O Partido revolucionário deve conquistar o apoio da classe trabalhadora
Toda pequena divergência pode se tornar uma grande divergência se insistirmos nela, se for colocada em primeiro plano, se as pessoas começarem a procurar todas as raízes e ramos da divergência.
Nota do Editor: Por Vladimir Lênin, escrito entre fevereiro e maio de 1904 e publicado como livro no mesmo ano. Originalmente publicado como capitulo “i) O Parágrafo 1 dos estatutos”, da obra Um passo a frente, dois passos atrás.
No livro, Lênin faz um profundo balanço sobre o II Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), marcado pela luta contra o oportunismo e pela criação de um partido marxista revolucionário. No Congresso, deu-se a cisão entre os partidários da posição dos iskristas revolucionários leninistas e os iskristas oportunistas, liderados por Martóv. Os leninistas obtiveram a maioria dos votos durante as eleições dos organismos centrais do partido e passaram a ser denominados bolcheviques (da palavra russa bolchinstvó, que quer dizer maioria), enquanto os oportunistas, relegado ao papel de minoria, receberam a denominação de mencheviques (da palavra russa menchinstvó, que quer dizer minoria). O Congresso, portanto, foi um marco histórico fundamental na luta política do movimento revolucionário, e sacramentou a cisão ideológica entre mencheviques e bolcheviques no POSDR.
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Já citamos as diferentes formulações em torno das quais surgiram debates interessantes no congresso. Esses debates ocuparam quase duas sessões e terminaram com duas votações nominais (durante todo o congresso, houve, se não me engano, apenas oito votações nominais, às quais se recorreu apenas em casos muito importantes, devido à grande perda de tempo que elas envolviam). A questão em pauta era, sem dúvida, uma questão de princípio. O interesse do congresso nos debates foi enorme. Todos os delegados votaram – uma ocorrência rara em nosso congresso (como em qualquer grande congresso) e que também atesta o interesse demonstrado pelos participantes.
Qual era, então, a essência da questão em disputa? Eu já disse no congresso, e desde então tenho repetido várias vezes, que “não considero de forma alguma nossas divergências (sobre o § 1º) tão vitais a ponto de serem uma questão de vida ou morte ao partido. Certamente não morreremos por causa de uma cláusula infeliz nos estatutos!” (p. 250). Considerada por si só, essa divergência, embora revelasse nuances de princípio, jamais poderia ter provocado aquela divergência (na verdade, para falar sem hesitação, aquela cisão) que ocorreu após o congresso. Mas toda pequena divergência pode se tornar uma grande divergência se insistirmos nela, se for colocada em primeiro plano, se as pessoas começarem a procurar todas as raízes e ramos da divergência. Qualquer pequena divergência pode assumir uma enorme importância se servir como ponto de partida para uma guinada em direção a concepções equivocadas, e se essas concepções forem combinadas, em virtude de novas divergências adicionais, a atos anárquicos que guiem o partido à cisão.
E foi exatamente isso que aconteceu no presente caso. Uma divergência relativamente pequena em relação ao § 1º adquiriu agora uma importância tremenda, porque foi ela que deu início à guinada em direção ao aprofundamento oportunista e às fraseologias anárquicas da minoria (especialmente no congresso da Liga e, posteriormente, também nas colunas do novo Iskra). Foi isso que marcou o início da aliança da minoria iskrista com os anti-iskristas e com o pântano, que assumiu uma forma final e definitiva na época das eleições, e sem a compreensão da qual é impossível compreender a divergência essencial e fundamental sobre a composição dos centros. O pequeno erro de Mártov e Axelrod sobre o § 1º foi uma pequena rachadura em nosso vaso (como eu disse no congresso da Liga). O vaso poderia ser amarrado firmemente com um nó duplo (e não um nó corrediço, como foi mal interpretado por Mártov, que durante o congresso da Liga estava em um estado que beirava a histeria); ou todos os esforços poderiam ser direcionados para aumentar a rachadura e partir o vaso em dois. E foi isso que aconteceu, graças ao boicote e a semelhantes medidas anárquicas dos zelosos partidários de Mártov. A divergência em relação ao § 1º teve um papel muito importante na questão das eleições dos centros, e a derrota de Mártov nas eleições o levou a uma “luta por princípios” com o uso de métodos grosseiramente mecânicos e até mesmo escandalosos (como seus discursos no congresso da Liga da Social-Democracia Revolucionária Russa no Estrangeiro).
Agora, depois de todos esses acontecimentos, a questão do § 1º assumiu uma importância tremenda, e devemos compreender claramente tanto o caráter dos agrupamentos do congresso na votação desse parágrafo quanto – o que é ainda mais importante – o verdadeiro caráter das nuances de opinião que se revelaram ou começaram a se revelar sobre o § 1º. Agora, após os eventos com os quais o leitor está familiarizado, a questão é a seguinte: A formulação de Mártov, que foi apoiada por Axelrod, refletia sua (ou a deles) instabilidade, vacilação e indefinição política, como eu expressei no congresso do partido (p. 333), seu (ou o deles) desvio para o jauressismo1e o anarquismo, como Plekhánov sugeriu no congresso da Liga (atas da Liga, p. 102 e outros)? Ou será que minha formulação, que foi apoiada por Plekhánov, refletia uma concepção errada, burocrática, formalista, em estilo pompadur2e não social-democrata do centralismo? Oportunismo e anarquismo, ou burocracia e formalismo? É assim que a questão se apresenta agora, quando uma pequena divergência se tornou uma grande divergência. E ao discutir profundamente os prós e contras de minha formulação em seus méritos, devemos ter em mente exatamente essa apresentação da questão, que foi imposta a todos nós pelos acontecimentos ou, eu diria se não soasse muito pomposo, que foi desenvolvida pela história.
Vamos começar a analisar esses prós e contras com uma análise do debate no congresso. O primeiro discurso, o do camarada Egorov, é interessante apenas pelo fato de que sua atitude (non liquet, ainda não está claro para mim, ainda não sei qual é a verdade) foi muito característica da atitude de muitos delegados, que acharam difícil entender os prós e contras dessa questão realmente nova, bastante complexa e minuciosa. O discurso seguinte, do camarada Axelrod, transformou imediatamente a questão em uma questão de princípio. Esse foi o primeiro discurso que o camarada Axelrod fez no congresso sobre questões de princípio, pode-se até dizer que foi o primeiro discurso que ele fez, e não se pode afirmar que sua estreia com o célebre “professor” tenha sido particularmente feliz. “Acho”, disse o camarada Axelrod, “que devemos fazer uma distinção entre os conceitos de partido e organização. Esses dois conceitos estão se confundindo aqui. E a confusão é perigosa.” Esse foi o primeiro argumento contra minha formulação. Vamos analisá-lo mais atentamente. Quando eu digo que o partido deve ser a soma (e não a mera soma aritmética, mas um complexo) de organizações3, isso significa que eu “confundo” os conceitos de partido e organização? Claro que não. Dessa forma, expresso de forma clara e precisa meu desejo, minha exigência, de que o partido, como vanguarda da classe, seja o mais organizado possível, que o partido admita em suas fileiras apenas os elementos que permitam pelo menos o mínimo de organização. Meu oponente, ao contrário, agrupa no partido elementos organizados e desorganizados, aqueles que se dispõem a ser dirigidos e aqueles que não se dispõem, os avançados e os incorrigivelmente atrasados – pois os incorrigivelmente atrasados podem se juntar a uma organização. Essa confusão é de fato perigosa. O camarada Axelrod citou ainda as “organizações estritamente conspirativas e centralistas do passado” (Zemlia i Voliae NarodnaiaVolia4): em torno delas, disse ele, “agrupava-se um grande número de pessoas que não pertenciam à organização, mas que a ajudavam de uma forma ou de outra e que eram consideradas membros do partido... Esse princípio deve ser aplicado ainda mais rigorosamente na organização social-democrata”.
