'O Papel da Juventude. Resposta ao camarada P. Acácio' (Machado e Gabriel Tavares)

Agora que a UJC não precisa mais fazer o papel de todo o Partido, temos a oportunidade de avançar ainda mais na organização e mobilização da juventude por suas particularidades, em nos enraizar de forma profunda nas lutas da juventude e em suas organizações.

'O Papel da Juventude. Resposta ao camarada P. Acácio' (Machado e Gabriel Tavares)
"Vamos recuar nessa luta política e entregar a organização revolucionária da juventude proletária brasileira nas mãos dos oportunistas do CC, que a reivindicam como sua “marca registrada”?"

Por Machado e Gabriel Tavares para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

O camarada Acácio apresentou uma visão de que a UJC deveria ser dissolvida no próximo Congresso. Saudamos o camarada por ter trazido o debate de forma aberta, mas cremos que a posição é bastante prejudicial ao nosso Partido e ao desenvolvimento do movimento revolucionário no Brasil.

Acreditamos que essa visão subestima as particularidades do trabalho de juventude e sua função enquanto escola de quadros. Não podemos, em um período que nos debruçamos em nossos desvios e debilidades, cair no erro de acreditar que tudo deve ser dissolvido e começarmos do zero, principalmente quando falamos de nossos organismos e seu funcionamento. A organização não deve preceder a política. A organização deve estar submetida à política - e, hoje, ainda existem razões políticas para o trabalho de juventude ser organizado de forma autônoma ao Partido.

Concordamos com o camarada que é incorreto termos trabalhos duplicados (o que é facilmente corrigível) e que também não é uma situação de normalidade quando a juventude se encontra mais bem estruturada e ativa do que o Partido. Porém, nenhuma das situações exige que se dissolva a juventude – pelo contrário, justamente os avanços organizativos e políticos fazem, no mínimo, temerária a iniciativa de uma ampla reorganização desse trabalho.

A duplicidade dos trabalhos pode ser facilmente corrigida através de um trabalho conjunto entre os organismos dirigentes do Partido e da Juventude, delimitando quais trabalhos devem ser organizados em núcleos da juventude e quais trabalhos devem ser organizados nas células do Partido. Além disso, é importante que as e os camaradas mais experientes da juventude, que estão nas instâncias de direção da UJC e também do PCB-RR priorizem sua atuação no Partido, de forma a contribuir na reorganização do trabalho e permitam que novos quadros se formem na juventude. Não há grandes problemas se isso não for nacionalmente padronizado, de início. Em alguns lugares, já existem comissões “mistas” de trabalho, que, ainda que experimentais, são um passo importante para avaliarmos as estruturas organizativas mais adequadas. Precisamos aprender com a experiência para permitir que isso seja feito da melhor maneira em um próximo momento.

Por outro lado, é certo que existem muitos quadros e acúmulos avançados na UJC que podem ser aproveitados pelas instâncias do Partido. Porém, isso pode ser feito (e já deveria ser feito com maior frequência) através da transferência de instâncias e de um contato mais amplo e frequente entre Partido e Juventude em cada local. Porém, a integração de toda a militância da Juventude no Partido, além de não resolver qualquer problema e gerar uma enorme demanda de reorganização, exige também que o Partido se debruce a dirigir diretamente diversos trabalhos particulares da juventude (como o ME Universitário), o que na prática ou manteria os ótimos quadros da juventude transferidos preocupados com as mesmas questões tocadas pela juventude e com dificuldade de centrar esforços em trabalhos muito mais centrais, ou enfraqueceria a nossa atuação em um dos espaços que mais temos avanços. Na prática, teremos Comitês intermediários ainda mais inchados e mais sobrecarregados de demandas.

Porém, mesmo que não houvessem esses entraves, seguiria havendo um amplo prejuízo na dissolução da Juventude, pois há uma necessidade preemente de que organizemos, de forma especializada, as particularidades dos movimentos de Juventude.

