'O imperialismo moderno e a importância duma agitação antiguerra permanente' (Konrado, V. Castilhos e Vitorino)

Pra uma boa agitação antiguerra precisamos estar atentos não somente às guerras que já estão sendo travadas, mas também e principalmente, prevenir a escalada dos conflitos interburgueses sempre que possível.

'O imperialismo moderno e a importância duma agitação antiguerra permanente' (Konrado, V. Castilhos e Vitorino)
"Mais especificamente, nossa agitação deve focar em impedir que as classes trabalhadoras de duas nações vão lutar entre si pelos interesses burgueses sob justificativas chauvinistas ou de qualquer outro tipo."

Por Konrado, V. Castilhos e Vitorino para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, é de extrema importância na atual conjuntura mundial nós trabalharmos a agitprop antiguerra, estarmos em todos os espaço mostrando à classe trabalhadora as guerras que são do interesse das burguesia nacionais e do imperialismo e termos a mais firme postura contra elas, ao mesmo tempo que distinguimos quais são guerras de libertação nacional e damos nosso apoio.

A agitação antiguerra é um primeiro caminho para a solidariedade de classe em nossa sociedade e mundo afora. Entendemos que as guerras interimperialistas são grandes ferramentas das burguesias para ampliarem sua influência, conquistarem novos mercados, eliminarem competidores e o excesso relativo do exército industrial de reserva. No geral, são uma possibilidade sempre presente no horizonte da classe burguesa para reafirmar e garantir a sua soberania como classe dominante. O imperialismo nada mais é que a expansão, para além das fronteiras nacionais, da busca por mais mercados e da competição irrefreável, com quanto sangue seja necessário, pra dar taxas de lucro suficientemente maiores a alguns conglomerados burgueses.

As guerras interburguesas, imperialistas por excelência, são visceralmente contra os interesses da classe trabalhadora, já que são contra a vida da classe em si, e fazem com que trabalhadores matem trabalhadores pelos interesses da sua respectiva burguesia nacional.

A agitação antiguerra é mostrar que a guerra é a política feita por outros meios, pelos meios militares, como já dizia Clausewitz. Tanto quanto a política é guerra, a guerra é política com muito sangue.

Mais especificamente, nossa agitação deve focar em impedir que as classes trabalhadoras de duas nações vão lutar entre si pelos interesses burgueses sob justificativas chauvinistas ou de qualquer outro tipo. Mais do que combater as justificativas, elevar a agitação para o caráter de propaganda é sempre mostrar o caráter de classe que a guerra tem, demonstrar que todos os impactos na "vida normal" não são por um suposto bem geral, mas sim para engordar os bolsos de meia dúzia de fi*******ta.

Mas não se trata somente de realizarmos análises sobre qual tipo de guerra está sendo travada em uma determinada região do mundo e quais seus desdobramentos, mas também de mobilizar a classe trabalhadora para impedir toda e qualquer movimentação da burguesia local em apoio a uma guerra no estrangeiro. O capitalismo nos tempos imperialistas é profundamente interconectado, o que acontece hoje na Ucrânia, no Sahel, no Congo e no Cáucaso, mas também o próprio genocídio promovido pelo estado sionista de Israel, todos afetam e são afetados pelas movimentações da burguesia brasileira. É nosso dever dar passos firmes contra toda forma de apoio burguês "daqui pra lá", porque amanhã esse apoio será "de lá pra cá", camaradas!

E mais, quando a burguesia local resolve se envolver diretamente, amplamente, o dever da classe trabalhadora é causar impacto material na "linha de produção", da divisão de trabalho que abastece a guerra. Greves, atos de rua, impedir deslocamento de tropas e de materiais bélicos, todas são meios para que o poder burguês seja obrigado a recuar em suas ações. É abrir uma frente interna avançando na desestabilização do estado burguês e na construção do poder popular, com um objetivo intermediário de parar a guerra. Se ainda não podemos chegar nas palavras máximas de Lênin de transformar a guerra imperialista burguesa em guerra civil da classe trabalhadora contra a burguesia, que pelo menos avancemos a passos largos na luta econômica e política do momento.