Aqui chegamos a um dos pontos chave da questão: será que “esse princípio” é realmente social-democrata – esse princípio que permite que pessoas que não pertencem a nenhuma das organizações do partido, mas apenas “o ajudam de uma forma ou de outra”, se autodenominem membros do partido? E Plekhánov deu a única resposta possível a essa pergunta quando disse: “Axelrod está equivocado ao citar os anos 1870. Naquela época, havia um centro bem organizado e esplendidamente disciplinado; em torno dele havia organizações de várias categorias, que foram criadas por ele; e o que restava fora dessas organizações era o caos, a anarquia. Os elementos que compunham esse caos se autodenominavam membros do partido, mas isso prejudicava a causa em vez de beneficiá-la. Não devemos imitar a anarquia dos anos 1870, mas evitá-la”. Assim, “esse princípio”, que o camarada Axelrod queria fazer passar como social-democrata, é na realidade um princípio anarquista. Para refutar isso, seria preciso mostrar que o controle, a direção e a disciplina são possíveis fora de uma organização, e que é necessário conferir o título de membros do partido a “elementos do caos”. Os defensores da formulação do camarada Mártov não mostraram, e não puderam mostrar, nenhuma dessas coisas. O camarada Axelrod deu como exemplo “um professor que se considera um social-democrata e se declara como tal”. Para completar o pensamento contido nesse exemplo, o camarada Axelrod deveria ter continuado dizendo se os próprios social-democratas organizados consideram esse professor um social-democrata. Ao deixar de levantar essa outra questão, o camarada Axelrod abandonou seu argumento no meio do caminho. Afinal de contas, de duas uma: Ou os social-democratas organizados consideram o professor em questão um social-democrata e, nesse caso, por que eles não deveriam incluí-lo em uma das organizações social-democratas? Pois somente se o professor for incluído dessa forma é que sua “declaração” responderá às suas ações, e não será uma conversa fiada (como as declarações dos professores frequentemente são). Ou os social-democratas organizados não consideram o professor um social-democrata e, nesse caso, seria absurdo, sem sentido e prejudicial permitir que ele tenha o direito de ostentar o honroso e responsável título de membro do partido. Portanto, a questão se reduz à duas alternativas: aplicação consistente do princípio da organização ou a consagração da desunião e da anarquia. Devemos construir o partido com base naquele núcleo já formado e unido de social-democratas que realizou o congresso do partido, por exemplo, e que deve ampliar e multiplicar as organizações do partido de todos os tipos; ou devemos nos contentar com a frase tranquilizadora de que todos os que ajudam são membros do partido? “Se adotarmos a formulação de Lênin”, continuou o camarada Axelrod, “estaremos jogando ao mar uma parte daqueles que, mesmo que não possam ser admitidos diretamente em uma organização, ainda assim são membros do partido”. A confusão de conceitos da qual o camarada Axelrod queria me acusar se destaca aqui claramente em sua própria fala: ele já considera como certo que todos os que ajudam são membros do partido, quando é disso que trata todo o argumento e nossos oponentes ainda precisam provar a necessidade e o valor dessa interpretação. Qual é o significado da frase “jogar ao mar”, que à primeira vista parece tão terrível? Mesmo que apenas os membros de organizações reconhecidas como organizações do partido sejam considerados membros do partido, as pessoas que não podem entrar “diretamente” em nenhuma organização do partido ainda podem militar em uma organização que não pertence ao partido, mas é associada a ele.
Consequentemente, não se pode falar em jogar alguém ao mar, no sentido de impedi-lo de trabalhar, de participar do movimento. Pelo contrário, quanto mais fortes forem as organizações do nosso partido, compostas por verdadeiros social-democratas, quanto menos oscilações e instabilidade houverem no interior do partido, mais ampla, mais variada, mais rica e mais frutífera será a influência do partido sobre os elementos das massas da classe trabalhadora que o cercam e são guiados por ele. O partido, como vanguarda da classe trabalhadora, não deve ser confundido, afinal de contas, com toda a classe. E o camarada Axelrod é culpado exatamente dessa confusão (que é característica do nosso “economicismo” oportunista em geral) quando diz: “Antes de mais nada, estamos, é claro, criando uma organização dos elementos mais ativos do partido, uma organização de revolucionários; mas como somos o partido de uma classe, devemos tomar cuidado para não deixar fora das fileiras do partido pessoas que conscientemente, embora talvez não muito ativamente, se associam a esse partido”. Em primeiro lugar, os elementos ativos do partido social-democrata da classe trabalhadora incluirão não apenas organizações de revolucionários, mas um grande número de organizações de trabalhadores reconhecidas como organizações do partido. Em segundo lugar, por que razão ou em virtude de que lógica se poderia deduzir do fato de sermos um partido de classe a consequência de não ser preciso estabelecer uma distinção entre os que pertencem ao partido e aqueles que se associam a ele? Muito pelo contrário: precisamente porque há diferenças no grau de consciência e no grau de atividade, é preciso fazer uma distinção no grau de proximidade com o partido. Somos o partido de uma classe e, portanto, quase toda a classe (e em tempos de guerra, em um período de guerra civil, toda a classe) deve agir sob a liderança de nosso partido, deve aderir ao nosso partido de forma mais estreita possível.
Mas seria manilovismo5 e “seguidismo” pensar que toda a classe, ou quase toda a classe, pode se elevar, sob o capitalismo, ao nível de consciência e atividade de sua vanguarda, de seu partido social-democrata. Nenhum social-democrata sensato jamais duvidou que, sob o capitalismo, até mesmo as organizações sindicais (que são mais simples e mais abrangentes para as camadas atrasadas) são incapazes de abarcar toda, ou quase toda, a classe trabalhadora. Esquecer a distinção entre a vanguarda e o conjunto das massas que gravitam em sua direção, esquecer o dever constante da vanguarda de elevar camadas cada vez mais amplas ao seu nível avançado, significa simplesmente enganar a si mesmo, fechar os olhos para a imensidão de nossas tarefas e restringir essas tarefas. E é exatamente esse fechar de olhos, é exatamente esse esquecimento, que oblitera a diferença entre aqueles que se associam e aqueles que pertencem, aqueles que são conscientes e ativos e aqueles que apenas ajudam.
