'O partido pertence aos coletivos - é hora de retomá-lo!' (Leonardo Vinhó)
Formalmente, os coletivos são entendidos como as “frentes de massa” do PCB. Na prática, cada coletivo atua muito mais como um “subpartido” igualmente de quadros, formando inclusive uma seleção de comunistas de enorme qualidade, que por sua vez atuam em outras frentes.
Por Leonardo Vinhó para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Esta contribuição é a primeira de duas que, embora não estejam encadeadas como parte de um mesmo todo, abordam uma temática comum. O argumento principal é o de que, para avançar, o partido precisa se reestruturar rompendo com o eixo “local de trabalho, estudo ou moradia” enquanto forma organizativa central das lutas e das células/núcleos. Aqui trataremos especificamente da relação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) com seus coletivos - nomeadamente o Coletivo Negro Minervino de Oliveira (CNMO), o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro (CFCAM) e o Coletivo LGBT Comunista (LGBTCom). Buscaremos defender e convencer da necessidade de que os coletivos sejam incorporados ao partido, efetivamente encerrando suas existências enquanto organismos distintos.
Alguns relatos de camaradas com mais tempo de militância dão conta de que os coletivos surgiram de forma muito bem intencionada, como ímpeto de elevar a qualidade das lutas antirracista, feminista, etc. Com o fim da União Soviética, o período entre meados dos anos 1990 e os primeiros anos do século XXI constituiu um deserto teórico e político para o marxismo e os comunistas. Esse grupo viu surgir e proliferar os coletivos como nova forma de organização política. Uma forma mais reduzida e localizada, que buscava ser “independente”, autônoma, se distanciando da forma partido tradicional como uma medida “anti-sistêmica”.
Fazia um certo sentido, principalmente para militantes da base, que o partido organizasse a luta anti-opressões nesses mesmos termos. Por um lado, um coletivo dedicado a uma pauta potencializaria essa atuação que já começava a se estruturar internamente. Por outro lado, atualizaria o PCB para esse novo período de reconstrução, buscando conciliar a forma partido com as novas formas organizativas e pautas políticas, tentando dialogar com essa aversão à ingressar em um partido. Surgem, um a um, os “meios para facilitar nossa ação junto às massas”, “a interface, o elo de ligação do Partido com os movimentos sociais e populares”, conforme definidos nas resoluções do XVI Congresso.
Do que já foi dito em notas e tribunas a respeito dos coletivos partidários desde que estourou a crise no PCB (ainda que em quantidade aquém do que deveríamos), parece estar claro ao conjunto da militância que os limites dessa forma foram atingidos, e que existem outras motivações que sustentam essa segmentação hoje.
Primeiro, há uma profunda incompreensão do papel do partido revolucionário nas lutas políticas, mais próxima do antigo “economismo” do que da linha revolucionária de Lenin, Gramsci etc. Em segundo lugar, há também um elemento de receio e consequente intransigência por parte direções de que esse debate seja feito e de que essas forças se organizem dentro de suas próprias fileiras. Esse receio é resposta da vontade crescente de militantes em travar essa luta da forma mais plena e eficaz possível, inclusive voltando-se contra o que percebem estar apodrecendo dentro do partido. Resultam daí os coletivos “com autonomia relativa”, isto é, estruturas apartadas, porém subordinadas. Tratemos de cada uma dessas motivações.
Quem o partido organiza?
Para tratar do primeiro aspecto, é preciso antes retificar uma informação do primeiro parágrafo. Há pouco falava-se de um eixo “local de trabalho, estudo ou moradia”. Isto é mais verdadeiro para a União da Juventude Comunista (UJC). Na prática, o eixo do partido é ainda mais estreito. A forma organizativa plena, o sentido para o qual caminham células que abrangem uma região ou uma cidade, é se organizar somente por setores de trabalho. O planejamento feito em todas as outras células é o de se tornar uma célula de professores, de advogados, de trabalhadores da construção civil, bancários, etc. Era assim que o partido se entendia explicitamente no XV Congresso, quando diz, no caderno “A Reconstrução Revolucionária do PCB – Balanço e Perspectivas”:
19. Os trabalhadores que militam no PCB devem ser organizados em células pela relação de trabalho e não por participarem da Unidade Classista, por exemplo. As células são do Partido, não da Unidade Classista, um instrumento de militância dos comunistas para o movimento sindical e operário. (grifo nosso)
É curioso que o texto tente distinguir as células organizadas “pela relação de trabalho” da Unidade Classista (UC), corrente que empreende a luta no movimento sindical. Afinal, o que é, concretamente, a organização de trabalhadores pelo seu setor de trabalho por parte do PCB senão um movimento sindical? Mas retornaremos a este ponto em breve.