Pra uma boa agitação antiguerra precisamos estar atentos não somente às guerras que já estão sendo travadas, mas também e principalmente, prevenir a escalada dos conflitos interburgueses sempre que possível. A rede ultra-conectada do capital na época imperialista faz com que seja cada vez mais improvável uma guerra localizada que não tenha possibilidade de escalar pra uma guerra mundial aberta. Podemos ver como o embate entre os grandes blocos burgueses da OTAN e da Rússia, que se manifestou "primeiro" na Ucrânia, mas dentro de alguns semestres abriu duas novas frentes, no Sahel e no Cáucaso, e cada dia mais fica difícil de esconder a ligação profunda dos três conflitos, ainda que eles se mascarem de justificativas chauvinistas próprias, e por vezes de um "antiimperialismo" barato.

Um outro exemplo latente é de uma região vizinha do Brasil, a região disputada do Essequibo, entre a Guiana e a Venezuela, em litígio deste o século XIX mas com controle de facto pela Guiana. O estado Venezuelano avançou a passos largos um plebiscito sobre anexar este território, curiosamente, região com descobertas recentes de petróleo, metais e minerais importantes, e agora implementa medidas administrativas e militares para a incorporação plena do território à ao Estado. A Guiana por seu lado já firmou posição, hasteando uma bandeira de sua nação no Essequibo, reafirmando a sua posição de controle sobre a região, e marcando exercícios militares conjuntos com as forças armadas dos EUA.

Podemos ver a relevância dessa escalada de tensões pelas movimentações da SOUTHCOM, o comando sul da Marinha dos EUA, que tem em sua área de atuação toda a América Latina. As operações e exercícios militares conjuntos, e no geral todas as "politicas de cooperação" militar, são uma constante em nosso continente, e vêm crescendo ainda mais no último período. Neste mês de julho a SOUTHCOM, em conjunto com marinhas de nações europeias e latinoamericanas, conduziram operações militares no mar da Guiana, chamado Tradewinds 2023 (https://www.southcom.mil/Media/Special-Coverage/Tradewinds-2023/). Agora em outubro a SOUTHCOM vem reafimando as "parcerias entre as nações", com a campanha de manutenção de equipamento e tecnologias militares estadunidenses entre as nações "parceiras".

"Não serão apenas os itens grandes como os C-130, mas também os itens finais em todos os domínios que queremos garantir que continuem sendo um ativo principal para nossos parceiros utilizarem”, disse Christianson. “Se um caminhão não estiver funcionando, eles não poderão chegar ao campo. E se for um caminhão dos EUA, queremos apoiar seus esforços para garantir uma forte prontidão para manutenção. [...] Queremos que esta seja uma verdadeira parceria onde compartilhamos requisitos e fornecemos soluções para toda a gama de artigos de defesa, desde educação até reparos em nível de depósito em alguns casos.'

(https://www.southcom.mil/MEDIA/NEWS-ARTICLES/Article/3560134/southcom-aims-to-create-maintenance-partnerships-with-south-american-nations/).

Tudo indica que está sendo pavimentado o terreno para uma escalada de guerra, uma que já conta com as cadeias logísticas bem definidas, garantias de suprimentos e espaços em que as forças imperialistas e seus aliados possam se movimentar na Guiana e na Venezuela e garantir a manutenção de suas ações nos teatros de operações. A General Laura J. Richardson vem, sem papas na língua, reafirmando a importância da América-Latina por causa dos recursos naturais daqui, o que explica os interesses dos imperialistas do Atlântico Norte em "lutar contra a influencia da China, Rússia e Irã no continente".

"É dar atenção e foco para essa região [a América do Sul], e mostrar que essa região importa. Essa região está repleta de recursos. E eu me preocupo sobre as atividades malignas de nossos adversários se aproveitando disso, fingindo que estão investindo quando na verdade estão extraindo. Há o "triângulo do Lítio" nessa região, com 60% do Lítio de todo o mundo, que está na Argentina, Bolívia, Chile. E [eles] estão tirando recursos destes países, destes povos, dessas democracias que querem o melhor de seus povos.""Quando falamos com os embaixadores americanos no Chile e na Argentina e então com as companhias [americanas] que estão lá, a agressividade da RPC e o jogo de cintura que eles tem na questão do Lítio, é muito avançada e muito agressiva."

https://www.instagram.com/reel/Cple8fqDxiZ/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==

Com isso os interesses imperialistas estadunidenses buscam preservar sua "estabilidade" ampliando sua influência para barrar sua concorrência com China, Rússia e Irã em "seu quintal".

Camaradas, devemos estar alertas e perceber que a agitação antiguerra não deve ser levada somente em consideração quando ocorrer de fato o estouro de um conflito em nosso território, nem mesmo só quando se entra numa escalada para tal. Uma vez que a guerra é sempre um horizonte possível para a expansão de capitais burgueses, devemos estar em constante embate também neste campo contra a burguesia nacional, o latifúndio e os setores mais reacionários de nossa nação como o Partido Fardado, e impedir que a juventude brasileira (e do mundo) seja lançada à morte nos campos de batalha.

Desenvolver uma constante agitação e propaganda antiguerra é como preparar o terreno para embates futuros. Não podemos arriscar ser pegos "de calça curta" frente a uma rápida escalada de guerra que pode muito bem acontecer com anuência ou amplo apoio da burguesia brasileira. O atual cenário de "paz e neutralidade" é apenas uma fachada que encobre a conjuntura de disputa interna do posicionamento brasileiro, onde segmentos diferentes da nossa burguesia têm projetos contraditórios, uns alinhados diretamente aos EUA de maneira abertamente subordinada (pra não dizer capacha), e outros setores mais e mais defendem parcerias com o bloco oposto. Comprar essa fachada hoje leva a um desarmamento nosso para um amanhã onde algum desses setores vença, e o país "tome lado".

Precisamos ter desde já ampla agitprop que trate do caráter da guerra e sua implicações para a classe trabalhadora, e isso passa tanto por uma postura de denúncia permanente da escalada quanto de uma cobertura de notícias afiada sobre os desenvolvimentos nos fronts. Em resumo, precisamos estar atentos, e é primordial elevar a consciência das massas para além do pântano. Precisamos nos preparar para que o partido possa orientar as massas contra os engôdos chauvinistas e de outros tipos da burguesia, e impedir qualquer crescente na movimentação militar.

Nisso entra o palco sul-americano da atual grande escalada internacional de guerra

Essequibo: disputa velha, conflito novo!

Não devemos nos enganar que o que se passa entre Venezuela e Guiana seja novo, ou mesmo que disputa direta entre os dois Estados é um problema totalmente ligado aos imperialismos estadunidense e britânico (já que Guiana faz parte da Commonwealth) ou russo. E se temos urgência de pautarmos uma atitude anti-guerra na América do Sul, devemos nos pautar nos acontecimentos recentes que se desenrolaram nos últimos meses, não somente da dos dois autores internacionais principais no Essequibo, mas, é claro, dos grandes imperialistas como Estados Unidos, Reino Unido e Rússia, e dos subimperialistas na região, como é o Brasil.