Argumentar que somos o partido de uma classe para justificar a dispersão orgânica, para justificar a confusão entre organização e desorganização, é repetir o erro de Nadejdine, que confundiu “a questão histórica filosófica e social da 'profundidade' das 'raízes' do movimento com a questão técnica de organização” (O que fazer?, p. 91). Foi essa confusão, cujo feliz iniciador foi o camarada Axelrod, que foi repetida dezenas de vezes pelos oradores que defenderam a formulação do camarada Mártov, “Quanto mais difundido for o título de membro do partido, melhor”, disse Mártov, sem, no entanto, explicar o benefício de um título difundido que não correspondia aos fatos. Pode-se negar que o controle sobre os membros do partido que não pertencem a uma organização do partido é uma mera ficção? Uma ficção generalizada não é benéfica, mas prejudicial. “Só poderíamos nos alegrar se cada grevista, cada manifestante, respondendo por suas ações, pudesse se proclamar um membro do partido” (p. 239). Isso é verdade? Qualquer grevista deve ter o direito de se proclamar membro do partido? Com essa declaração, o camarada Mártov instantaneamente leva seu erro ao ponto do absurdo, ao rebaixar a social-democracia ao nível de mera greve, repetindo assim as desventuras dos Akímovs. Só poderíamos nos alegrar se os social-democratas conseguissem dirigir todas as greves, pois é seu dever claro e inquestionável dirigir todas as manifestações da luta de classes do proletariado, e as greves são uma das manifestações mais profundas e poderosas dessa luta. No entanto, estaríamos sendo seguidistas se identificássemos essa forma primária de luta, que ipso facto não passa de uma forma trade-unionista, com a luta social-democrata consciente e abrangente. Estaríamos legitimando de forma oportunista uma falsidade patente se permitíssemos a qualquer grevista o direito de “proclamar-se membro do partido”, pois na maioria dos casos essa “proclamação” seria falsa. Estaríamos nos entregando a um devaneio complacente se tentássemos assegurar a nós mesmos e aos outros que todo grevista pode ser um social-democrata e um membro do partido social-democrata, em face da infinita desunião, opressão e embrutecimento que, sob o capitalismo, está fadada a pesar sobre amplos setores dos trabalhadores “não instruídos” e não qualificados. Esse exemplo do “grevista” traz à tona, com especial clareza, a diferença entre o esforço revolucionário para dirigir cada greve de forma social-democrata e a fraseologia oportunista que proclama que todo grevista é membro do partido. Nós somos o partido de uma classe na medida em que, de fato, dirigimos quase toda, ou mesmo toda, a classe proletária de forma social-democrata; mas somente Akímovs podem concluir disso que devemos, em suma, identificar o partido e a classe.
“Não tenho medo de uma organização de conspiradores”, disse o camarada Mártov nesse mesmo discurso; mas, acrescentou, “para mim, uma organização de conspiradores só tem sentido quando é envolvida por um amplo partido social-democrata da classe trabalhadora” (p. 239). Para ser mais preciso, ele deveria ter dito: quando ela é envolvida por um amplo movimento social-democrata da classe trabalhadora. E, dessa forma, a proposição do camarada Mártov teria sido não apenas indiscutível, mas um simples truísmo. Detenho-me nesse ponto apenas porque oradores posteriores transformaram o truísmo do camarada Mártov no argumento muito comum e muito vulgar de que Lênin quer “limitar a soma total de membros do partido à soma total de conspiradores”. Essa conclusão, que só pode provocar risos, foi elaborada tanto pelo camarada Posadovski quanto pelo camarada Popov; e quando foi adotada por Martínov e Akímov, seu verdadeiro caráter oportunista se tornou totalmente evidente. Hoje, o camarada Axelrod está desenvolvendo esse mesmo argumento no novo Iskra, a fim de familiarizar o público leitor com os novos pontos de vista do novo conselho editorial sobre a organização. Já no congresso, na primeira sessão em que o § 1º foi discutido, percebi que nossos oponentes queriam se valer dessa arma barata e, por isso, alertei em meu discurso (p. 240) “Não se deve imaginar que as organizações do Partido devam consistir apenas de revolucionários profissionais. Precisamos das mais diversas organizações de todos os tipos, níveis e matizes, começando com organizações extremamente limitadas e secretas e terminando com organizações muito amplas, abertas e livres”. Essa é uma afirmação tão óbvia e evidente que não achei necessário me alongar sobre ela. Mas hoje, quando fomos arrastados para trás em tantos aspectos, é preciso “repetir velhas lições” sobre esse assunto também. Para isso, citarei algumas passagens de O Que Fazer? e Carta a Um Camarada.
“Um círculo de corifeus como Alexéiev e Michkine, Khalturine e Jeliabov, são acessíveis as tarefas políticas no sentido mais real, mais prático da palavra, justamente porque, e na medida em que, sua propaganda ardente encontra eco na massa que desperta espontaneamente, na medida em que sua ardente energia é secundada e apoiada pela energia da classe revolucionária.” Para ser um partido social-democrata, devemos conquistar o apoio precisamente da classe. Não significa que o partido deva envolver a organização conspiratória, como acredita o camarada Mártov, mas sim que a classe revolucionária, o proletariado, deve envolver o partido, que deve incluir tanto as organizações conspiratórias quanto as não conspiratórias.
“As organizações operárias para a luta econômica devem ser organizações sindicais. Todo operário social-democrata deve, na medida do possível, apoiar essas organizações e nelas trabalhar ativamente. De acordo. Mas é absolutamente contrário a nossos interesses exigir que só os sociais-democratas possam ser membros das associações “profissionais”: isso reduziria nossa influência sobre a massa. Que participe da associação profissional todo operário que compreenda a necessidade da unidade para a luta contra os patrões e o governo. O próprio objetivo das associações profissionais seria inatingível se não unisse todos aqueles a quem é acessível esse degrau, ainda que elementar, de compreensão, se essas associações profissionais não fossem organizações muito amplas. E quanto mais amplas forem essas organizações, tanto mais ampla será nossa influência sobre elas, influência exercida não somente pelo desenvolvimento “espontâneo” da luta econômica, mas também pela ação consciente e direta dos membros socialistas das associações sobre seus camaradas” (p. 86). A propósito, o exemplo dos sindicatos é particularmente significativo para uma avaliação da questão controversa do § 1º. Que esses sindicatos devem trabalhar “sob o controle e a direção” das organizações social-democratas, não há nenhuma dúvida entre os social-democratas. Mas, com base nisso, conferir a todos os membros de sindicatos o direito de “proclamarem-se” membros do Partido Social-Democrata seria um absurdo flagrante e constituiria um duplo perigo: por um lado, estreitar as dimensões do movimento sindical e, assim, enfraquecer a solidariedade dos trabalhadores; e, por outro, abrir as portas do partido social-democrata para a confusão e a vacilação. Os social-democratas alemães tiveram a oportunidade de resolver um problema semelhante em um caso prático, no célebre caso dos pedreiros de Hamburgo que trabalhavam à tarefa6. Os social-democratas não hesitaram nem por um momento em proclamar que os fura greves eram desonrosos aos olhos dos social-democratas, ou seja, em reconhecer que dirigir e apoiar greves era sua própria preocupação vital; mas, ao mesmo tempo, rejeitaram com a mesma determinação a exigência de identificar os interesses do partido com os interesses dos sindicatos, de tornar o partido responsável por atos individuais de sindicatos individuais. O Partido deve e se esforçará para imbuir os sindicatos com seu espírito e colocá-los sob sua influência; mas, precisamente para fazer isso, ele deve distinguir os elementos totalmente social-democratas nesses sindicatos (os elementos que pertencem ao partido social-democrata) daqueles que não são totalmente conscientes da classe e politicamente ativos, e não confundir os dois, como o camarada Axelrod quer que façamos.