Embora o conjunto da militância tenha flexibilizado parcialmente este entendimento no XVI Congresso, ele ainda está lá, no caderno “Fortalecer a organização do PCB”, item 32, apresentado originalmente nas pré-teses (isto é, redigido pelo Comitê Central):
32. A prioridade deve ser a constituição de células por local de trabalho, por categorias de trabalhadores e ramos de produção onde possível, ou seja, onde esteja mais presente a contradição entre capital e trabalho. Somente serão organizadas células por local de moradia onde houver possibilidades de luta. É preciso ponderar sobre a criação de células que envolvem diferentes espaços de atuação, como células temáticas ou de cidades. Esta situação é comum em regiões mais afastadas das capitais e dos grandes centros e deve ser encarada como algo transitório. A configuração de tais células deve ser planejada no sentido de prever o seu futuro desmembramento, através de uma política de recrutamento ativa.
Se ainda restar alguma dúvida quanto à veracidade desse entendimento aplicada na prática, chamamos a atenção para a existência de “células de desempregados”, expressão categórica da recusa das direções em organizar o partido de outra forma que não a centralidade do local de trabalho.
Isso demonstra que o partido se assemelha muito mais ao “economismo” do que um partido revolucionário. Em “Que fazer?”, Lenin diferencia o economismo da social-democracia (entenda-se movimento revolucionário, numa época em que a social-democracia ainda não havia cindido em duas e uma ala transformou-se em sinônimo de reformismo enquanto a outra fundou o movimento comunista) em relação aos argumentos teóricos, à estrutura organizativa e aos objetivos. Para ele, a organização dos operários (entenda-se sindicato) está atada aos interesses mais particulares e às lutas econômicas mais imediatas daquela categoria de trabalhadores que o sindicato reúne. Importante aqui distinguir o economismo da luta econômica. A luta econômica é um campo válido de enfrentamento ao capital. O economismo é um desvio ideológico obreirista que crê na centralidade da “luta econômica contra os patrões e o governo” [1], e que, portanto, se organiza de acordo com estes termos. Este tipo de luta não requer necessariamente uma organização política nacional e centralizada como um partido.
Observemos agora como Lenin distingue a organização revolucionária:
“A luta política da social-democracia é muito mais ampla e mais complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo. Do mesmo modo (e como consequência), a organização de um partido social-democrata revolucionário deve inevitavelmente constituir um gênero diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser, em primeiro lugar, sindical; em segundo lugar, o mais ampla possível; em terceiro lugar, deve ser o menos clandestina possível (aqui e mais adiante refiro-me, bem entendido, apenas à Rússia autocrática). Ao contrário, a organização dos revolucionários deve englobar, antes de tudo e sobretudo, homens cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso falo de uma organização de revolucionários, pensando nos revolucionários social-democratas). Diante dessa característica geral dos membros de tal organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais, que vale, ainda mais, para a distinção entre as diversas profissões de uns e de outros.” [2] (grifos do original)
Em outro momento, Lenin descreve o partido como sendo uma organização
“que reúna numa única iniciativa comum todas as manifestações, quaisquer que sejam, de oposição política, de protesto e de indignação, organização formada por revolucionários profissionais e dirigida por verdadeiros dirigentes políticos de todo o povo.” [3] (grifo nosso)
Aqui aparece nosso argumento central: o partido revolucionário promove as “denúncias políticas que abarcam todos os aspectos da vida”, que são “uma condição indispensável e fundamental para educar a atividade revolucionária das massas”. Para isso, ele congrega um grupo de pessoas descritas como revolucionárias profissionais. Não em oposição ao reformismo ou como fraseologia barata, mas como a superação da distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual numa figura que realiza as duas coisas no partido. Acima de tudo, numa figura que não está obrigada a organizar a luta no seu local de trabalho, mas que é capaz de operar toda a luta política, porque também essa é a função do partido revolucionário. Inclusive no campo da luta econômica, desde que sem rebaixar o conjunto das lutas políticas ao plano dos interesses mais imediatos.