Ao nos debruçarmos sobre a disputa histórica [3], a atual Guiana começou como uma colônia holandesa adjacente ao Suriname, mas após a revolução francesa a França ataca os Países Baixos, levando a um enfraquecimento da administração na região, e os britânicos compram o território. Em 1810 a Venezuela proclama independência do reino espanhol, e seu território era dividido em 5 províncias, uma delas sendo Essequibo. Os novos colonos da Guiana então realizam um movimento de disputa e expansão das fronteiras recém compradas, alegando que "não estava claro" qual era o limite entre sua colônia e a Venezuela e que isso exigia delimitação. Em 1840 são organizadas expedições para a atual região em litígio e é definida a "linha Shomburgk". Assim, os ingleses surrupiam e abocanham mais uma porção de terra, e a recente República Venezuela não reconhece a perda.

Dez anos depois, em 1850, Reino Unido e Venezuela concordam em realizar um acordo de não ocupação do território em litígio, e levam a disputa às côrtes internacionais. Posteriormente, sob pressão venezuelana, o presidente americano G. Cleveland aprova que os EUA representassem a Venezuela no Laudo Arbritário de París de 1897 contra os britânicos. Ambas as partes nomeariam um membro imparcial, presidente da sessão, o juiz russo Federik de Martens. É importante ver aqui que o Reino Unido não aceitava tratar a questão diretamente com venezuelanos, e o tribunal só foi orquestrado sob pressão estadunidense, guiados pela Doutrina Monroe, que ditava a política externa dos EUA para com a América Latina emulando um neocolonialismo. Em 3 de outubro de 1899, sob resultado unânime, os britânicos obtiveram controle de um território duas vezes maior que o compraram dos holandeses lá em 1814. A Venezuela não reconhece o resultado.

Em 1962 há protesto venezuelano em uma seção da Assembleia Geral da ONU, afirmando que o Laudo Arbitrário de Paris era injusto, e não levou em conta o direito "Uti possidetis", ou seja: quem possui, continuará a possuir. Mas a independência da Guiana já estava à vista, e em 1966 é assinado o Acordo de Genebra, no qual a nova nação iria realizar negociações sobre o território de forma "independente" com a Venezuela. Em 1970, no mesmo ano que é oficializado a independência da Guiana, o primeiro-ministro do país vizinho mais próximo entre ambos, Trinidad e Tobago (também uma ex colônia inglesa), assina o protocolo de Porto Espanha, onde a Venezuela daria 12 anos de trégua já que Guiana acabava de garantir sua independência. Em 1986, ambos Guiana e Venezuela solicitam na ONU o desbloqueio da trégua da disputa, e solicitam a realização de outro tribunal para decisão e que seja nomeado um mediador.

É claro que como diria Eduardo Galeano, o colonialismo nunca deixou o continente livre, e as veias da América Latina não só ainda estão abertas, mas latentes sob qualquer cenário de tumulto e instabilidade mundial. Momentos como esses nos mostram que as burguesias nacionais de cada Estado estão prontas para realizar qualquer ação necessária e reivindicar os seus direitos quando se trata de dominar territórios e recursos naturais e energéticos (pelos quais a região do "Escudo das Guianas", à qual faz parte o Essequibo, sempre foi conhecida, e por isso que a tomada dos britânicos na região se mostrava estratégica).

Na década de 1980 [1] o governo Guianense busca realizar pesquisas para encontrar petróleo nas suas terras, contudo sempre de forma frustrada: o governo nunca conseguiu com recursos próprios, nem realizar negociações com empresas petrolíferas. Na década de 1990 a pesquisa foi pausada pela falta de investimentos do capital estrangeiro. Foi só a partir de 2001 que, com o serviço geológico dos Estados Unidos (USGS), houve novas buscas durante todo a década. Além disso há crescentes concessões do governo guianense para prospecção de poços para a ExxonMobil que, por fim, encontra petróleo em 2015 [2], com capacidade de gerar mais de 1 bilhão de barris de petróleo em águas próximas à fronteira com a Venezuela. Dois anos antes o navio Anadarko, que pertencia ao grupo de pesquisa norueguês DN Media Group, foi preso pela marinha Venezuela por realizar atividades prospectivas para além das águas territoriais guianenses.

Desde então, a briga de ambos Estados na esfera do direito internacional sobre a posse territorial vem crescendo, e agora com a confirmação de grandes reservas de petróleo, a atenção do imperialismo se volta novamente contra os venezuelanos.

Já em 2005, ainda sobre governo de Hugo Chaves, os EUA começam a implementar sanções contra os venezuelanos, e em 2010 [18], quando Maduro assume o governo, ano a após ano as sanções se intensificam, até o momento onde, com a eleição de Donald Trump e seu governo, são impostas mais sanções que travariam as relações comerciais da Venezuela. Com a gestão Trump, o governo de Caracas fica cada vez mais enclausurado e em março de 2017 ocorre o que é chamada de "Crise Constitucional", onde o Supremo Tribunal caça todas candidaturas de deputados que contra Maduro, que haviam se tornado maioria nas últimas eleições dois anos antes. Subsequentemente, no dia 19 de abril, ocorrem manifestações em Caracas e algumas outras cidades venezuelanas, no que se denomina La madre de todas las marchas, grandes protestos populares contra o governo de Maduro, o que traria uma péssima visão do governo para o cenário internacional. Isso também se deve à conjuntura de crise econômica, que só vinha crescendo desde 2010, com aumento galopante da inflação, o que leva à crise de emigração, com milhares de venezuelanos saindo do país.

Nesse cenário a relação entre os governos de Maduro e Putin se estreita [10], numa conjuntura de estrangulamento econômico onde os venezuelanos precisavam de apoio. Na América do Sul isso se casa com um giro brutal à direita, e Maduro fica cada vez mais isolado na região. Em 2018 há a reeleição de Maduro, e de maneira geral o Ocidente não reconhece a legitimidade eleitoral, alegando fraude, levando-o então a uma maior busca de apoio no governo russo. Com isso, em 2019 a Rosneft (empresa estatal russa com atuação em todo o ramo do petróleo, desde a extração até o refino), investiu e comprou maior parte das ações da PDSVA (empresa estatal petrolífera venezuelana), se tornando uma das maiores "parceiras" do país e mantendo as exportações do petróleo venezuelano. Ainda assim, a "guerra jurídico-econômica" contra a Venezuela leva os EUA a impor pesadas sanções na empresa russa, que sai do país em 2020 para proteção dos acionistas [26]. O governo russo possui 75% das ações da Rosneft, sendo os outros 25% de acionistas privados, e assim agravando a situação econômica venezuelana num contexto de ampla dependência do ramo do petróleo.

Maduro também começaria a comprar armamentos russo e iniciar treinamentos militares conjuntos, o que levaria até mesmo dois bombardeiros russos Tupolev 160 (Tu-160) ao país no dia 10 de dezembro de 2018, e de lá até março de 2019 mais aviões chegariam com suprimentos e tropas russas para finalizar os treinamentos e realizar consultoria das armas compradas [11, 13, 14].

A partir do início da assim chamada "operação militar especial" russa em 2022, ou seja, a invasão da Ucrânia, os Estados Unidos e União Europeia buscam voltar a ter relações com Maduro [15], uma vez que todo o Ocidente impõe pesadas sanções sobre a Rússia, e isso leva a restrições na compra de petróleo por estes mesmos países. Como a Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo, a gestão Joe Biden então retorna conversações com governo de Caracas. Mas as relações com os russos não ficam abaladas, e este ano o ministro de relações exteriores russas, Sergei Lavrov, visita Caracas para renovar os acordos bilaterais entre os dois países e reafirmar suas posições como aliados [12].

O cenário para o ano que vem, com as eleições de 2024, também representam um motivo para relaxamento das sanções impostas, já que neste mês de outubro ocorreram as primárias venezuelanas, escolhendo uma candidata que seria a representante única da oposição de direita ao governo Maduro. Maria Corina Machado, que representa a coalização de oposição, foi uma das mais votadas, ficando à frente de Maduro em algumas pesquisas de intenção de voto para o ano que vem. Isso demonstra que o governo do PSUV se mostra enfraquecido perante a população.