“A centralização das funções mais clandestinas pela organização dos revolucionários não debilitará, antes reforçará, a amplitude e o conteúdo da atividade de uma grande quantidade de outras organizações destinadas ao grande público e, por consequência, o menos regulamentadas e o menos clandestinas possível: sindicatos operários, círculos operários autodidatas e de leitura de publicações ilegais, círculos socialistas, bem como círculos democráticos para todos os outros setores da população, e assim por diante. Esses círculos, sindicatos e organizações são necessários por toda a parte; é preciso que sejam o mais amplos em número e com as mais variadas funções, mas é absurdo e prejudicial confundir essas organizações com a organização dos revolucionários, apagar as fronteiras que existem entre elas” (p. 96). Essa passagem mostra como foi descabido o camarada Mártov me lembrar que a organização dos revolucionários deveria envolver amplas organizações de trabalhadores. Eu já havia apontado isso em O que fazer? e em Carta a um Camarada desenvolvi essa ideia de forma mais concreta. Os círculos de fábrica, escrevi lá, “são particularmente importantes para nós: a principal força do movimento está na organização dos trabalhadores nas grandes fábricas, pois as grandes empresas (e fábricas) contêm não apenas a parte predominante da classe trabalhadora, em termos de números, mas ainda mais em termos de influência, desenvolvimento e capacidade de luta. Cada fábrica deve ser nossa fortaleza.... O subcomitê de fábrica deve se esforçar para abranger toda a fábrica, o maior número possível de trabalhadores, com uma rede de todos os tipos de círculos (ou agentes)... Todos os grupos, círculos, subcomitês, etc., devem ter o status de instituições de comitê ou filiais de um comitê. Alguns deles declararão abertamente seu desejo de se filiar ao Partido Operário Social-Democrata Russo e, se aprovado pelo comitê, se vincularão ao partido e assumirão funções definidas (sob as instruções do comitê ou em acordo com ele), se comprometerão a obedecer às ordens dos órgãos do partido, receberão os mesmos direitos de todos os membros do partido e serão considerados candidatos imediatos a membros do comitê etc. Outros não se vincularão ao POSDR e terão o status de círculos formados por membros do partido, ou associados a um ou outro grupo do partido, etc.” (pp. 17-18) As palavras que sublinhei deixam particularmente claro que a ideia de minha formulação do § 1º já estava totalmente expressa em Carta a um Camarada. As condições para ingressar no partido estão diretamente apontadas ali, a saber: 1) um certo grau de organização e 2) a aprovação de um comitê do partido. Uma página depois, indico também, grosso modo, quais grupos e organizações devem (ou não) ser admitidos no partido e por quais motivos: “Os grupos de distribuição devem pertencer ao POSDR e conhecer um certo número de seus membros e funcionários. Os grupos que estudam as condições de trabalho e elaboram reivindicações sindicais não precisam necessariamente pertencer ao POSDR. Os grupos de estudantes, oficiais do exército ou de funcionários que se dedicam ao autodidatismo em conjunto com um ou dois membros do partido devem, em alguns casos, nem mesmo saber que pertencem ao partido etc.” (pp. 18-19).
Aqui temos o material adicional sobre a questão da “cabeça erguida”! Enquanto a fórmula do rascunho do camarada Mártov nem sequer toca nas relações entre o partido e as organizações, eu indiquei quase um ano antes do congresso que algumas organizações deveriam pertencer ao partido e outras não. Em Carta a Um Camarada, a ideia que defendi no congresso já estava claramente delineada. A questão pode ser colocada da seguinte maneira. Dependendo do grau de organização em geral e do sigilo da organização em particular, é possível distinguir as seguintes categorias: 1) organizações de revolucionários; 2) organizações de trabalhadores, tão amplas e variadas quanto possível (limito-me à classe trabalhadora, considerando evidente que, sob certas condições, alguns elementos de outras classes também serão incluídos aqui). Essas duas categorias constituem o partido. Além disso, 3) organizações de trabalhadores associadas ao partido; 4) organizações de trabalhadores não associadas ao partido, mas que estão sob seu controle e direção; 5) elementos não organizados da classe trabalhadora, que em parte também estão sob a direção do partido social-democrata, pelo menos durante as grandes manifestações da luta de classes. É assim, aproximadamente, que a questão se apresenta para mim. Na visão do camarada Mártov, ao contrário, a fronteira do partido permanece absolutamente vaga, pois “qualquer grevista” pode “proclamar-se membro do partido”. Qual é o benefício dessa liberdade? Um “título” generalizado. Seu prejuízo é que ele introduz uma ideia desorganizadora, a confusão entre classe e partido.
Para ilustrar as proposições gerais que apresentamos, vamos dar uma olhada rápida na discussão posterior do § 1º no congresso. O camarada Brouckère (para grande alegria do camarada Mártov) se pronunciou a favor de minha formulação, mas sua aliança comigo, ao contrário da aliança do camarada Akímov com Mártov, acabou se baseando em um mal-entendido. O camarada Brouckère “não concordava com os estatutos em sua totalidade, com todo o seu espírito” (p. 239), e defendeu minha formulação como a base da democracia que os partidários da Rabotchéie Dielo desejavam. O camarada Brouckère ainda não havia chegado à conclusão de que, em uma luta política, às vezes é necessário escolher o mal menor; o camarada Brouckère não percebeu que era inútil defender a democracia em um congresso como o nosso. O camarada Akímov foi mais perspicaz. Ele colocou a questão de forma bastante correta quando afirmou que “os camaradas Mártov e Lênin estão discutindo qual [formulação] alcançará melhor seu objetivo comum” (p. 252); “Brouckère e eu”, continuou ele, “queremos escolher a que menos atinja esse objetivo. Sob esse ângulo, escolho a formulação de Mártov”. E o camarada Akímov explicou francamente que considerava “o próprio objetivo deles” (isto é, o objetivo de Plekhánov, Mártov e eu – a criação de uma organização dirigente de revolucionários) como “impraticável e prejudicial”; assim como o camarada Martínov7, ele defendia a ideia “economicista” de que “uma organização de revolucionários” era desnecessária. Ele estava “confiante de que, no final, as realidades da vida forçarão seu caminho para a organização do nosso partido, quer você barre seu caminho com a formulação de Mártov ou com a de Lênin”. Não valeria a pena insistir nessa concepção “seguidista” das “realidades da vida” se não a encontrássemos também no caso do camarada Mártov. Em geral, o segundo discurso do camarada Mártov (p. 245) é tão interessante que merece ser examinado em detalhes.
O primeiro argumento do camarada Mártov: o controle das organizações do partido sobre os membros do partido que não pertencem a elas “é praticável, na medida em que, tendo atribuído uma função a alguém, o comitê poderá supervisioná-la” (p. 245). Essa tese é notavelmente peculiar, pois ela “trai”, se assim podemos dizer, quem precisa da formulação de Mártov e a quem ela servirá na realidade: sejam intelectuais isolados ou grupos de trabalhadores e as massas trabalhadoras. O fato é que há duas interpretações possíveis da formulação de Mártov: 1) que qualquer pessoa que preste assistência pessoal regular ao partido sob a direção de uma de suas organizações tem o direito de “proclamar-se” (palavras do próprio camarada Mártov) membro do partido; 2) que uma organização do partido tem o direito de reconhecer como membro do partido qualquer pessoa que lhe preste assistência pessoal regular sob sua direção. É apenas a primeira interpretação que realmente dá a “qualquer grevista” a oportunidade de se autodenominar membro do partido e, portanto, foi a única que conquistou imediatamente os corações dos Liebers, Akímovs e Martínovs. Mas essa interpretação é manifestamente não mais do que uma frase, porque se aplicaria a toda a classe trabalhadora, e a distinção entre partido e classe seria apagada; o controle e a direção de “qualquer grevista” só podem ser mencionados “simbolicamente”. É por isso que, em seu segundo discurso, o camarada Mártov imediatamente se inclinou para a segunda interpretação (embora, diga-se entre parênteses, ela tenha sido explicitamente rejeitada pelo congresso quando recusou a resolução de Kostich – p. 255), a saber, que um comitê é um órgão de controle e uma comissão é um órgão de controle. 255), ou seja, que um comitê atribuiria funções e supervisionaria o seu cumprimento. Essas atribuições especiais nunca serão feitas, é claro, à massa dos trabalhadores, aos milhares de proletários (dos quais o camarada Axelrod e o camarada Martínov falaram) – elas serão frequentemente dadas precisamente àqueles professores que o camarada Axelrod mencionou, àqueles estudantes de liceu com os quais o camarada Lieber e o camarada Popov estavam tão preocupados (p. 241), e à juventude revolucionária à qual o camarada Axelrod se referiu em seu segundo discurso (p. 242). Em suma, a formulação do camarada Mártov ou permanecerá uma letra morta, uma frase vazia, ou será benéfica principalmente e quase exclusivamente para “intelectuais que estão completamente imbuídos do individualismo burguês” e não desejam participar de uma organização. Em outras palavras, a formulação de Mártov defende os interesses das amplas camadas do proletariado, mas, na verdade, atende aos interesses dos intelectuais burgueses, que lutam contra a disciplina e a organização proletárias. Ninguém se atreverá a negar que a intelligentsia, como um estrato especial da sociedade capitalista moderna, é caracterizada, em geral, precisamente pelo individualismo e pela incapacidade de disciplina e organização (cf., por exemplo, os conhecidos artigos de Kautsky sobre a intelligentsia). Essa, aliás, é uma característica que distingue desfavoravelmente esse estrato social do proletariado; é uma das razões para a flacidez e a instabilidade do intelectual, que o proletariado tão frequentemente sente; e esse traço da intelligentsia está intimamente ligado ao seu modo de vida habitual, ao seu modo de ganhar a vida, que em muitos aspectos se aproxima do modo de existência pequeno-burguês (trabalhar individualmente ou em grupos muito pequenos, etc.). Por fim, também não é por acaso que os defensores da formulação do camarada Mártov tenham sido aqueles que tiveram de citar o exemplo de professores e estudantes de liceu! Não foram os defensores de uma ampla luta proletária que, na controvérsia sobre o § 1º, entraram em campo contra os defensores de uma organização radicalmente conspiratória, como pensavam os camaradas Martínov e Axelrod, mas os defensores do individualismo intelectual burguês que entraram em conflito com os defensores da organização e disciplina proletárias.
O camarada Popov disse: “Em todos os lugares, tanto em São Petersburgo quanto em Nikolaiev ou Odessa, como testemunham os representantes dessas cidades, há dezenas de trabalhadores que estão distribuindo literatura e fazendo agitação boca a boca, mas que não podem ser membros de uma organização. Eles podem estar ligados a uma organização, mas não são considerados membros” (p. 241). O motivo pelo qual eles não podem ser membros de uma organização continua sendo o segredo do camarada Popov. Já citei a passagem de Carta a Um Camarada mostrando que a admissão de todos esses trabalhadores (por cem, não por dúzia) em uma organização é possível e necessária e, mais ainda, que muitas dessas organizações podem e devem pertencer ao partido.
O segundo argumento do camarada Mártov: “Na opinião de Lênin, não deveria haver outras organizações que as do partido....” É bem verdade! “Em minha opinião, pelo contrário, essas organizações devem existir. A vida cria e gera organizações mais rapidamente do que podemos incluí-las na hierarquia de nossa organização militante de revolucionários profissionais...” Isso é falso em dois aspectos: 1) o número de organizações efetivas de revolucionários que a “vida” cria é muito menor do que precisamos, do que o movimento da classe trabalhadora exige; 2) nosso partido deve ser uma hierarquia não apenas de organizações de revolucionários, mas também de uma massa de organizações de trabalhadores... “Lênin pensa que o Comitê Central conferirá o título de organizações do partido apenas àquelas que forem totalmente confiáveis em matéria de princípios. Mas o camarada Brouckère entende muito bem que a vida [sic!] se imporá e que o Comitê Central, para não deixar uma multidão de organizações fora do partido, terá de legitimá-las apesar de seu caráter não muito confiável; é por isso que o camarada Brouckère se associa a Lênin”... Que concepção de “vida” verdadeiramente seguidista! É claro que, se o Comitê Central tivesse necessariamente de ser composto por pessoas que não fossem guiadas por suas próprias opiniões, mas pelo que os outros pudessem dizer (vide o incidente do Comitê Organizador), então a “vida” se “afirmaria” no sentido de que os elementos mais retrógrados do partido poderiam predominar (como de fato aconteceu agora, quando os elementos retrógrados tomaram forma como a “minoria” do partido). Mas nenhum motivo racional pode ser dado para induzir um Comitê Central sensato a admitir elementos “não confiáveis” no partido. Com essa referência à “vida”, que “gera” elementos não confiáveis, o camarada Mártov revelou claramente o caráter oportunista de seu plano de organização!... “De minha parte, acho”, continuou ele, “que se essa organização (que não é totalmente segura) estiver preparada para aceitar o programa do partido e o controle do partido, podemos admiti-la no partido, sem torná-la uma organização do partido. Eu consideraria um grande triunfo para o nosso partido se, por exemplo, algum sindicato de 'independentes' declarasse que aceita os pontos de vista da social-democracia e seu programa e que está se vinculando ao partido; o que não significa, no entanto, que incluiríamos o sindicato na organização do partido...”. Essa é a confusão a que a formulação de Mártov leva: organizações que não são do partido pertencem ao partido! Imaginem o esquema dele: o Partido = 1) organizações de revolucionários, + 2) organizações de trabalhadores reconhecidas como organizações do Partido, + 3) organizações de trabalhadores não reconhecidas como organizações do Partido (consistindo principalmente de “independentes”), + 4) indivíduos que desempenham várias funções – professores, estudantes de liceu, etc., + 5) “qualquer grevista”. Ao lado desse plano notável, só podemos colocar as palavras do camarada Lieber: “Nossa tarefa não é apenas organizar uma organização (!!!); podemos e devemos organizar um partido” (p. 241). Sim, é claro, podemos e devemos fazer isso, mas o que é necessário não são palavras sem sentido sobre “organizar organizações”, mas a exigência inequívoca de que os membros do partido trabalhem para criar uma organização de fato. Falar sobre “organizar o partido” e defender que se encubra com a palavra partido toda espécie de desorganização e a desunião, é falar por falar.
