O Novo Teto de Gastos é incompatível com os objetivos do Plano Nacional de Educação 2024-2034

O balanço realizado em 2023 revelou que apenas 15% das metas foram parcialmente cumpridas, enquanto 85% não foram atingidas, com 13% em retrocesso. Além disso, 35% das metas têm lacunas de dados do último período.

O Novo Teto de Gastos é incompatível com os objetivos do Plano Nacional de Educação 2024-2034
Foto: UNE/Divulgação

Por Redação

O Plano Nacional de Educação (PNE) é um documento orientador das políticas educacionais do Brasil para a próxima década. Instituído em 2014, o PNE anterior estabeleceu 20 metas a serem alcançadas em dez anos, visando elevar a qualidade da educação no país, desde a educação infantil até o ensino superior. Contudo, o balanço realizado em 2023 revelou que apenas 15% das metas foram parcialmente cumpridas, enquanto 85% não foram atingidas, com 13% em retrocesso. Além disso, 35% das metas têm lacunas de dados do último período.

Entre as metas não cumpridas estão a meta 10, que previa 25% de matrículas de Educação de Jovens e Adultos integradas à educação profissionalizante, a meta 15, referente à formação dos profissionais de educação conforme a Lei de Diretrizes e Bases, e a meta 12, que visava alcançar 50% da população entre 18 e 24 anos com ensino superior completo. Atualmente, esse índice está em torno de 40% e dificilmente atingirá o esperado, considerando os baixos índices anteriores.

Ainda mais preocupantes são as metas em retrocesso, como a meta 2, que buscava universalizar o acesso ao ensino fundamental, com 95% das crianças concluindo o ciclo na idade adequada. Antes da pandemia, essa meta já não havia sido atingida e, com a crise, o índice caiu ainda mais. O número de crianças fora da escola dobrou de 2020 para 2021, chegando a 1,072 milhão, mantendo-se estável até hoje.

Entre as metas parcialmente cumpridas estão aquelas que já apresentavam avanços consideráveis no ano de aprovação da lei, como a meta 16, que buscava a formação de 50% dos professores da educação básica em cursos de pós-graduação.

Diante da impossibilidade de cumprir as metas estabelecidas em 2014, o PNE de 2024 repete, em sua maioria, as mesmas metas do Plano anterior, com ajustes percentuais modestos, incluindo aquelas não atingidas no período passado. No entanto, adota estratégias que favorecem a transferência de recursos públicos para o setor privado, fortalecendo a burguesia da educação e ampliando as desigualdades. Isso é evidente nas metas que tratam do tempo de escolaridade (Meta 7), redução do analfabetismo (Meta 8) e aumento das matrículas no ensino superior (Meta 10). As estratégias incluem parcerias com o setor privado para formação técnica e incentivo ao Ensino à Distância para expandir matrículas no ensino superior, em conformidade com o Novo Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular. Além disso, o modelo econômico vigente, baseado na austeridade fiscal e no Novo Teto de Gastos, dificulta o investimento público de qualidade, principalmente nas metas que priorizam a expansão de vagas na educação básica, nível médio profissionalizante e superior, reforçando a necessidade de parcerias público-privadas na educação brasileira.

O Arcabouço Fiscal e os cortes na educação e na ciência

O balanço do PNE 2014-2024 deve considerar o desmonte sistemático da educação, iniciado ao menos desde 2015. O orçamento de 2024 para ensino superior e desenvolvimento científico (universidades federais e Capes) é de apenas R$19,07 bilhões, menos da metade do valor de 2014. Mesmo com cortes, as universidades federais ainda são responsáveis por mais de 50% da produção científica do país. Houve também aumento no número de alunos e mudança no perfil socioeconômico dos ingressantes, exigindo mais recursos para programas de permanência estudantil.

Recentemente, o Novo Teto de Gastos, ou Arcabouço Fiscal – política de austeridade proposta pelo Ministério da Fazenda de Lula –, tem justificado a manutenção dos valores dos governos Temer e Bolsonaro. Ao impor limites aos gastos públicos, o arcabouço não apenas restringe o crescimento dos investimentos em educação, como legitima a redistribuição regressiva dos recursos, favorecendo o setor financeiro e interesses privados em detrimento da educação pública. Isso reflete nas estratégias das metas 7, 8 e 10 do novo PNE 2024, que incluem a participação do setor privado.

A redução do orçamento impacta não apenas as universidades e a produção científica, mas também a formação de professores e a qualidade da educação básica, criando um ciclo que compromete o futuro educacional do país. A expansão de vagas na educação básica (Meta 1) é inviabilizada, enquanto cortes impedem a construção e ampliação de creches e escolas, além da melhoria da infraestrutura escolar (estratégias das metas 1 e 2). A  universalização do acesso à educação básica com ênfase para população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (meta 4) é deixada em segundo plano, pois sem recursos, torna-se inviável a garantia de acessibilidade, formação de professores para educação especial, e materiais didáticos acessíveis (estratégias da Meta 4).