É nesse cenário que o, Essequibo se torna um ponto de destaque "para se solucionar urgentemente".

Foi convocado um plebiscito, o "Referéndum consultivo venezolano de 2023", anunciado no dia 23 de outubro deste ano, composto de 5 perguntas que estariam para votação [28]:

  1. Você rejeita a fronteira atual?
  2. Você apoia o Acordo de Genebra de 1966?
  3. Você concorda com a posição da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça?
  4. Você discorda com a Guiana fazer uso de uma região marítima sobre a qual não há limites estabelecidos?
  5. Você concorda com a criação do estado Guayana Esequiba e com a criação de um plano de atenção à população desse território que inclua a concessão de cidadania venezuelana, incorporando esse estado ao mapa do território venezuelano?

Além disso, já no início de outubro o governo venezuelano, como forma de preparar a população para seja a favor do Referéndum, emplaca propagandas desde reggaetons a vídeos explicativos sobre o contexto histórico da disputada e informado o lado "Injusto" do Laudo Arbitrário de Paris de 1897 [27]. Agora no mês de novembro, foram realizados os registros legais do plebiscito [29, 30], e organização para votação no dia 03 de dezembro de 2023, os venezuelanos foram à votação, concluindo em estrondosos 95% de aprovação (em média) em todas as perguntas.

O nacionalismo chauvinista cai como uma luva, e após uma tentativa do governo de travar a candidatura de Maria Corina Machado [23, 25], esta se coloca contra o plebiscito de "anexação" do Essequibo, alegando que mesmo que os resultados tenham sido 95% a favor, foi notório que apenas metade da população Venezuela tenha votado. Segundo ela isso mostra um fracasso, e ainda menciona que uma disputa pelo território agora seria contra o que foi estabelecido em acordos internacionais anteriores. Ainda assim, é apenas uma contradição tática contra Maduro, e não um abandono da disputa chauvinista por território, já que a candidata no dia 06 dezembro disse em uma "mensagem endereçada à população da Guiana":

"Não se enganem. A rejeição dos venezuelanos ao referendo é dirigida a Maduro e ao seu regime, mas que fique claro que nós, venezuelanos, sabemos que Essequibo pertence à Venezuela e estamos dispostos a defender-nos e a recuperá-lo."

María Corina envía un mensaje a Guyana.

https://twitter.com/polianalitica/status/1732459625167917205?t=_JLVyO5yxjfKf_aRvlaDqQ&s=19

Não podemos cair em análises maniqueístas sobre uma disputa imperialista a lá bem contra o mal nesta história. Ainda que o governo Maduro tenha realizado um plebiscito para anexação da região, isso é um primeiro passo para ações diretas maiores, e isso só demostra a instabilidade do cenário internacional, que fermenta guerras interimperialistas das mais diversas burguesias nacionalistas. O que estamos vendo é a fase senil do chavismo que desde sua origem faz progressivas alianças com a burguesia nacional venezuelana, sem nunca ter tido caráter verdadeiramente proletário.

Também não podemos esquecer que o Brasil é uma potência regional e que sua influencia é significativa. Ruy Mauro Marini traz importante contribuição sobre o subimperailismo brasileiro, onde a burguesia sempre se alinhou com as burguesias internacionais mas também exerce os seus próprios interesses (de maneira mais ou menos subordinada) sobre países vizinhos, com exemplos modernos notórios no Paraguay e no Haiti. Isso vem conjuntamente com uma política internacional que pode ser muito bem resumida como "em cima do muro", mas que na realidade, tende ao Brasil ser obrigado a intervir contra a Venezuela no caso de um conflito direto.

