O lugar dos trabalhadores no Partido Comunista
Ao se naturalizar a tese de que “o Partido é para aqueles que têm tempo livre”, o resultado objetivo é a prevalência completa da pequena-burguesia nas organizações partidárias, é manter a direção forrada de intelectuais universitários que possuem tempo para atuar
Por Machado
Recentemente, a Fração do PCB que permaneceu sob direção do antigo CC (PCB-CC), através da Célula do ABC, publicou um texto (em conjunto com a página do Comitê Regional-CC) que, se não surpreende pela sua concepção equivocada do trabalho partidário, deve ser parabenizada pela honestidade de demonstrar em linhas gerais as fórmulas de pensamento da fração que permaneceu com a legenda jurídica do Partido.
O texto, intitulado “O Partido e a importância de seus amigos e simpatizantes”1, começa muito bem, descrevendo corretamente a importância de se delimitar quem são militantes do Partido e quem são simpatizantes, membros exteriores ao Partido. É certo que nós, dissidentes, também não discordamos disso, que é um dos fundamentos do leninismo: são membros do Partido, entre outras coisas, apenas aqueles que trabalham em um de seus organismos. Porém, fato é que organismos como a UJC eram compostos integralmente de comunistas com atuação orgânica em suas organizações e consciência elevada. Não tem nenhuma relação com o leninismo negar a esses militantes (que em número e organização já ultrapassavam o Partido no estado) os direitos políticos de um militante comunista, querendo exigir apenas os deveres.
Logo em seguida, os companheiros do ABC chegam à inevitável pergunta: “Onde estão os amigos e simpatizantes do Partido?”, ao que respondem, sem nenhum pudor, discorrendo sobre as difíceis condições da classe trabalhadora no Brasil:
“É preciso entender que a luta de classes, e suas particularidades, impõe condições diferentes para distintos setores da classe trabalhadora, a partir de intersecções de gênero, raça e classe. Essas condições, como a alta carga horária de trabalho, a jornada dupla de trabalho, a falta de equipamentos públicos para a gestão do trabalho reprodutivo, entre outras questões, muitas vezes, impedem a organização à luta das pessoas que entendem a necessidade de organizar o caminho para a construção da revolução brasileira.
A população mais afetada por essa dinâmica são as trabalhadoras negras.
Essas condições refletem sobre quem compõe as fileiras do partido. (...)”
Ora companheiros, é bastante sintomático quando sua organização quer descrever aqueles que não podem ser militantes de seu Partido, e descrevem justamente a classe trabalhadora brasileira. Mas foi, certamente, uma descrição bem honesta, pois apresenta concretamente a política pequeno-burguesa de organização do seu Partido.
Afinal, ao invés de avaliar criticamente um Partido cujas condições de militância são inacessíveis à classe trabalhadora, cuja falta de estrutura, profissionalização e organização impedem que o Partido organize a classe e que seus elementos mais conscientes estejam nas organizações do Partido, os membros do PCB-CC naturalizam essa militância impossível e dizem: “em nosso Partido só cabem aqueles que possuem tempo livre”. Aos trabalhadores conscientes (em especial as mulheres negras), permitem apenas que sejam “amigos e simpatizantes”, que contribuam financeiramente com sua política, mas jamais que estejam em seus espaços de discussão e deliberação, jamais que possam trazer à atenção prioritária do Partido suas pautas e suas ideias de organização em cada local de trabalho.
Isso, certamente, é o mais profundo antileninismo. Se é certo que alguns trabalhadores de fato não possuem tempo para se organizar politicamente, o papel de um Partido Comunista é organizar mais amplamente quantos trabalhadores conscientes quanto possível, e é criar internamente as condições para isso, assegurando a especialização e profissionalização da militância, a organização de um fluxo comunicacional correto, a formação de bons quadros e comitês dirigentes e, mais do que tudo, garantindo a possibilidade material de organizar sua militância em seu próprio local de trabalho, acumulando experiências na luta sindical, estruturando uma política de indicações que permita que camaradas demitidos por perseguição política encontrem outro emprego rapidamente, uma política de auxílio financeiro aos militantes desempregados (Socorro Vermelho) e, por fim, garantindo que, quando necessário, “liberaremos” estes militantes para dedicar-se exclusivamente ao trabalho revolucionário.
Sem isso, ao se naturalizar a tese de que “o Partido é para aqueles que têm tempo livre”, o resultado objetivo é a prevalência completa da pequena-burguesia nas organizações partidárias, é manter a direção forrada de intelectuais universitários que possuem tempo para atuar em múltiplas instâncias diferentes da organização, é manter a prevalência de células “genéricas” que discutem mil lutas e não executam quase nenhuma. E é manter, claro, a linha política partidária sob rígido controle da pequena-burguesia, que é a única que mantém dos direitos de deliberar internamente na organização.
Também por essa política de organização nós nos separamos dos organismos dirigentes, tomados pela Fração antileninista, e estamos construindo o XVII Congresso do Partido Comunista Brasileiro, em Reconstrução Revolucionária. Já em nossas Pré-Teses ao Congresso, apesar de haver espaço para amplas divergências, apresentamos uma Resolução de Organização bastante completa e que indica a prevalência da organização nos locais de trabalho, adota a especialização e a profissionalização como princípios da militância comunista e garante que nenhum militante seja obrigado a participar de múltiplas instâncias e organismos do Partido, podendo atuar exclusivamente em organismos de direção sem precisar se manter formalmente em uma célula de base, garantindo que trabalhadores também possam ser eleitos para os organismos de direção e não precisem de excessivo tempo livre para participar de reuniões em 3 ou 4 instâncias distintas. Essas propostas, ainda que insuficientes, são apenas um primeiro passo para a estrutura de uma organização profissionalizada e capaz de garantir a permanência da classe trabalhadora, permitindo que cada trabalhador milite de forma mais eficiente, na medida de suas possibilidades, mesmo que falte tempo livre.
Por isso, trabalhador, seu lugar não é como “simpatizante”. Seu lugar é no PCB-RR, em nossas organizações, propagandeando o programa que deliberarmos coletivamente em seu local de trabalho, organizando seus colegas de trabalho, e formulando criativamente a mediação de nossa linha política para dirigir os trabalhadores de sua empresa na luta por direitos, salário e pela tomada do poder político.
Referências: