'O partido é trincheira! Notas sobre as tarefas imediatas para a construção de um partido revolucionário' (Fabio Augustto)
Somos um partido que pretende chegar às massas, e mais do que isso, desejamos ser inundados dela ao ponto de extrair dela a forma do partido da revolução brasileira.
Por Fabio Augustto para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Esse texto talvez não seja curto, mas o farei direto e sem rodeios, o ponto principal dele é as portas da etapa nacional do nosso congresso colocar as minhas percepções a respeito da tarefa mais importante da história do movimento comunista brasileiro: a construção político-organizativa de um partido comunista a altura das nossas tarefas históricas.
Irei dividir o texto em sessões, estas sessões têm a intenção de cumprir o que eu penso ser uma das maiores dificuldades que temos na nossa militância: abstrair progressivamente em tarefas simples, compreensíveis e executáveis estratégias amplas e complexas. Esse é meu objetivo: partir de pontos a respeito da nossa estratégia de forma ampla, e em cada sessão ir desenvolvendo as consequências práticas dessas estratégias até chegar em propostas de tarefas imediatas.
Sessão 1: O Partido Nacional
O partido é trincheira! Essa é uma associação feita originalmente pelo Gramsci nos cadernos do cárcere, diferenciando os partidos da ordem burguesa do partido de novo tipo, leninista. Sem perder muito tempo refletindo sobre o tema, podemos com essa associação concluir ao menos dois pontos centrais da função que o nosso partido deveria ter:
- Uma fortaleza defensiva, um espaço onde a classe trabalhadora, com toda a sua heterogeneidade e contradições possa identificar enquanto centralizador da defesa dos seus interesses imediatos.
- Trincheira também indica ser um espaço onde, em posição protegida e organizada coletivamente, é possível lutar de volta.
Veja bem a clara distinção entre nosso partido e partidos de esquerda da ordem, o partido comunista que precisamos criar é necessariamente um instrumento de guerra arquitetado para nossa classe. Qualquer tarefa, por menor que aparente ser, precisa levar isso em consideração como consequência final do nosso trabalho prático.
Arquitetar um partido para o nosso tempo, as nossas condições materiais, nossos objetivos estratégicos e a nossa formação social exige em primeiro lugar não cair no erro de achar que essa é uma tarefa de solução simples. Existe porém um ponto de partida comum entre todos os partidos comunistas com algum “sucesso” na história: eles foram partidos essencialmente nacionais, tanto em sua forma organizativa quanto em sua identidade. Essa é uma tarefa que sempre fracassou no Brasil, a criação de um partido comunista que fosse firme em sua estratégia revolucionária ao mesmo tempo que em sua forma coubesse efetivamente o povo brasileiro dentro dele.
Sem entrar em mais detalhes e nem citar muitos exemplos não é difícil pensar em partidos inflexíveis em relação a sua aparência revolucionária e que em paralelo foram se afastando cada dia mais da classe trabalhadora nacional, e se aproximando da forma de um clube de estudos, fã clube ou seita. Por outro lado, os partidos de esquerda mais próximos a nossa classe que tivemos na nossa história, quanto mais intrinsecamente enraizados no povo estavam, mais rebaixada, oportunista e afastada da defesa dos interesses do povo brasileiro era a sua linha política. A construção de um partido revolucionário, nacional e popular é o maior desafio da história da classe trabalhadora brasileira.
Construir uma forma organizativa e uma identidade nacional não significa colocar um arco e flecha na nossa bandeira, nem se debruçar em construir a partir de concepções fetichistas e imaginárias uma “identidade nacional revolucionária”, tampouco nomear o Partido com o nome de algum grande personagem da nossa história.
Construir um partido brasileiro se materializa em muitos pontos, mas nesse texto quero deixar claro que não existe nada mais importante do que construirmos um partido que tenha estrutura e método para receber em suas fileiras a classe trabalhadora brasileira, de norte a sul, com todas as suas contradições e heterogeneidades, com o objetivo de extrair dela organicamente a forma nacional do partido.
Em resumo, só se constrói um partido brasileiro para o povo brasileiro tendo dentro desse partido o próprio povo brasileiro!