Existem categorias de trabalho e movimentos específicos (estudantis, culturais) que são exclusivos ou quase exclusivos da Juventude. A Juventude é uma das categorias mais amplas e mais agressivamente exploradas da sociedade capitalista, e há mais de um século as organizações de Juventude agem com autonomia perante os Partidos não apenas porque foram organizadas assim, mas especialmente porque as particularidades dos movimentos nas quais estão inseridas, em geral, permite essa iniciativa própria ampla e privilegia essa forma de organização. Apesar das particularidades de nossa situação perante o Partido, é de especial interesse verificar as soluções que a UJC vem estruturando em movimentos dos mais diversos da juventude e, mesmo que estivéssemos em situação de normalidade com o Partido, acredito que diversos desses avanços seguiriam surgindo com antecedência na Juventude. E é especialmente através de uma estrutura própria que organiza e debate fundamentalmente esse setor amplo, mas particular, da sociedade, que conseguimos construir acúmulos nacionais tão amplos (mesmo que, ainda, extremamente insuficientes perante nossas tarefas).

Agora que nos afastamos da confusão organizativa propalada pelos quadros do PCB-CC, agora que a UJC não precisa mais fazer o papel de todo o Partido, temos a oportunidade de avançar ainda mais na organização e mobilização da juventude por suas particularidades, em nos enraizar de forma profunda nas lutas da juventude e em suas organizações.

Mas, até mais importante do que a organização dos movimentos particulares de Juventude, é o caráter da Juventude Comunista enquanto escola de quadros. O próprio camarada, ao identificar essa dinâmica de formação de quadros da juventude, compreende que, mesmo contra diversas adversidades, a Juventude foi um espaço fundamental de formação de uma nova geração de quadros dirigentes comunistas, com ampla experiência de trabalho político e organizativo.

Ganharíamos algo ao dissolver essa organização que permitiu a formação desses quadros e serviu como uma reserva revolucionária contra o oportunismo mais rasteiro da ala direita de nosso movimento?[1] Para além disso - e também por conta disso -, ao contrário de outros coletivos partidários, a UJC aderiu ao chamado da realização do XVII Congresso e do aprofundamento da Reconstrução Revolucionária praticamente em bloco. Vamos recuar nessa luta política e entregar a organização revolucionária da juventude proletária brasileira nas mãos dos oportunistas do CC, que a reivindicam como sua “marca registrada”?

Ora, essa formação de quadros e esse processo só foi possível porque havia uma estrutura paralela, uma organização com suas próprias Coordenações Nacional e intermediárias. É justamente por conta dessa autonomia organizativa das Juventudes que elas se conformam enquanto um excelente laboratório de métodos de ação, organização e direção, e também um espaço de delegação de responsabilidades que permite a formação de quadros dirigentes em diversos níveis, sem simultaneamente inflar os organismos dirigentes do Partido de quadros com menor experiência. Abrir mão de uma juventude partidária é abrir mão de um organismo historicamente inventivo e formulador, capaz de oxigenar o Partido com suas novas respostas a problemas comuns.

Por isso, quando a Internacional Comunista discutiu o papel das Juventudes Comunistas, no Terceiro Congresso Internacional, o Plenário acatou por unanimidade a resolução que submetia politicamente as juventudes aos Partidos, mas garantia sua plena autonomia organizativa e a possibilidade de discutir (inclusive em seus jornais) todas as questões políticas e organizativas do movimento comunista em seu país, inclusive proferindo opiniões divergentes de seus Partidos[2]. É legítima e louvável, portanto, como já se desenha para o nosso XVII Congresso, a participação da juventude nas deliberações congressuais partidárias, pois reconhece nosso papel na construção cotidiana e não como “não militantes[3]”.

Nos últimos meses, o PCB havia “deixado de lado” a compreensão da UJC enquanto escola de quadros. Em alguns locais, disputava as mesmas bases e recrutamentos com a UJC, algumas vezes até menosprezando o trabalho tocado pela juventude. Mas devemos retomar esse papel preparador para o Partido, que se fortalece com a entrada de militantes experientes na luta de classes. Afinal, é essa estrutura própria e a possibilidade de dirigir um trabalho particular, experimentando novos métodos de trabalho, que permite à juventude ser essa ampla escola de formação. E, nesse momento, o que mais precisamos é dessa ampla formação de quadros. Devemos esperar e lutar para que, em breve, nossas fileiras, na Juventude E no Partido, estejam cheias de novos adeptos que precisarão de uma direção firme e experimentada, mas também criativa, capaz de estruturar e dirigir nossa organização nesse contexto, em todos os níveis (local, regional, nacional). E a Juventude será uma estrutura fundamental para cultivar esses novos quadros que, em breve, reforçarão com ainda mais habilidade as estruturas do Partido.