Também é parecido o argumento de Gramsci ao diferenciar a luta de um sindicato, estreita na pauta e na organização da luta, além de uma compreensão centrada no aspecto econômico, para um partido político, que deve congregar toda a luta política. É papel deste último contribuir na superação da consciência sindicalista e corporativista da classe trabalhadora, e não reforçá-la na sua estrutura.
Afinal, não é assim que se comporta o partido hoje? Tanto na estrutura quanto no pensamento de médios dirigentes obreiristas, “essa gente, que não pode pronunciar a palavra ‘teórico’ sem um gesto de desprezo, que considera como ‘senso de realidade’ a sua devoção à falta de preparação para a vida e ao seu parco desenvolvimento” [4]. É verdade, talvez não seja uma situação tão óbvia à primeira vista. Mas isso é muito mais resultado do imobilismo das direções. Esperamos que os exemplos descritos acima, além de falas ilustrativas como “todos os setores do operariado são estratégicos, temos que recrutar igualmente”, sejam suficientes para demonstrar que, fossem as direções mais competentes em levar a cabo seus próprios desvios, estaríamos diante de um grande “partido sindical”. Não à toa existe tamanha dificuldade em distinguir a UC do partido, quando sua organização por setor de trabalho é igual, seus integrantes e até suas direções são, muitas vezes, as mesmas pessoas.
Logo, se pretendemos construir um partido marxista-leninista, precisamos romper com o eixo “local de trabalho, estudo e moradia” enquanto princípio abstrato e adotar como critério a organização a partir do trabalho político. A forma organizativa interna precisa ser flexível e refletir os objetivos externos almejados. Em termos concretos, isso significa organizar a militância a partir de células para a diversidade de trabalhos políticos que o conjunto do partido se propuser a fazer. Se desejamos um jornal, por exemplo, então que organizemos células responsáveis pelo trabalho do jornal, que reúnam militantes com atribuições de diagramação, redação, fotografia, editoração, etc (defenderemos mais detidamente essa proposta numa próxima tribuna). Se desejamos realizar um trabalho político junto à grupos oprimidos da sociedade, então que organizemos células ou alguma instância interna neste sentido, reunindo militantes que desejem travar a luta antirracista, feminista, LGBTI, indígena, das pessoas com deficiência (PCD’s) etc. Isto não significa abdicar por completo da organização das classes trabalhadoras por setor de trabalho. Mas sim promover também um trabalho político planificado em determinadas categorias de trabalhadores que o partido defina como estratégicos para a luta. Mas entendendo que a estrutura interna passaria a contar com uma heterogeneidade de trabalhos muito maior do que a generalização do eixo “local de trabalho” como forma organizativa central.
Quem entre os dentes segura a primavera?
Tratemos agora do segundo aspecto, alvo de maior polêmica. Esse tensionamento entre o partido e os coletivos é explícito em diversos exemplos teóricos e práticos. Como as falas de dirigentes buscando revogar a autonomia relativa dos coletivos por “se rebelar contra o partido”, ou quando algumas candidaturas das eleições de 2022 por iniciativa própria foram buscar as propostas mais avançadas sobre políticas para LGBTIs, mulheres e populações não-brancas na UJC e nos coletivos, que não tomaram parte na construção de suas campanhas com a mesma oficialidade do partido.
Analisemos as pré-teses ao XVI Congresso do partido. Elas são redigidas e encaminhadas pelo Comitê Central como proposta inicial ao debate, e costumam refletir o nível médio de consciência dessa instância, isto é, o quão bem essa direção absorveu o acúmulo teórico e das lutas dos coletivos.
