O “Novo Pré-Sal” na Foz do Amazonas: Riqueza estratégica ou ameaça ambiental?

A Petrobras tem manifestado interesse crescente na exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas na Foz do Amazonas. No entanto, o empreendimento pode afetar irreversivelmente ricos ecossistemas únicos no mundo e várias comunidades locais.

O “Novo Pré-Sal” na Foz do Amazonas: Riqueza estratégica ou ameaça ambiental?
Exploração de petróleo na costa da Guiana Francesa. Reprodução: Cambio16.

Por Redação

A Petrobras, como empresa estatal e maior produtora de petróleo do país, vem demonstrando crescente interesse na Margem Equatorial. Contudo, em maio de 2023, o Ibama negou a licença para a estatal perfurar um poço exploratório no litoral do Amapá, dentro da bacia da Foz do Amazonas. A autarquia apontou preocupações ambientais e a necessidade de um plano de contingência mais robusto, especialmente em relação a potenciais vazamentos de óleo que poderiam afetar territórios vizinhos e áreas sensíveis.

O histórico da região

A  Margem Equatorial – que engloba as bacias sedimentares da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar – vem sendo alvo de estudos geológicos para extração de hidrocarbonetos desde a década de 1970. Até 1980 a exploração foi restrita às águas rasas e dominada pelas gigantes internacionais Shell, Elf-Agip e BP que já perfuraram trinta e três poços de um total de noventa e cinco exploratórios. No entanto, limitações tecnológicas e o foco em outras regiões produtoras, como as bacias de Campos e Santos, retardaram investimentos significativos na área.

Em 2011, uma primeira tentativa de perfuração na área foi frustrada por fortes correntes marítimas que desviaram o navio-sonda da Petrobras. Mesmo assim, avanços em tecnologias de exploração em águas profundas e ultraprofundas, aliados a preços favoráveis do petróleo, renovaram o interesse pela Margem Equatorial.

A 11ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizada em 2013, atraiu grandes empresas internacionais do setor, como a britânica BP Energy e a francesa TotalEnergies. Esta última, já detendo 40% das ações, assumiria a responsabilidade pelas operações de sondagem e exploração, consolidando sua participação no projeto.

 A descoberta do “novo pré-sal” da região da Foz do Amazonas surgiu quando estudos sísmicos apontaram a presença de grandes volumes de petróleo na Margem Equatorial brasileira, e o interesse na região foi alavancado em 2015, quando a gigante ExxonMobil anunciou a perfuração e descoberta de significativas jazidas petrolíferas na Guiana, próximo da margem equatorial brasileira.

O Ibama negou a licença ambiental para a TotalEnergies realizar perfurações exploratórias na Foz do Amazonas em 2018, por insuficiências nos estudos de impacto ambiental e riscos não mitigados adequadamente. Junto a isso, a descoberta de corais únicos na região mobilizou uma luta contra os interesses predatórios. Após uma segunda negativa do Ibama, em 2019, a empresa francesa decidiu vender sua participação para a Petrobras, anunciado em setembro de 2020. Desde então, a Petrobras controla 70% do consórcio.

Quem defende a exploração?

A ofensiva para explorar o pré-sal na Foz do Amazonas também se relaciona com a crescente desnacionalização dos recursos energéticos brasileiros. Nos leilões realizados em dezembro de 2023 pela ANP, a participação estrangeira foi significativa, com seis empresas internacionais arrematando blocos, incluindo a britânica Shell e a estadunidense Chevron.

Paralelamente, há uma movimentação de grupos ruralistas que buscam flexibilizar as regulamentações ambientais. Alguns projetos que fazem parte do "Pacote da Destruição" foram apresentados no parlamento. Destaca-se o PL 2159/2021, que já foi aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado. Esse projeto pode transformar o licenciamento ambiental de regra a exceção, permitindo que empresas façam autodeclarações, o que poderia resultar em danos ambientais significativos sem a devida avaliação.