Assim, as políticas de austeridade não são apenas uma contenção de despesas, mas uma escolha que privilegia o capital em detrimento do desenvolvimento social e da democratização do conhecimento. Embora o governo federal defenda a austeridade como necessária para o equilíbrio fiscal, na prática, essa política inviabiliza um sistema educacional de qualidade e perpetua a exclusão que marca a história do Brasil.

As PPPs nas estratégias do PNE 2024-2034

As Parcerias Público-Privadas (PPPs), longe de serem uma solução para os problemas estruturais da educação no Brasil, representam uma forma disfarçada de privatização. Ao envolver o setor privado na construção e gestão de escolas e na capacitação de professores, o governo transfere sua responsabilidade de garantir uma educação pública e universal para grandes corporações que tratam a educação como mercadoria, não como direito. Essas empresas, em vez de promoverem a equidade educacional, excluem os filhos da classe trabalhadora de uma educação mínima, fomentam a precarização do serviço educacional e criam profissionais voltados para uma perspectiva empreendedora do trabalho, já que o atual modelo econômico não é capaz de gerar empregos.

No caso de metas como a universalização da educação infantil (Meta 1) e a ampliação da educação em tempo integral (Meta 19), a participação do setor privado entrega espaços de ensino a empresas que impõem uma visão mercadológica desde a educação básica. Em vez de expandir o acesso de forma justa, as PPPs aprofundam as desigualdades regionais e sociais, oferecendo infraestrutura deficiente e serviços de baixa qualidade.

Programas como o FIES e o ProUni, apresentados como soluções inclusivas para o acesso à educação superior, na prática, transferem recursos públicos para o setor privado. Em vez de investir na expansão e melhoria das universidades públicas, o governo subsidia mensalidades em instituições privadas, muitas das quais são monopólios educacionais que lucram com o financiamento governamental. As matrículas públicas no ensino superior somam apenas 27%, enquanto as privadas representam 73%, segundo o Censo da Educação Superior de 2022. Esses programas competem com o financiamento do ensino público e, devido ao alto número de matrículas, impedem uma mudança de prioridades, aprofundando a dependência do setor público em relação a esses conglomerados.

O Ensino à Distância: precarização do ensino e do trabalho

A estratégia para cumprir a meta 10 envolve incentivar a educação a distância (EaD) para ampliar o acesso ao ensino superior. A pandemia de Covid-19 acelerou a transformação digital, projeto em desenvolvimento desde 2017 pelas grandes corporações do setor educacional. Com a crise sanitária, as aulas presenciais foram rapidamente substituídas por modalidades online, um processo já em andamento. Em 2019, antes mesmo da pandemia, o Ministério da Educação autorizou que até 40% das disciplinas de graduação presenciais fossem ofertadas em EaD, dobrando o percentual anterior. Esse modelo, que transforma o aluno em um "autodidata guiado", minimiza ou elimina a presença direta do docente, tornando a figura do professor quase dispensável. Isso permite a criação de turmas maiores e a reprodução indefinida de aulas gravadas, facilitando a matrícula de novos estudantes sem aumentar os custos com professores ou infraestrutura. Como política do novo PNE, esse modelo tem o potencial de enriquecer a burguesia educacional, ao maximizar lucros com a redução de investimentos em recursos humanos.

As grandes empresas do setor adaptaram rapidamente suas operações para explorar o potencial do EaD. Em vez de priorizar o ensino de qualidade, a pesquisa e a extensão universitária – pilares de uma educação superior robusta –, essas instituições focaram em estratégias financeiras para atrair investidores. Com o aval do Estado, a educação passou a ser vista como uma mercadoria a ser explorada no mercado. O setor privado da educação, comandado por especialistas em gestão e negócios, consolidou sua posição dominante, transformando a maior companhia educacional do Brasil em uma gigante do mercado.

A necessidade de um sistema público

O modelo adotado pelo governo para o Plano Nacional de Educação 2024-2034 continua a alimentar a lucrativa burguesia educacional, aprofundando o processo que tornou esse setor um dos maiores empreendimentos do país. A dependência de PPPs e programas como o FIES e o ProUni não resolve os problemas estruturais da educação, mas os transfere ao setor privado. O aumento do EaD para cumprir a meta de elevar matrículas no ensino superior apenas favorece os lucros desses grupos empresariais sob o pretexto de expansão educacional. Para que as metas do PNE 2024-2034 sejam realmente inclusivas e equitativas, o Estado deve assumir seu papel central na educação, investindo em infraestrutura pública, na valorização dos profissionais e na expansão das universidades federais e estaduais – investimento que não cabe no Novo Teto de Gastos.