“Nossa formulação”, diz o camarada Mártov, “expressa o desejo de ter uma série de organizações entre a organização dos revolucionários e as massas”. Isso não é verdade. Esse desejo verdadeiramente essencial é exatamente o que a formulação de Mártov não expressa, pois ela não oferece um incentivo à organização, não contém uma demanda por organização, não separa os organizados dos não organizados. Tudo o que ela oferece é um título8e, nesse contexto, não podemos deixar de lembrar as palavras do camarada Axelrod: “Nenhum decreto pode proibi-los (círculos de jovens revolucionários e similares), ou à pessoas isoladas, de se autodenominarem social-democratas (é verdade!) e até mesmo de se considerarem parte do partido”... Isto já é absolutamente falso! É impossível e inútil proibir alguém de se autodenominar social-democrata, pois, em seu sentido direto, essa palavra significa apenas um sistema de convicções, e não relações organizacionais definidas. Mas quanto a proibir vários círculos e pessoas de “se considerarem parte do partido”, isso pode e deve ser feito se esses círculos e pessoas prejudicarem o partido, corrompê-lo ou desorganizá-lo. Seria absurdo falar do partido como um todo, como uma entidade política, se ele não pudesse “por decreto proibir” um círculo de “se considerar parte” do todo! Nesse caso, qual seria o objetivo de definir o procedimento e as condições de expulsão do partido? O camarada Axelrod reduziu o erro fundamental do camarada Mártov a um absurdo óbvio; ele até mesmo elevou esse erro a uma teoria oportunista quando acrescentou: “Conforme formulado por Lênin, o § 1º entra em conflito direto, em princípio, com a própria natureza (!!!) e objetivos do partido social-democrata do proletariado” (p. 243). Isso significa nada menos que fazer exigências maiores ao partido do que à classe entra em conflito, em princípio, com a própria natureza dos objetivos do proletariado. Não é de se surpreender que Akímov defendesse de corpo e alma essa teoria.
Deve-se dizer, para ser justo, que o camarada Axelrod – que agora quer converter essa formulação equivocada, que obviamente tende ao oportunismo, no germe de novos pontos de vista – no congresso, ao contrário, expressou a disposição de “negociar”, dizendo: “Mas observo que estou batendo em uma porta aberta” (observo isso também no novo Iskra), “porque o camarada Lênin, com seus círculos periféricos que devem ser considerados como parte da organização do partido, antecipa-se à minha exigência”. (E não apenas com os círculos periféricos, mas com todo tipo de sindicato de trabalhadores: cf. p. 242 das atas, o discurso do camarada Strakhov e as passagens de “O que fazer?” e “Carta a Um Camarada” citadas acima). “Ainda restam as pessoas isoladas, mas aqui também poderíamos negociar.” Respondi ao camarada Axelrod que, de modo geral, eu não era avesso a negociar, e agora devo explicar em que sentido isso foi dito. No que diz respeito às pessoas isoladas – todos aqueles professores, estudantes de liceu, etc. – eu seria o que menos concordaria em fazer concessões; mas se dúvidas tivessem sido levantadas em relação às organizações de trabalhadores, eu teria concordado (apesar da total falta de fundamento de tais dúvidas, como provei acima) em acrescentar ao meu § 1º uma nota com o seguinte teor: “As organizações de trabalhadores que aceitam o programa e os estatutos do Partido Operário Social-Democrata Russo devem ser incluídas no maior número possível de organizações do partido”. Estritamente falando, é claro, o lugar para tal recomendação não é no estatuto, que deve ser confinado a definições estatutárias, mas em comentários explicativos e brochuras (e eu já salientei que dei tais explicações em minhas brochuras muito antes de o estatuto ser elaborado); mas pelo menos tal nota não conteria nem uma sombra de ideias falsas capazes de levar à desorganização, nem uma sombra dos argumentos oportunistas9e “concepções anarquistas” que são, sem dúvida, inerentes à formulação do camarada Mártov.
Essa última expressão, colocada por mim entre aspas, é a do camarada Pavlovich, que caracterizou muito justamente como anarquismo o reconhecimento de “membros irresponsáveis e que se incluem no partido”. “Traduzido em termos simples”, disse o camarada Pavlovich, explicando minha formulação ao camarada Lieber, “significa: 'se você quer ser um membro do partido, tem que reconhecer também as relações de organização, e não apenas de maneira platônica’”. Por mais simples que fosse essa “tradução”, ela não era supérflua (como os eventos desde o congresso mostraram), não apenas para vários professores duvidosos e estudantes de liceu, mas também para membros honestos do partido, para pessoas no topo... Com não menos justiça, o camarada Pavlovich apontou a contradição entre a formulação do camarada Mártov e o preceito indiscutível do socialismo científico que o camarada Mártov citou de maneira tão infeliz: “Nosso partido é o intérprete consciente de um processo inconsciente”. Exatamente. E por essa mesma razão é errado querer que “qualquer grevista” tenha o direito de se chamar de membro do partido, pois se “qualquer greve” não fosse apenas uma expressão espontânea do poderoso instinto de classe e da luta de classes que está levando inevitavelmente à revolução social, mas uma expressão consciente desse processo, então... então a greve geral não seria uma frase anarquista, então nosso partido imediatamente e de uma só vez abraçaria toda a classe trabalhadora e, consequentemente, acabaria de uma só vez com a sociedade burguesa como um todo. Se quiser ser um intérprete consciente de fato, o partido deve ser capaz de elaborar relações de organização que garantam um certo nível de consciência e elevar sistematicamente esse nível. “Se quisermos seguir o caminho de Mártov”. disse o camarada Pavlovich, “devemos, antes de tudo, suprimir a cláusula sobre o reconhecimento do programa, pois antes que um programa possa ser aceito, ele deve ser dominado e compreendido... O reconhecimento do programa pressupõe um nível bastante alto de consciência política.” Nunca permitiremos que o apoio à social-democracia, a participação na luta que ela dirige, seja artificialmente restringida por quaisquer requisitos (domínio, compreensão, etc.), pois essa participação em si, o próprio fato dela, eleva tanto a consciência quanto o instinto de organização; mas, como nos unimos em um partido para realizar um trabalho metódico, devemos garantir que ele seja metódico.