No caderno “Perfil do proletariado brasileiro”, o termo “mulher/mulheres” aparece 10 vezes nas 43 páginas. Sete delas são no mesmo item 67, que funciona como grandes parênteses para “lembrar” (termo literal) das “particularidades”. Lembrar — assim mesmo, de maneira esporádica e sem muita centralidade — após incontáveis tabelas, números e estatísticas que pormenorizam um mundo do trabalho aparentemente desprovido de gênero, raça e sexualidade. O reproduzimos na íntegra:
67. Sempre é bom lembrar que as mulheres não usufruem das mesmas condições que os homens em diversos aspectos, como rendimento, formalização e disponibilização de horas para trabalhar. As mulheres superam os homens em algumas profissões – aquelas identificadas como femininas – associadas aos menores salários. A maior disparidade é encontrada na categoria dos empregados domésticos, na qual 92.3% são mulheres. As mulheres dominam o magistério, as enfermarias, a assistência social, telemarketing (neste setor a participação das mulheres - 25.02% - é bem maior que a dos homens - 10.09%). É baixa a participação das mulheres na área de construção civil, armazenagem e mesmo na indústria. A trabalhadora brasileira tem que equilibrar seu tempo somando as tarefas domésticas que ainda recaem sobre seus ombros, sem ter as creches e outros equipamentos públicos que lhe permitam trabalhar. É preciso ainda destacar a condição da população negra ocupada, cujo rendimento corresponde, em média, a 60% do recebido pelos trabalhadores brancos. A mulher trabalhadora negra está submetida a condições ainda mais precárias de trabalho, menores salários e mais desemprego.
É também nele que aparece o termo “negra” as duas únicas vezes em todo o caderno, como “população negra” e “mulher trabalhadora negra”. Já o termo “Negros” aparece duas vezes, ambas na subseção de análise histórica da formação social, tratando do período da escravidão. É também onde aparece o termo “indígena”, uma única vez. Os termos “LGBT” e “opressão/opressões” não aparecem uma vez sequer.
Esse caderno é exemplar de como a direção do partido está longe de se apropriar desses debates, e de que só enxerga esses grupos ou como parte do passado, ou como um apêndice irrelevante de um proletariado branco, masculino, cis e hétero. Também é exemplar do que dizíamos anteriormente sobre a ideologia economicista. De um partido que não consegue pensar opressões, violências, lutas políticas fora do mundo do trabalho. Que só as percebem quando elas se expressam como desigualdades nos empregos formais, apenas enquanto um sintoma.
Formalmente, os coletivos são entendidos como as “frentes de massa” do PCB. Na prática, cada coletivo atua muito mais como um “subpartido” igualmente de quadros, formando inclusive uma seleção de comunistas de enorme qualidade, que por sua vez atuam em outras frentes. Inúmeros relatos informam que esses quadros nunca se incorporam às fileiras do partido por causa deste tensionamento. Por causa deste pretenso papel de “dirigente superior” que os comitês Central e regionais se arrogam, mas que comodamente se recusam a incorporar esses acúmulos, a promover um verdadeiro salto de qualidade na nossa linha política. Por causa da falta de espaço e planejamento para que sigam dirigindo as lutas feministas, antirracistas e LGBTI de dentro do partido.
É possível que cause estranhezas de todo tipo quando imaginamos pessoas se organizando no PCB para se somar exclusivamente à luta antirracista, por exemplo. Isso é fruto da percepção de que só o partido opera a luta que “verdadeiramente importa”, que, como já demonstramos, não passa de desvio economicista, profundamente equivocado. Tomando um passo atrás, percebemos que a estranheza tem suas raízes na estrutura concreta. É justamente resultado dessa segregação, especialmente da sua racionalização. Em outras palavras, é porque nós definimos e naturalizamos que as lutas aconteceriam em separado, e que o partido seria o único responsável pela luta “central”, isto é, economicista, enquanto dirige num segundo plano as lutas “menos importantes”.