Sessão 2: A classe no partido
Como reivindicamos o XVI Congresso do PCB, ainda temos em tese a mesma estrutura formal, além de a esmagadora parte da nossa militância ter sido formada lá, o que nos torna herdeiros de toda uma cultura política. Uma característica marcante dessa cultura é a forma como lidamos com a realidade do povo trabalhador brasileiro quando ele esbarra ocasionalmente com a nossa organização. Fazendo um paralelo com o mundo corporativo, se precisam mostrar como eles aceitam a diversidade, o método é escolherem entre o sistema de cotas por um lado, ou ostentar um trabalhador ou trabalhadora exemplo pra mídia, que é mãe, negra, trabalha, estuda, faz jornada quádrupla e serve de exemplo pro resto de que sempre é possível e o resto é mimimi.
Na nossa organização seguimos uma lógica similar, nossa ação é uma das duas a seguir: esperamos espontaneamente esse quadro se formar por si só, a parte do seu contexto e dificuldades pessoais, aguardando o mesmo se colocar no nível dos demais denominados “quadros” até que ele quebra tentando e entra no ostracismo. Ou então usamos um sistema informal de cotas, escolhendo determinado militante para determinada tarefa por precisarmos de uma mulher ou alguém que não seja branco em tarefas de direção.
Essa é a máquina moedora de quadros que muita gente já comentou por aqui. O que essa cultura nos difere do mundo corporativo que faz nosso povo sofrer tanto? É uma replicação automática de uma lógica liberal que não encontra resistência nenhuma nas portas da nossa organização.
A solução para quebrar essa lógica passa por muitos pontos, mas nesse texto defendo um deles como base de todos os outros: A profissionalização dos nossos trabalhos! Só um trabalho militante profissional, planejado e persistente pode construir a infraestrutura necessária para a garantia que teremos condições de colocar a nossa classe dentro do partido.
O partido tem que ser a trincheira da classe e isso começa com a nossa própria militância, o nosso objetivo é que quando qualquer militante estiver esperando um filho, ficar desempregado ou sofrer uma crise pessoal, é exatamente esse o momento em que mais ele vai precisar recorrer a nós, e não o exato contrário que é o que ocorre hoje, que você resolve os seus problemas sozinho e quando estiver bem volte a militar. O paralelo com o mundo corporativo é nítido.
Sessão 3: Profissionalização do trabalho
Só a profissionalização dos nossos trabalhos é capaz de colocar a classe dentro do nosso Partido! Sem ela estamos sujeitos às limitações cada vez mais agressivas resultantes da nossa conjuntura e do acirramento da luta de classes.
Defendo que como meio principal a alcançar esse fim a gente tenha como horizonte estratégico a criação de um complexo de empresas centralizadas pelo partido que atue em todos os setores que consideramos estratégicos para a nossa atuação.
O objetivo disso abrange aspectos absolutamente importantes, e eu penso que eles serão essenciais para formar a espinha dorsal do partido que queremos construir. É a partir daí que conseguimos profissionalizar a qualidade dos nossos trabalhos, já que teremos empresas profissionais controladas pelo nosso partido que nos darão a qualidade do trabalho e a soberania produtiva e de serviços.
A renda adquirida a partir dessas empresas também pode financiar profissionalmente o trabalho militante do dia a dia, nos dando condições de pagar por infraestrutura, como aluguel de espaços para realização de reuniões e demais tarefas militantes, materiais de agitação e propaganda, liberação de militantes e etc.
Vamos com isso também diversificar a nossa militância, recrutando e tendo diversos militantes como referências nas áreas da saúde, TI, marketing, publicidade, jornalismo, editorial, industrial e etc, tendo a possibilidade de adentrar esses ramos e dar a nossa linha política para a classe estando já ao lado dela em todas as suas lutas imediatas.
Assumindo o risco de ser repetitivo eu volto a dizer: nada porém é mais relevante do que o quanto isso pode abrir portas para a classe trabalhadora entrar e FICAR no partido. Com o avanço do nosso trabalho profissional teremos condições de garantir a sobrevivência e bem-estar mínimo dos militantes. É nosso dever ter no horizonte estratégico a construção de ações como lavanderias populares em locais estratégicos, cozinhas com marmitas a preço popular, creches populares, uma estrutura planejada de cuidado com os filhos e filhas dos nossos militantes em ambientes como reuniões, eventos partidários, atos, congressos e todo o resto que for necessário.
