'O Paranismo vive e luta!' (Konrado)

O federalismo distorce a análise da realidade, retrasa a correção dos erros e a formação de quadros, freia nossa capacidade de intervenção concreta em tarefas nacionais, estimula desvios pequeno-burgueses em nossas fileiras, mina a camaradagem e corrói o centralismo-democrático.

'O Paranismo vive e luta!' (Konrado)
Frente à situação política de nosso partido nestes últimos dois meses, e sua notável falência múltipla de órgãos (partidários), os comunistas paranaenses conseguiram a façanha de reviver o paranismo.

Por Konrado para para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, inicio essa tribuna apontando a clara ironia em meu título, que talvez não esteja tão às claras para aqueles militantes distantes da realidade paranaense. Se pesquisarem pelo termo paranismo, encontrarão alusões a um movimento político-cultural da pequeno-burguesia do estado que, nas décadas de 20 e 30 do século passado, tentaram enraizar um sentimento de identidade própria ao Paraná, se diferenciando da cultura paulista e gaúcha. O movimento nunca tomou as massas da classe trabalhadora paranaense, e como conquista máxima desenhou incontáveis araucárias pelas calçadas de Curitiba e algumas outras cidades.

O que teria, portanto, este movimento a ver com o partido que se pretende vanguarda da classe trabalhadora brasileira rumo à revolução, pelo poder popular e o socialismo? Frente à situação política de nosso partido nestes últimos dois meses, e sua notável falência múltipla de órgãos (partidários), os comunistas paranaenses conseguiram a façanha de reviver o paranismo internamente, e encaminhar os rumos da luta de linhas partidárias tudo por aqui mesmo.

O federalismo é um dos problemas mais latentes em nossa crise partidária, produtor de tantas dores de cabeça que merece uma análise por si só em cada caso onde se manifesta, para que possamos em um futuro (espero que breve), superá-lo por completo e construir um partido verdadeiramente nacional. Afinal, é muito fácil apontar o dedo para partidos de tendências enquanto que ao mesmo tempo, dentro de nossas fileiras, cultivamos uma tendência por estado, cada uma com políticas avessas às demais, e que constantemente projeta falsos universais para dentro e para fora das divisas estatais.

O federalismo no caso paranaense, ao qual chamo desapegadamente de paranismo, tem muitas origens, como é o caso de todos os federalismos. Não pretendo aqui dissertar sobre todas as causas, pois isso certamente exigiria páginas e mais páginas de dissertação e um estudo histórico refinado, o que não estou disposto a tentar hoje pois está para além das minhas capacidades. Nestas linhas, o que pretendo é analisar as consequências do paranismo, partindo de duas esperanças: uma, que os próprios paranaenses absorvam criticamente os apontamentos aqui trazidos, e possam refletir os próximos passos da luta com mais sobriedade, e a segunda, que os militantes de todo o Brasil possam reconhecer semelhanças e diferenças nos seus próprios federalismos, para superarmos essa chaga que corrói nosso partido e fazer a revolução brasileira.

Mas ainda que eu não possa dissertar profundamente sobre todas as suas causas, vale a pena trazer algumas das que são mais frequentemente apontadas entre as análises dos próprios comunistas do Paraná: 1) o descaso completo, por parte do CC (e às vezes outras coordenações nacionais), da assistência ao estado ao longo de muitos anos; 2) a gravíssima falta de socialização dos acúmulos e experiências nacionais com a militância do estado; 3) as lacunas nos acúmulos sobre a realidade local e suas contradições com a realidade nacional; entre outros.

Antes de prosseguir, gostaria de apontar uma incongruência nas próprias causas. O primeiro ponto, sobre o descaso das assistências, é tão citado que parece que isso se aprende no primeiro dia de recrutamento, parte do beabá da militância. Esse ponto falha em tratar a relação de assistente e assistido como dialética, e bota o Paraná numa situação unilateral de vítima, pouco ou nunca articulando esse fato verdadeiríssimo com outra realidade interna: essa política de assistência nunca foi superada, e muito pouco foi criticada dentro do estado, isto é, nas assistências que estadualmente tocamos com a base.

Não quero aqui de maneira nenhuma apontar que esta crítica tão repetida seja inadequada: é justíssimo exigir mudanças por parte de nossos dirigentes, ainda mais num ponto tão crucial quanto a política de assistências e de direção. Mas que isso venha acompanhado de um exame crítico desta política como um todo, inclusive quando ela é aplicada por nós, visando uma superação política, algo que temos toda a capacidade de fazer. O papel da crítica, dentro da militância marxista-leninista não deve ser simplesmente apontar dedos, mas através do reconhecimento de um fenômeno e suas causas, buscar efetivar sua superação. Esboços de melhorias nas assistências estaduais para as instâncias de base sempre existiram a partir da iniciativa individual de militantes, e seus esforços e formulações nunca foram compilados e generalizados dentro das nossas fileiras, nem mostrados às nacionais por quaisquer meios (tribunas, cartas, balanços e planejamentos).

Quanto às demais causas, como afirmei, não irei me delongar: são apontamentos justos e que certamente podem ser complementados por outros; o cerne desta tribuna são as consequências. Alguns camaradas podem apontar que os problemas abaixo listados não são frutos exclusivamente do paranismo, o que não seria incorreto, mas é importantíssimo mostrar como esses desvios são gestados ou no mínimo agravados no seio de uma organização desconexa e desorientada.

TAREFISMO CEGO E QUEIMA DE MILITANTES

Um primeiro traço é o latente tarefismo em nossas fileiras, iniciados no fato que a socialização de acúmulos é nula por parte do partido e muito incipiente por parte das demais nacionais, agravado tanto pela falta interna de superação desse problema quanto por uma militância muito jovem na organização, fazendo com que os núcleos (e células e CBs) tenham que reinventar a roda em cada nova tarefa.

Isso tudo é tanto causador quanto consequência da falta de um planejamento sistemático de nossa atuação, mas ora camaradas, não sobraram exemplos de como fazer um planejamento para cada pasta de secretariado, digamos, nas tribunas do congresso da UJC? Terminado o congresso, munidos de inúmeros exemplos de sucesso em frentes de atuação análogas em outros estados, eu (estando na CR-UJC) não soube de um único caso de tentativa de contato com núcleos fora do Paraná, seja por vias oficiais ou extraoficiais. O contato informal entre os militantes, que em tantos outros estados alivia a falta de sistematização dos acúmulos por parte das direções, aqui inexiste pois os camaradas parece que ignoram a existência de outros estados, se apegando à tábua de salvação do burocratismo “por princípios” por rejeitar categoricamente o pecado do autonomismo. Deus me livre olhar para o lado! Tampouco houve retorno às tribunas por parte da imensa maioria dos militantes, parecia que o congresso evaporava ali e abraço.

Tendo todo dia que empreender esforços descomunais para dar conta de tarefas que poderiam ser e muito aliviadas por um planejamento e direcionamento adequado por parte das dirigências, tanto os espaços de base como as direções intermediárias do Paraná se encontram imersas em um tarefismo sem fim. Reiteradas tentativas de solucionar o tarefismo localmente se provam infrutíferas, apostando em balanços e replanejamentos mais curtos entre si, que quando muito aliviam os sintomas por um período em um ou outro núcleo, mas nunca enquanto política duradoura em nenhuma instância em nenhum coletivo em todo o estado.

Pior é quando desce uma tarefa de uma nacional, aí toma lugar um clima de aversão ao que foi descido, por estar atrapalhando o planejamento local de ser posto em prática. Quando a tarefa nacional é cumprida, é novamente em um ritmo frenético e desgastante.

Desse tarefismo decorre uma queima de militantes em escala industrial, com os militantes mais velhos estando acostumados a três ou quatro desligamentos por NB por ano, tratando isso como se fosse normal! São raros os casos em que isso é ligado a um debate sério sobre as causas políticas, e quando é, são apontados problemas locais, sem reflexão sobre a amplitude estadual e nacional destes vícios que destroem a vontade de militar de tanta gente.

GRUPISMO, AVERSÃO À POLÊMICA E COMPLEXO DE SUPERIORIDADE

Outro traço latente alimentado é o grupismo, ponto explicado magistralmente na tribuna 'Sobre fofocas e camaradagem… Uma carta a quem optou ficar' do camarada Thandryus Augusto:

Aí entra outro vício também grave: o grupismo. Em linhas gerais, o que estou chamando de grupismo nada mais é que a aproximação por semelhanças e não pela diferença. Esta aproximação pode se dar por interesses acadêmicos, convergências políticas, ou um identitarismo causado por militar em uma mesma organização. Assim, se estamos no mesmo grupo, nós devemos ser semelhantes; se surge uma diferença, as trincas e rachas vão se espalhando pelo grupo até pessoas serem excluídas. E aí elas são as piores pessoas do mundo, sempre tiveram as piores intenções, sempre foram falsas, fracionistas, liquidacionistas… Não é mesmo?
[…]

Percebam que o grupismo é o exato oposto da camaradagem. Enquanto o grupismo se aglutina pela semelhança para um mesmo objetivo, a camaradagem se aglutina pela diferença. Camaradas estão lado a lado, baseados em uma relação de confiança na unidade de ação, lutando juntos para atingir um determinado fim. Camaradas não precisam concordar, nem precisam ser amigas ou amigos. É possível que a amizade surja da camaradagem, sim, mas ambas devem ser independentes: o fim da camaradagem não deve implicar o fim da amizade nem vice-versa, nesses casos.

Com grupismo não existe possibilidade nenhuma de centralismo democrático porque a discordância é vista com maus olhares por quem recebe e a pessoa que discorda muitas vezes tem receio ou medo de apresentar a divergência de forma franca. Sem camaradagem não existe centralismo democrático porque não vai existir confiança quando a situação pegar fogo.

A falta de uma perspectiva nacional de polêmicas partidárias faz com que a unidade externa deva parecer inabalável até mesmo de um estado para o outro, e quando vêm à tona críticas duras e posições divergentes dentro de um mesmo estado, são tratadas como absurdo. Tive que ouvir de um delegado paranaense ao IX congresso da UJC que a falta de unidade na delegação do Rio Grande do Sul era muito feia, sinal de imaturidade política! Como se a maturidade fosse constantemente chegar a consensos, e os camaradas devessem guardar suas críticas em silêncio inclusive na etapa nacional do congresso…

Essa referência anedótica não está muito longe da posição que adotaram inúmeros camaradas aqui ao ver se desvelar a crise política atual de nosso partido e dizer que no ilibado Paraná não há jogo sujo na política partidária. Parece que haver ou não haver práticas rebaixadas vem apenas da moral de nossos militantes (ou de seu grau de formação!!!), e que este estado foi escolhido pelos deuses para estar limpinho e cheiroso na atual conjuntura. Essa perspectiva apaga da análise de que a forma como funcionamos nacionalmente, especialmente em nossas instâncias centrais, implica direta e indiretamente no moldar da vida interna partidária, isto é, que é a materialidade da estrutura partidária em toda sua articulação que primariamente molda a superestrutura da “cultura política”. Dar o peso reverso, e dizer que a nossa cultura política deve ser refinada e polida para que ela então reconstrua a estrutura, confere um papel de predominância nesta relação dialética que não é materialista!

Além disso, é claro, ela passa a falsa impressão de que no Paraná nunca houveram vícios de carreirismo e coleguismo, que nunca houve apadrinhamento de militantes por parte de dirigentes (ou se houve, por um relance sequer, foi muito energética e resolutamente corrigido!). Que os erros aqui cometidos foram por falta de experiência, pelo caráter ainda jovem de nossa militância recém se formando, como se essa formação se desse numa proveta isolada de fatores nacionais. Passa também a impressão de que se a gente conversar o suficiente chegaremos, através da nossa super-heróica capacidade política, de chegar a sínteses sobre democracia operária que outros estados não conseguiram.

A “terceira via” aqui, nutrida pelo paranismo, se coloca numa postura de superioridade moral absurda, onde os militantes acham infantis os métodos tocados para a disputa de linhas do partido em meio à crise. É desgostoso, para esses militantes, ver uma polêmica pública. O Brasil inteiro é infantil, maduro é o Paraná que conversa tudo bonitinho, por dentro das instâncias! Uma postura arrogante que sequer assume o lado político que toma. Todos os movimentos táticos que assumem quaisquer dos lados em disputa parece digno de reprovação, e jamais de serem olhados enquanto etapas lógicas em uma guerra ideológica, a partir de uma estratégia específica e táticas subsequentes. A luta de linhas dentro do PCB chegou no estágio de frações abertas se digladiando? Rebaixado! A UJC aderiu em peso à RR e está pressionando o partido? Infantil. O CC expurgou metade da UJC nacionalmente? Exagerado. Há abertura de tribunas de debate públicas? Desnecessário. Há intervenções em todas as instâncias que escreverem tribunas? Descabido…

IGNORANDO A REALIDADE NACIONAL, ETAPISMO NA TÁTICA E NAS TAREFAS

A decorrência principal do federalismo, talvez universal, é ignorar a dialética local-nacional. Pode se manifestar em ver as árvores sem ver a floresta, ver a floresta e esquecer das árvores, odiar a árvore alheia e glorificar a árvore própria, ou outras maneiras. No caso do RJ, por exemplo, vimos a nota da CR-UJC criticar São Paulo, mas reconhecer caminhos para a disputa no estado do Rio, ignorando todo o resto do país. No caso do Paraná, alguns militantes conseguem a proeza de reconhecer um incêndio de proporções catastróficas em todo o partido, mas juram que a árvore paranaense é imune ao fogo. É multiplicar a façanha fluminense por 26!