O fato de a advertência do camarada Pavlovich com relação ao programa não ser supérflua tornou-se evidente imediatamente, durante aquela mesma sessão. Os camaradas Akímov e Lieber, que garantiram a adoção da formulação do camarada Mártov10, imediatamente revelaram sua verdadeira natureza ao exigir (pp. 254-55) que, no caso do programa, também fosse exigida apenas o reconhecimento platônico, apenas a aceitação de seus “princípios básicos” (para “ser membro” do partido). “A proposta do camarada Akímov é bastante lógica do ponto de vista do camarada Mártov”, observou o camarada Pavlovich. Infelizmente, não podemos ver nas atas quantos votos essa proposta de Akímov obteve – com toda a probabilidade, não menos que sete (cinco bundistas, Akímov e Brouckère). E foi a saída de sete delegados do congresso que converteu a “maioria sólida” (anti-iskristas, “centro” e martovistas) que começou a se formar com o § 1º do estatuto em uma minoria sólida! Foi a saída de sete delegados que resultou na derrota da proposta de confirmação para endossar o antigo conselho editorial – aquela suposta violação gritante da “continuidade” no conselho editorial do Iskra! Curiosamente, foram sete os que constituíram a única salvação e garantia da “continuidade” do Iskra: os bundistas, Akímov e Brouckère, ou seja, os mesmos delegados que votaram contra os motivos que levaram à adoção do Iskra como Órgão Central, os mesmos delegados cujo oportunismo foi reconhecido dezenas de vezes pelo congresso e, em particular, por Mártov e Plekhánov na questão da suavização do § 1º referente ao programa. A “continuidade” do Iskra protegida pelos anti-iskristas! – isso nos leva ao nó da tragicomédia pós-congresso.
* * *
O agrupamento de votos sobre o § 1º dos estatutos revelou um fenômeno exatamente do mesmo tipo que o incidente da igualdade de direitos das línguas: a perda de um quarto (aproximadamente) da maioria do Iskra possibilitou a vitória dos anti-iskristas, que eram apoiados pelo “centro”. É claro que aqui também houve votos individuais que perturbaram toda a simetria do quadro – em uma assembleia tão grande como a do nosso congresso, é natural que haja alguns “desgarrados” que mudam fortuitamente de um lado para o outro, especialmente em uma questão como o § 1º, em que o verdadeiro caráter da divergência estava apenas começando a emergir e muitos delegados simplesmente ainda não haviam se orientado (considerando que a questão não havia sido discutida previamente na literatura). Cinco votos foram retirados dos iskristas da maioria (Rusov e Karski, com dois votos cada, e Lenski, com um); por outro lado, a eles se juntaram um anti-iskrista (Brouckère) e três do centro (Medvedev, Egorov e Tsariov); o resultado foi um total de vinte e três votos (24 – 5 + 4), um voto a menos do que no agrupamento final das eleições. Foram os anti-iskristas que deram a Mártov sua maioria, sete deles votando nele e um em mim (do “centro” também, sete votaram em Mártov e três em mim). Essa coalizão da minoria iskrista com os anti-iskristas e o “centro”, que formou uma minoria sólida no final do congresso e após o congresso, estava começando a tomar forma. O erro político de Mártov e Axelrod, que, sem dúvida, deram um passo em direção ao oportunismo e ao individualismo anarquista em sua formulação do § 1º e, especialmente, em sua defesa dessa formulação, foi revelado imediatamente e com muita clareza graças à plataforma livre e aberta oferecida pelo congresso; foi revelado no fato de que os elementos menos estáveis, os menos firmes em seus princípios, empregaram imediatamente todas as suas forças para ampliar a fissura, a brecha, que surgiu nas opiniões dos social-democratas revolucionários. Trabalhando juntos no congresso estavam pessoas que, em questões de organização, buscavam francamente objetivos diferentes (veja o discurso de Akímov) – uma circunstância que imediatamente induziu aqueles que, em questão de princípio, se opunham ao nosso plano de organização e ao nosso estatuto a apoiar o erro dos camaradas Mártov e Axelrod. Os membros do Iskra que, nessa questão, também se mantiveram fiéis aos pontos de vista da social-democracia revolucionária se viram em minoria. Esse é um ponto de extrema importância, pois, se não for compreendido, é absolutamente impossível entender a luta por particularidades dos estatutos ou a luta pela composição do Órgão Central e do Comitê Central.
Referências:
1 Jauressistas: partidários do socialista francês J. Jaures, que nos anos 1890 fundou, em conjunto com A. Millerand, o grupo dos “socialistas independentes” e que dirigia a ala direita, reformista, do movimento socialista francês. Encobrindo-se com a exigência da “liberdade de crítica”, os jauressistas reviam as principais teses do marxismo, preconizavam a colaboração de classes entre o proletariado e a burguesia. Em 1902 fundaram o Partido Socialista Francês, de tendência reformista.
2 Referência à uma imagem satírica generalizada, que tem origem na obra de Mikhail Saltykov-Shchedrin Pompadures e Pompaduras, onde o escritor satírico desvirtuou os cargos mais altos da administração czarista.
3 [N.A.] A palavra “organização” é comumente empregada em dois sentidos, um amplo e outro restrito. No sentido restrito, significa um núcleo individual de um coletivo de pessoas com pelo menos um grau mínimo de coerência. No sentido amplo, significa a soma de tais núcleos unidos em um todo. Por exemplo, a marinha, o exército ou o Estado são, ao mesmo tempo, uma soma de organizações (no sentido restrito da palavra) e uma variedade de organização social (no sentido amplo da palavra). O departamento de instrução pública é uma organização (no sentido amplo da palavra) e consiste em uma série de organizações (no sentido restrito da palavra). Da mesma forma, o Partido é uma organização, deve ser uma organização (no sentido amplo da palavra); ao mesmo tempo, o Partido deve consistir em uma série de organizações diversificadas (no sentido restrito da palavra). Portanto, quando ele falou em fazer uma distinção entre os conceitos de partido e organização, o camarada Axelrod, em primeiro lugar, não levou em conta a diferença entre o sentido amplo e o sentido restrito da palavra “organização” e, em segundo lugar, não observou que ele próprio estava confundindo elementos organizados e não organizados.
4 Terra e Liberdade e A Vontade do Povo.
5 Manilovismo: de Manílov, personagem da obra Almas Mortas de Gogol. Sinônimo de complacência presunçosa, devaneio sentimental e vazio; fantasia.
6 A referência é a um incidente ocorrido em Hamburgo em 1900, relacionado à conduta de um grupo de membros do Sindicato dos Pedreiros Livres que realizaram trabalho à tarefa durante uma greve, violando as instruções da central sindical. O Sindicato dos Pedreiros de Hamburgo reclamou com a organização local do Partido Social Democrata sobre as atividades dos fura greves dos membros social-democratas do grupo. Um tribunal de mediação nomeado pelo Comitê Central do Partido Social-Democrata condenou a conduta desses social-democratas, mas rejeitou a proposta de que eles fossem expulsos do partido.