Sessão 4: Tarefas imediatas
Núcleos profissionalizantes
Proponho que tenhamos uma categoria de espaço de militância, a qual aqui chamarei de núcleo, mas pode ter qualquer outro nome. O objetivo é que se tenha uma forma menos burocratizada de adentrar as nossas fileiras, e ter como o foco o recrutamento a partir da formação profissional e inserção no mercado de trabalho.
Por exemplo, podemos ter uma fração de TI no partido, coordenada por militantes experientes que tenham qualificação profissional em alguma habilidade como programação. Essa fração iria centralizar a criação dos núcleos profissionalizantes de TI e daria assistência aos mesmos. Para recrutarmos esses militantes que formarão os núcleos podemos criar uma campanha debatendo a precarização do trabalho e propagandeando nossa linha política em escolas, ambientes de trabalho precarizados (telemarketing por exemplo), internet e etc, com o atrativo de entrarem em um partido comunista com o objetivo de se especializarem em alguma carreira profissional.
As atividades desse núcleo se dariam em duas bases:
- Formação técnica e política
O núcleo faria encontros periódicos em uma forma de curso profissionalizante daquela área em específico, esses encontros seriam mesclados com outros de formação política.
- Tarefas militantes
A forma de colocar esse conhecimento em prática seria esse núcleo estar sempre envolvido em projetos, que testem o aprendizado dos militantes, e que sejam também intervenções políticas, um exemplo ainda com o núcleo de TI: desenvolvimento de sites e aplicativos pro jornal do partido, criação de sistemas de pesquisa de dados que auxilie na compreensão de algum local ou tarefa em específico, algoritmos de machine learning para análises de conjuntura baseados em dados complexos e etc, as possibilidades são muitas, em várias áreas.
A ideia geral aqui é que além de recrutar públicos bastantes específicos de acordo com as nossas necessidades estratégicas, iremos também criar trabalho militante realmente profissional, e esses núcleos podem a médio-longo prazo se tornarem negócios pro partido naquele ramo em específico.
Essa proposta tem a intenção de preencher algumas lacunas:
- Política de recrutamento e formação de quadros planejada;
- Inserção de diversos segmentos da classe dentro do partido;
- Manutenção da classe do partido;
- Profissionalização dos trabalhos militantes em todas as áreas que conseguirmos tocar um trabalho a longo prazo;
- Política de finanças profissionalizada.
Programa Nacional de Formação de Dirigentes
Caberá ao Comitê Central eleito acompanhar todos os dirigentes partidários a partir do nível estadual de forma sistemática nas seguintes métricas: se empregado ou não, se estudante ou não, plano de carreira profissional, relações familiares e saúde mental. Deve ser disponibilizado a esses militantes consultoria de carreira profissional (desenvolvimento de currículos, estratégias de recolocação e etc) e militantes qualificados para prestar apoio em questões de saúde mental. Qualquer mudança de status em algum desses pontos deve ser de conhecimento imediato do Comitê Central, e deve exigir uma ação imediata.
Somos um partido que pretende chegar às massas, e mais do que isso, desejamos ser inundados dela ao ponto de extrair dela a forma do partido da revolução brasileira. Só vamos conseguir isso se tivermos pra ontem um partido muito bem formado e profundamente firme nas suas convicções revolucionárias, que ao encontrar as massas, não hesite um só segundo em defender seus interesses e independência de classe, e ser capaz de arrastá-la, e não ser arrastada por ela. Isso só é possível se começarmos por uma direção tão forte quanto titânio, física, ideológica e emocionalmente. Não existe tarefa mais imediata do que a garantia que encaramos as questões pessoais e subjetivas da militância com a seriedade devida. Essa proposta seria apenas o primeiro tijolo na construção de uma cultura política digna do termo camarada em todo o partido.
Infelizmente não estarei no congresso no final desse mês, esse texto vai ser tudo que poderei contribuir pros debates congressuais até o fim dele. Minha intenção foi tentar ir do universal ao particular para defender uma linha de ação política que forme as bases de uma estrutura partidária, desde o trabalho prático até o plano subjetivo, do que eu penso serem os dois pilares principais da construção de um partido revolucionário.
Aos camaradas que estarão presentes eu desejo que tenham paciência, determinação e convicção revolucionária ardendo no peito do começo até o fim.
Até a Vitória camaradas! Nada mais interessa.