos adversário! - vai pensar de uma possível filiação democrática no PSOL. Se esse instrumento é útil ou não para potencializar nossa inserção e influência em setores da classe, não é tema para reflexão do camarada.
O camarada Ivan, no seu escrito, me fez um injusto e imerecido elogio. Disse que sou “o quadro orgânico revolucionário mais influente em nosso país”. Se sou “influente”, é porque desde o tempo que tentava mudar internamente o PCB, recusei o papel de um protagonista da futura revolução que não fala dos desafios, dramas e problemas de hoje. Se tenho alguma qualidade, enquanto militante, comunicador e intelectual - se me permitem um autoelogio - é conseguir combinar mais ou menos bem a propaganda pela Revolução Brasileira, a defesa do marxismo-leninismo e a linha política comunista para as questões cotidiana e conjunturais (por isso que fico feito um imbecil lendo projeto de lei, contratos, editais, estudos e afins. Assim que acabar esse escrito, inclusive, vou estudar o projeto de bolsa para estudantes pobres terminarem o ensino médio. Para ter o que falar, tem que estudar).
Camarada Ivan, tenha certeza, se influência existe, é porque não atuo na dinâmica de um Partido Testemunho. Nunca fiz. Nunca farei. De resto, quero me desculpar. Falei muito que a política eleitoral precisa ter como premissa uma análise de conjuntura dos desafios atuais, conectado com a estratégia. Mas não fiz isso nesse escrito. Ficaria grande demais. Na próxima tribuna, buscarei fazer essa análise. E talvez numa terceira, entrar na positiva e dizer o que penso em detalhes sobre como deveria ser nossa política eleitoral para 2024. Antes disso, fui obrigado a dizer que estamos indo por um caminho errado.
Um abraço para toda camaradagem!