'O partido através do espelho: breve comentário sobre a questão das finanças' (Pedro Alcântara)

A não ser que encontremos algum manuscrito perdido com a receita de cookies que Lenin vendeu para financiar os bolcheviques, essa ideia de escalonar as vendas cai na velha mentira neoliberal de que todos são empreendedores.

'O partido através do espelho: breve comentário sobre a questão das finanças' (Pedro Alcântara)
"Chega de concentrar horas e horas em tarefas que mal conseguem financiar uma atividade que seja."

Por Pedro Alcântara para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma com que sou plenamente conhecido.
1 Coríntios 13:12

Camaradas, me permitam perguntar: o que vê o PCB - e uso a sigla para me referir tanto ao velho, como ao novo - quando se olha no espelho? Em primeiro lugar, eu diria, um obstáculo: o espelho, pasmem, é opaco! Quero dizer que, enquanto coletivo, como já tinha apontado em outra tribuna, o partido tem certa dificuldade em ver as coisas "face a face". Seja por insuficiência ou por sabotagem, parece uma tarefa hercúlea obrigar o PCB a realizar um trabalho de profunda introspecção e entender o que é o PCB.

Passada a confusão, resolvido o enigma, o que segue é o espanto. Se, de um lado, temos (o que pensamos ser) um partido centenário, vigoroso e, apesar dos pesares, com relativa unidade ideológica ao redor de um programa comunista sólido, do outro, temos uma massa amorfa que mais lembra O Enigma de Outro Mundo do que qualquer outra coisa. Essa massa, conforme a inspecionamos, se revela uma mistura de pensamento revolucionário e de mitos e ideologia burguesa. Sem dúvida uma herança do antigo PCB, ainda não nos livramos inteiramente desse vício. Le mort saisit le vif! [O morto dá posse ao vivo].

Num exemplo concreto, voltemos nosso olhar às finanças. Muitos camaradas apontam, corretamente, para a importância da profissionalização e da construção de uma política robusta de finanças. Os efeitos do trabalho artesanal já foram discutidos ad nauseam em outras tribunas. Um elemento, no entanto, persiste: por influência da ideologia burguesa, nossa ideia de construir as finanças é, para voltar à analogia do espelho, uma espécie de reflexo deformado da assim chamada acumulação primitiva.

Explico: Marx, n’O Capital, conta como, no mito de fundação do capitalismo, uma “elite laboriosa” e “sobretudo parcimoniosa” teria, aos poucos, acumulado capital para seus negócios. Nada poderia estar mais longe da verdade! O processo de “acumulação primitiva” envolveu um nível de violência (na Europa e no Novo Mundo) nunca antes visto. Voltemos agora de nossa digressão histórica. O que diz o ABC de Finanças da UJC, documento que circula desde 2021, por trás de suas análises de mercado e considerações sobre investimentos? Exatamente a mesma coisa! Que, por meio do trabalho diligente dos núcleos, analisando possíveis vendas, criando perfis de consumidores e, por fim, vendendo seja lá o que for (entre os exemplos citados temos: camisetas, bottons, marmita vegana e barras de chocolate), finalmente acumularíamos dinheiro suficiente para, no melhor dos casos, partir para outras tarefas de finanças.

Creio ser desnecessário me deter muito no porquê disso ser absurdo. A não ser que encontremos algum manuscrito perdido com a receita de cookies que Lenin vendeu para financiar os bolcheviques, essa ideia de escalonar as vendas cai na velha mentira neoliberal de que todos são empreendedores.

Camaradas, não é por nada que os bolcheviques fizeram o famigerado assalto ao banco de Tíflis. Os tempos são outros e assaltar um banco, hoje, parece um tanto inviável, mas podemos aprender com a ousadia dos revolucionários russos. Chega de concentrar horas e horas em tarefas que mal conseguem financiar uma atividade que seja. Devemos pensar grande! Abrir gráficas, bares, cafés, criar carteiras de investimento e, em último caso, pensar em atividades no limiar da lei (ou até fora dela) para momentos de maior repressão. Como já disse anteriormente, é preciso ousar lutar para ousar vencer.