Esta forma sequer é tão comum assim. Outros partidos comunistas não possuem essa estrutura. O Partido Comunista da Turquia (TKP) possui uma Comissão LGBT, interna, bastante ativa e presente nas redes sociais, no trabalho de base, nas manifestações. O Partido pelo Socialismo e Libertação (Party for Socialism and Liberation - PSL), nos Estados Unidos, há muito já incorporou em seu programa e na formação de sua militância os acúmulos de mais de um século de lutas antirracistas, dos povos originários, das mulheres, das LGBTIs, e o entendimento de que essas pautas não se separam nem na teoria e nem na prática. Não só isso, como entendem que “a oportunidade muito real de liderança política por parte dos setores historicamente mais oprimidos coloca hoje a classe trabalhadora numa posição mais forte para lutar pelo poder.”[4] Foi exatamente essa impressão positiva gerada pela campanha de Léo Péricles para presidente, com um partido de esquerda radical que colocou a questão racial com enorme centralidade.
O PSL, ao contrário do Comitê Central do PCB, demonstra notável consciência de como cada medida econômica contra a classe trabalhadora é também uma medida racista, sexista, LGBTIfóbica, por sempre atingir ainda mais esses grupos. E de como, por outro lado, as opressões também são parte das lutas de classes. Quando sai às ruas contra a violência policial, sai o partido coletivamente, e não apenas a militância negra. Por entenderem que esta é a luta de classes do seu tempo. Mulheres, pessoas racializadas, LGBTIs, são integrantes e dirigentes do partido tanto quanto suas contrapartes brancas, masculinas, hétero e cis, não de estruturas apartadas.
Assim, romper com esses dirigentes significa romper com esse boicote, mas romper com esta lógica também é um imperativo para que deixemos de permitir que somente pessoas “iniciadas” e preparadas em lutas “secundárias” possam se juntar às fileiras. Superar essa divisão na teoria e na prática, na linha política e na forma organizativa, é um passo importantíssimo na construção de um partido de novo tipo, onde as pessoas se verão mais representadas e contempladas na multiplicidade de suas lutas, e menos receosas da ideia de ingressar em um partido político.
Incorporar sem dissolver
Se entendemos que a classe trabalhadora brasileira, na sua concretude, é síntese de múltiplas determinações de raça, gênero e sexualidade, e não o falso universal, que busca o denominador comum abstraindo todas elas e chega no homem, branco, cis hétero; se entendemos que essas opressões são estruturantes do capitalismo brasileiro, isto é, das suas relações de classe; se entendemos que é sobre esses grupos da classe trabalhadora que recai o encarceramento em massa, o feminicídio, a perseguição LGBTIfóbica, a política de extermínio nas favelas, os mais baixos postos de trabalho e os mais baixos salários; a conclusão lógica é que essas são as próprias lutas da classe trabalhadora pela sua libertação. Não de uma parte dela. Não de nenhuma importância diferente. A luta antirracista, antipatriarcal, contra a cisheteronormatividade são as lutas comunistas concretas da nossa realidade brasileira e do nosso tempo. E se entendemos que o partido revolucionário deve organizar todas as lutas políticas, então essas lutas devem estar organizadas dentro do partido, não enquanto seu apêndice. Não para “aglutinar em torno do PCB”, como dizem as resoluções finais do XVI Congresso, mas para estruturá-lo por dentro.
Aqui é da máxima importância frisar que a proposta não quer dizer, sob hipótese alguma, diluir militantes dos coletivos nas células já existentes, e obrigar que tomem parte das lutas econômicas. Ao contrário. Trata-se de incorporar as lutas anti-opressões, sem perder nenhum acúmulo teórico ou prático, numa nova estrutura partidária.
A saída concreta pode ser através de frações, como já existem a fração nacional indígena, a fração de trabalhadores da saúde, etc. Ou apenas novas células específicas, mas que já trariam mais razão de ser ao trabalho das secretarias nacionais de lutas antirracistas e povos indígenas, de mulheres e de questões LGBTI, que, na prática, só “organizam” a luta externa, dos coletivos.