7 [N.A] O camarada Martinov, é verdade, queria ser diferente do camarada Akímov, queria mostrar que conspiratório não significava clandestino, que por trás das duas palavras diferentes havia dois conceitos diferentes. Nem o camarada Martinov nem o camarada Axelrod, que agora está seguindo seus passos, jamais explicaram qual é a diferença. O camarada Martinov “agiu” como se eu não tivesse - por exemplo, em O Que Fazer? (bem como em As Tarefas) - me oposto resolutamente a “reduzir a luta política à conspiração”. O camarada Martinov estava ansioso para que seus ouvintes esquecessem que as pessoas contra as quais eu estava lutando não viam nenhuma necessidade de uma organização de revolucionários, assim como o camarada Akímov não a via agora.
8 [N.A.] No congresso da Liga, o camarada Mártov apresentou mais um argumento em apoio à sua formulação, um argumento que merece ser ridicularizado. “Podemos salientar”, disse ele, “que, tomada literalmente, a formulação de Lênin exclui os agentes do Comitê Central do partido, pois eles não constituem uma organização” (p. 59). Mesmo no congresso da Liga, esse argumento foi recebido com risos, como registram as atas. O camarada Mártov supõe que a “dificuldade” que ele menciona só pode ser resolvida com a inclusão dos agentes do Comitê Central na “organização do Comitê Central”. Mas essa não é a questão. A questão é que o exemplo do camarada Mártov demonstra claramente uma total incompreensão da ideia do § 1º; foi um exemplo puro de crítica pedante que, de fato, merecia ser ridicularizada. Em termos formais, bastaria formar uma “organização de agentes do Comitê Central” e aprovar uma resolução para incluí-la no partido, e a “dificuldade” que causou tanta confusão ao camarada Mártov desapareceria imediatamente. A ideia do § 1º, conforme formulada por mim, consiste no incentivo à organização; consiste em assegurar o controle e a direção reais. Essencialmente, a própria pergunta se os agentes do Comitê Central pertencerão ao partido é ridícula, pois o controle real sobre eles é total e absolutamente garantido pelo próprio fato de terem sido nomeados agentes e de serem mantidos como agentes. Consequentemente, aqui não pode haver nenhuma confusão entre organizados e não organizados (que é a raiz do erro na formulação do camarada Mártov). O motivo pelo qual a formulação do camarada Mártov não é boa é o fato de permitir que qualquer um, qualquer oportunista, qualquer fanfarrão, qualquer “professor” e qualquer “estudante de liceu” se proclame membro do partido. É em vão que o camarada Mártov tenta dissipar esse calcanhar de Aquiles de sua formulação por meio de exemplos nos quais não há dúvida de que as pessoas arbitrariamente se estilizam ou se proclamam membros.
9 [N.A.] A essa categoria de argumentos, que inevitavelmente surgem quando são feitas tentativas de justificar a formulação de Mártov, pertence, em particular, a declaração do camarada Trótski (pp. 248 e 346) de que “o oportunismo é produzido por causas mais complexas (ou: é determinado por causas mais profundas) do que uma ou outra cláusula dos estatutos; ele é provocado pelo nível relativo de desenvolvimento da democracia burguesa e do proletariado...”. A questão não é se as cláusulas do estatuto possam dar lugar ao oportunismo, mas sim que, com a ajuda delas, é possível forjar uma arma mais ou menos incisiva contra o oportunismo. Quanto mais profundas forem suas causas, mais incisiva deverá ser essa arma. Portanto, justificar uma formulação que abre a porta para o oportunismo com base no fato de que o oportunismo tem causas profundas é um seguidismo dos mais puros. Quando o camarada Trótski se opunha ao camarada Lieber, ele entendia que os estatutos constituem a “desconfiança organizada” do todo em relação à parte, da vanguarda em relação ao contingente atrasado, mas quando o camarada Trótski passou a estar do lado do camarada Lieber, ele se esqueceu disso e até começou a justificar a fraqueza e a instabilidade de nossa organização dessa desconfiança (desconfiança do oportunismo) falando de “causas complexas”, do “nível de desenvolvimento do proletariado” etc. Aqui está outro dos argumentos do camarada Trótski: “É muito mais fácil para a juventude intelectual, organizada de uma forma ou de outra, incluir-se a si própria (itálico meu) nas fileiras do partido.” Exatamente isso. É por isso que é a formulação pela qual até mesmo os elementos não organizados podem se proclamar membros do partido que sofre com a imprecisão intelectualista, e não a minha formulação, que suprime o direito de “incluir-se” nas fileiras. O camarada Trótski disse que se o Comitê Central “se recusasse a reconhecer” uma organização de oportunistas, seria apenas por causa do caráter de certos indivíduos e que, como esses indivíduos seriam conhecidos, como personalidades políticas, eles não seriam perigosos e poderiam ser removidos por um boicote geral ao partido. Isso só é verdade nos casos em que as pessoas precisam ser removidas do partido (e apenas metade disso é verdade, porque um partido organizado remove membros por votação e não por boicote). É absolutamente falso nos casos muito mais frequentes em que o afastamento seria absurdo e em que tudo o que é necessário é o controle. Para fins de controle, o Comitê Central poderia, sob certas condições, admitir deliberadamente no partido uma organização que não fosse totalmente confiável, mas que fosse capaz de funcionar; poderia fazê-lo com o objetivo de testá-la, de tentar direcioná-la para o caminho certo, de corrigir suas aberrações parciais por meio de orientação etc. Isso não seria perigoso se, em geral, não fosse permitido “incluir-se” nas fileiras do partido. Muitas vezes seria útil para uma expressão (e discussão) franca e responsável e controlada de visões e táticas equivocadas. “Mas se as definições estatutárias devem corresponder às relações reais, a formulação do camarada Lênin deve ser rejeitada”, disse o camarada Trótski, e mais uma vez ele falou como um oportunista. As relações reais não são uma coisa morta, elas vivem e se desenvolvem. As definições estatutárias podem corresponder ao desenvolvimento progressivo dessas relações, mas também podem (se as definições forem ruins) “corresponder” ao retrocesso ou à estagnação. O último caso é o “caso” do camarada Mártov.
10 [N.A.] A votação foi de vinte e oito votos a favor e vinte e dois contra. Dos oito anti-iskristas, sete eram a favor de Mártov e um era a meu favor. Sem a ajuda dos oportunistas, o camarada Mártov não teria conseguido a adoção de sua formulação oportunista. (No congresso da Liga, o camarada Mártov tentou, sem sucesso, refutar esse fato indubitável, por alguma razão mencionando apenas os votos dos bundistas e esquecendo-se do camarada Akímov e de seus amigos - ou melhor, lembrando-se deles apenas quando isso poderia servir contra mim: O acordo do camarada Brouckere comigo).