Isso se manifesta análises que se abismam com o que vem acontecendo na Bahia e Minas, mas não tomam qualquer lição disso. Veem o fenômeno se repetir, em escalas diferentes, em um monte de outros locais do país, e só consegue concluir “nossa, como é diferente o Paraná, as coisas aqui não são assim”. E em não havendo baixarias de nível-UJS na política interna aqui do estado, presumem que sim, seu ideal de partido, abstraído a partir do éter e de leituras distantes, pode ser sim materializado se a gente se esforçar o suficiente. O nível desse esforço, claro, tem divergências táticas aqui e acolá, uns enfrentam mais abertamente o CC, outros tecem críticas mais suaves e esperam poder reunir os camaradas para conversar bastante e sair com soluções (também abstraídas) pra aplicar nessa tal realidade.

Camaradas! Nosso partido iniciou sua reconstrução revolucionária de ‘92 com uma forte crítica ao etapismo para a revolução socialista, isso é inconteste. Mas coberto pelo véu do paranismo, muitos militantes daqui não conseguem ver que estão aplicando a mesma prática em suas proposições internas. Tomados do espírito do “veja bem, vamos nos reunir primeiro enquanto Paraná, apontamos os nossos problemas, e encontramos soluções internas, pra depois sairmos fortalecidos para entender e disputar os rumos do partido nacionalmente”, insiste-se ad nauseam em fortalecer a democracia interna. De qual centralismo democrático faz parte essa democracia interna camaradas? O do CR para com as bases paranaenses, mas não o do CC para com todas as bases do Brasil? Como funciona uma articulação centralização-democracia que vai só até a metade? Por que não exigimos publicamente para todo o país o fortalecimento da democracia interna na Bahia, em Minas, a reversão da expulsão sumária da nacional da UJC, de dezenas de células, CBs, NBs e militantes em todos os estados do país?

São propostas baterias de formação sobre os nossos acúmulos locais, escrita de cartas e sínteses de debates internos, ativos estaduais e tribunas internas do estado (!!!) para tentar buscar uma unidade completa e absoluta dos paranaenses que não é possível atingir. E não é possível, camaradas, por que os determinantes da crise não estão localizados no Paraná como se fosse uma ilha!  Eles são de todo o país, e o convencimento militante se dá a partir de elementos nacionais, e não com mais e mais localismos.

Não precisamos reinventar a roda no nosso estado, mas que nossos militantes dialoguem com a célula Volta Redonda e de Bauru, com todo o estado da Paraíba, Goiás e Amapá sobre a crise; basta de ficar numa punheta dialógica de conversar com meus mesmos camaradas de núcleo 3 vezes por semana para tentar apagar um incêndio que não começou aqui. Nós só iremos discutir a raiz comum de nossos problemas depois de todos forçosamente darem os mesmos passos de tartaruga? Isso não é o mesmo que reinventar, dentro do Paraná, a perspectiva do XVII congresso?

O federalismo distorce a análise da realidade, retrasa a correção dos erros e a formação de quadros, freia nossa capacidade de intervenção concreta em tarefas nacionais, estimula desvios pequeno-burgueses em nossas fileiras, mina a camaradagem e corrói o centralismo-democrático.  Ele engrandece o que é pequeno, e rejeita o que é grande, e faz os bons materialistas andarem em círculos. Que essa crítica não soe como um apontar de dedos para erros que todo paranaense comete, há valorosíssimos militantes aqui que raras vezes tropeçam no paranismo, não estão atolados até a cintura neste pântano. Mas enquanto existir pântano, devemos criticá-lo. E essa crítica passa, necessariamente, por debates nacionais, socialização de acúmulos nacionais, aprofundamento dos acúmulos sobre a realidade nacional, sob quais elementos do universal está nossa atuação particular sujeita.

É por todo o exposto camaradas que afirmo categoricamente: precisamos que o paranismo esteja morto e enterrado se queremos realmente construir um partido marxista leninista capaz de fazer a revolução brasileira. Do contrário, estaremos talvez construindo uma alternativa vermelha à política d’O Sul é Meu País.