Os ruralistas também pressionam o Ministério do Meio Ambiente para facilitar empreendimentos que podem impactar ecossistemas sensíveis, não apenas na Amazônia, mas em todo o território nacional. A exploração de petróleo na Foz do Amazonas também é apoiada por políticos ruralistas, um deles, o  latifundiário e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

O interesse de explorar petróleo na Foz do Amazonas é apoiado pelo  próprio governo Lula-Alckmin, que segue reafirmando seu objetivo mesmo após a rejeição por parte do Ibama. Em junho deste ano, o presidente Lula falou em entrevista de rádio que: “Nós vamos explorar a Margem Equatorial (…) agora, quando a gente fala Margem Equatorial, o pessoal fala ‘mas é perto da amazônia…’ é o seguinte: é 575 km da margem do amazonas, 575 km, ou seja como uma distância enorme e a gente vai fazer isso, primeiro certificar e depois se a gente for explorar, como vai explorar e quais são os cuidados que nós temos que ter…”.

A Petrobras pretende reapresentar o projeto ao Ibama com o objetivo de obter o licenciamento para realizar atividades de prospecção e exploração nos blocos da Bacia do Amazonas.

Quais seriam os impactos?

Os impactos causados pela atividade petrolífera podem ocorrer tanto pelo vazamento de óleo quanto pela movimentação de pessoas, barcos e aeronaves.

Quatro povos indígenas em três territórios demarcados podem ser diretamente impactados pelos empreendimentos na área, como a construção de um aeroporto. Não só a frequente passagem de aeronaves sobre terras indígenas preocupa o Ibama, como também o empreendimento prevê a transferência de um lixão para próximo de uma Terra Indígena. Até agora, os Karipuna, Palikur-Aruk Wayne, Galibi Marworno e Galibi Kaliña, não puderam dialogar com a Petrobras para discutir ou mitigar possíveis impactos.

Um ecossistema rico e único que também pode ser afetado por esta exploração de petróleo são os recifes de corais localizados a 120 metros de profundidade. Eles se estendem por quase 10 mil quilômetros quadrados na costa do Maranhão até a Guiana Francesa, e estão a poucos quilômetros do local onde a Petrobras deseja perfurar. Outro delicado ecossistema ameaçado são os manguezais da região do Amapá, Pará e Maranhão, os quais  correspondem a 80% da cobertura de manguezais do país.

As contradições entre Funai e Governo

Ao negar o pedido de licenciamento ambiental, o Ibama solicitou a manifestação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sobre os impactos do tráfego de aeronaves na região. Em resposta, a Advocacia-Geral da União (AGU) indica que não há necessidade de verificar o impacto, pois seria "uma etapa procedimental não prevista na norma” e que isso poderia gerar atraso no licenciamento, mas também “risco ao programa energético brasileiro de matriz não renovável".

Em parecer anterior, publicado em agosto de 2023, a AGU se manifestou sobre outro ponto invocado pelo Ibama para o indeferimento do licenciamento ambiental para a perfuração do bloco FZA-M-59. Nesse parecer, a AGU conclui que a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não é indispensável e tampouco pode obstar a realização de licenciamento ambiental de empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural no país.

A Petrobras, após adquirir direitos sobre blocos nessa região em 2013, tenta obter as licenças para exploração do bloco FZA-M-59. No entanto, o Ibama indeferiu o pedido, citando, entre outros pontos, a falta de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e preocupações sobre o impacto de sobrevoos sobre comunidades indígenas, além de questões de resposta rápida a vazamentos de óleo que poderiam afetar a fauna local.

A AGU argumenta que a AAAS, criada em 2012, não deve ser utilizada como barreira para o licenciamento ambiental, considerando-a apenas uma avaliação geral e não obrigatória para a concessão de licenças específicas​. Além disso, a AGU contestou a relevância de reavaliar o impacto do tráfego aéreo sobre comunidades indígenas, alegando que o aeródromo envolvido já foi licenciado pelas autoridades estaduais competentes​. Em ambos os casos, a AGU usa do juspositivismo barato para fazer valer o interesse internacional sobre questões sociais e ambientais brasileiras. A CGU/AGU realizou uma Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal com o Ibama onde não se chegou a um acordo. Até o momento, o processo ainda está longe de um desfecho.