Enfim, a forma específica que esta incorporação pode adquirir está em aberto. Alguns princípios norteadores para os debates, a nosso ver, devem levar em conta que essa reorganização seja debatida pelos coletivos e os acomode da melhor maneira em sua resolução final; que essa solução contemple o princípio da especialização, para não quebrarmos militantes inserindo em mais organismos (barrando a obrigatoriedade de que também estejam em outra célula, por exemplo); e que o número de dirigentes estaduais e nacionais seja proporcionalmente ampliado, e essas direções sejam eleitas já no processo do XVII Congresso Extraordinário caso a incorporação seja aprovada. Isto porque entendemos que esse crescimento das nossas fileiras requerá não só um número maior de dirigentes, como preferencialmente lideranças experimentadas para evitar turbulências ao longo do processo de incorporação.
De toda forma, também entendemos que a proposta abre a possibilidade desses agrupamentos tomarem parte de toda a vida partidária, assumindo seus plenos direitos que lhes vêm sendo negados, inclusive o de elegerem direções oriundas dessas lutas. Isso contribuirá para o fortalecimento dessas pautas, para a maior representatividade do partido, e para garantir materialmente que nunca mais precisem depender de boa vontade de dirigentes (ou do esforço de quem cumpre dupla militância no coletivo e no partido) para ver o acúmulo teórico e prático incorporado à linha da organização.
Pessoas pretas, pardas e amarelas; mulheres trabalhadoras, donas de casa e mães solo; povos indígenas, povos romani e quilombolas; lésbicas, gays, bissexuais e, especialmente, trans, travestis e intersexo; pessoas com deficiência, pessoas refugiadas e demais grupos oprimidos: O partido comunista pertence a vocês e suas lutas. É hora de retomá-lo!
Notas
[*] DESCRIÇÃO DA IMAGEM: A imagem retrata uma reinterpretação da bandeira do Brasil. O fundo é vermelho escuro, e ao centro há um losango deitado, de borda preta, seguida de uma borda branca um pouco maior, e o interior num tom verde mentolado. Dentro dele, três instrumentos desenhados em preto se entrecruzam: um martelo tombado à esquerda, um facão tombado à direita, e uma flecha ao centro, na vertical. Acima da flecha paira uma estrela vermelha. Atrás do losango está um grafismo indígena Kayapó. Nele, correm seis linhas pretas, três na parte de cima e três na parte de baixo. No meio delas, sequências de quatro linhas pretas correm na diagonal até se encontrarem, formando um grafismo indígena associado ao povo Kayapó.
[**] DESCRIÇÃO DA IMAGEM: Uma foto, tirada de dia, retrata uma mulher negra cubana andando numa cidade. Ela está de lado para a câmera, tem o cabelo preso em um coque e uma máscara cirúrgica cobre seu nariz e sua boca. Ela veste uma blusa amarela e carrega no ombro uma bolsa de estampa florida. Atrás dela e à direita da foto, preso num gradil, está um cartaz de propaganda da revolução cubana. O cartaz apresenta cinco homens brancos enfileirados lado-a-lado. Acima deles está escrito, em tradução, “da revolução” e, abaixo, “somos continuidade”.
[***] DESCRIÇÃO DA IMAGEM: Uma foto retrata militantes do Partido pelo Socialismo e Libertação (PSL) em Nova York, marchando em protesto pela morte de Tyre Nichols pela polícia. É de noite, e o grupo está cercado por prédios espelhados dos dois lados da rua e ao fundo. As pessoas, de diversas etnias e gêneros, estão agasalhadas, algumas com máscaras cirúrgicas, e carregam diversos cartazes. Entre eles, os dizeres “Justiça por Tyre Nichols! Prendam policiais assassinos!”, “O povo exige: fim do terrorismo policial!”. Na frente do bloco e no centro da imagem, uma grande faixa branca escrito: “Esta é uma revolta contra o racismo! Parem a guerra contra a América negra!”, acrescido do nome do partido abaixo.
[1] LENIN, Vladimir I. Que fazer: problemas candentes de nosso movimento. São Paulo: Expressão Popular, 2015, p. 157.
[2] Ibidem, p. 171.
[3] Ibidem, p. 157.
[4] Ibidem, p. 164.
[5] Programa do PSL, disponível em: https://pslweb.org/program/