Essa defesa, claro, não quer dizer que não precisamos de ações imediatas. Parece-nos que é fundamental que haja, desde já, uma transferência dos melhores quadros da Juventude para o Partido, de forma organizada, o que tanto será proveitoso para os novos trabalhos e as novas tarefas de nosso Partido, bem como para reconstruir o que perdemos. Mas, além disso, também a Juventude pode se beneficiar de uma transferência de quadros, de uma nova distribuição de competências nas instâncias superiores e intermediárias, e inclusive em determinados Núcleos.

Por fim, é essencial, também, estabelecer uma delimitação maior dos trabalhos da Juventude e um contato ainda mais frequente e direto entre Juventude e Partido em todos os níveis de trabalho. O III Congresso da IC recomendou para isso a representação mútua em todos os níveis, ou seja, tanto manter a forma de contato que temos hoje, de Secretários de Juventude (os quais “assistem” as Coordenações da Juventude), mas também da participação de militantes da Juventude nos Comitês respectivos[4] (no PCTE, o Secretário Político do CJC têm participação garantida nos Comitês respectivos do Partido). Também, e especialmente nas bases, é essencial especializar os trabalhos de cada organismo e suas Frentes de atuação, e proceder com a transferência de trabalhos que poderiam ser Partidários para o Partido, e trabalhos que poderiam ser da Juventude para a UJC, bem como evitar, ao máximo, a dupla militância em Núcleos da UJC e Células partidárias - afinal, se todos são entendidos como membros do Partido, entrar em uma célula não é mais o que garante direitos políticos para debater as questões partidárias e se permite dedicação exclusiva à sua instância.

Com essas pequenas reformas, que não precisam esperar o Congresso mas podem ser feitas imediatamente, em cada localidade, pelo contato entre CLs e CRs do Partido e da Juventude, podemos especializar nosso trabalho, controlá-lo com maior precisão, e garantir que não haja duplicação dos trabalhos ou das discussões, nem falta de unidade política em cada local (muito menos o atropelo de uma instância por outra, o que só pode prejudicar ambos os trabalhos).


[1] Destacamos aqui que não queremos, neste texto, sacralizar o papel da UJC, mas pontuar que, no balanço geral, há uma tendência positiva em contraste com os desvios oportunistas que flagelaram as direções do PCB-CC.

[2] https://www.marxists.org/portugues/tematica/1921/07/12.htm
“O abandono de sua independência política não significa a abnegação total de sua independência orgânica, que é preciso conservar por razões de educação.”

Essa era a fórmula original da autonomia relativa, que os ideólogos do CC confundiram com submissão completa – erro que lhes custou caro.

Destacamos que a tradução em português usa termos ambíguos e distorce parte do sentido dessa resolução e das discussões, especialmente no que tange à liberdade de discussão, então recomendamos que os camaradas mais interessados vão atrás da versão em inglês e das atas desse Congresso:  https://www.marxists.org/history/international/comintern/3rd-congress/youth.htm

[3] Conferir o “Comunicado do Secretário Geral do PCB sobre os ataques públicos ao Partido”, publicado em 21 de julho de 2023.

[4] "7) A colaboração política estreita entre as juventudes e os Partidos Comunistas deve encontrar sua expressão numa ligação orgânica sólida entre as duas organizações. É absolutamente necessária uma troca permanente e recíproca de representantes entre os órgão dirigentes das juventudes e dos partidos em todos os escalões: província, periferia, cantão e núcleos, nos grupos de usinas e nos sindicatos, assim como a participação mútua em todas as conferências e congressos. Desta maneira, o Partido Comunista terá a possibilidade de exercer uma influência contínua sobre a atividade da juventude e sustentá-la enquanto essa poderá, igualmente, ter uma influência real sobre a atividade do partido." (Resoluções do III Congresso Mundial)