O governo neoliberal de Lula 3 se mostra profundamente vacilante, e ao máximo tentar se consolidar internacionalmente como um mediador. No entanto, o que é conhecido como um "modelo renomado de diplomacia" do Itamaraty, na realidade sempre levou o Brasil a grandes instabilidades internas, uma vez que serve como um banquete a política externa brasileira para que os diversos setores da nossa burguesia a disputem.

Assim o Itamaraty vêm solicitando mediações e mantendo conversas quase diárias com os governos de Maduro e Irfaan Ali (presidente da Guiana). Ali já disse que fará o que for necessário para manter a região sobre controle do seu pais, enquanto o governo da Venezuela organizou o já citado plebiscito nacional, e em seguida dele um plano de 9 ações ente administrativas e militares que vão no sentido de efetivar a anexação do território como um dos estados federais:

  1. Criação de uma nova Alta Comissão pela Defesa da Guayana Esequiba, coordenada pela vicepresidenta Delcy Rodríguez
  2. Ativação imediata do debate na Assembleia Nacional pela aprovação da Lei Orgânica pela defesa da Guayana Esequiba.
  3. Criação da Zona de Defesa Integral da Guayana Esequiba com 3 áreas e 28 setores de desenvolvimento integral, que terá sede em Tumeremo.
  4. Designação do Major General Rodríguez Cabello como Autoridade única da Guayana Esequiba, cuja sede político administrativa estará localizada em Tumeremo.
  5. Criação imediata das divisões de PDVSA Esequibo e CVG Esequibo para a exploração e explotação de gás, petróleo e minérios.
  6. Publicação e difusão em escolas, colégios e universidades do país o novo Mapa da Venezuela que inclui a Guayana Esequiba.
  7. Ativação de um Plano de Atenção Social Integral para toda a população da Guayana Esequiba que inclua a realização de um Censo e a abertura de um escritório do Saime para a entrega de cédulas à população, com sede em Tumeremo.
  8. Estabelecer uma norma que proíba a contratação de empresas que operem ou colaborem com as concessões unilaterais dadas pela Guiana no mar sem delimitação.
  9. Aprovação de uma Lei Especial que decrete áreas de proteção ambiental e novos Parques Nacionais na Guayana Esequiba.

    https://www.instagram.com/p/C0fntu7NHoi/

Em nosso país, o envio de militares pra Roraima, fronteira com a região, mostra uma posição clara: que em última instância as hostilidades contra a Venezuela poderão aumentar e terão o respaldo do Partido Fardado. No cenário de disputa aberta das relações internacionais do governo, isso gera mais atrito com os chineses e principalmente, com os Russos. Mas ainda assim, essa abertura a disputa pode virar a chave da situação e acabar beneficiando os países do BRICS e do Mercosul em algum nível de contraposição ao bloco do Atlântico Norte. Mas é importante ter bem claro que esse "modelo ideal de diplomacia" é como garantir uma corda no próprio pescoço para que aquele que tiver a influência imperialista mais forte puxe. E no cenário que se aproxima, essa influencia é frequentemente mais bélica e sangrenta que diplomática.

O que devemos defender enquanto comunistas é o internacionalismo proletário, pois não será com qualquer forma de anarquia chauvinista burguesa que teremos paz.

Portanto, camaradas, é urgente que devemos pautar que uma postura anti-guerra na América do Sul é uma luta contra as burguesias nacionais, e crescer essa prática vem em favor do avanço das lutas de toda a classe trabalhadora sul americana em conjunto. A firme postura anti-guerra hoje têm inclusive tem outros papéis a cumprir: além de ser uma forma de se lutar contra as ilusões nacionais-desenvolvimentistas da exploração de petróleo, ela se imbrica na luta contra a crise climática e no reconhecimento da classe trabalhadora brasileira da sua própria latinidade.

Devemos combater o engodo de que essa disputa é para dar condições de desenvolvimento da Venezuela, afinal o papinho de "independência" na realidade só se trava mais no caráter latino-dependente que já está dado, e a simples exploração de mais recursos primários não liberta nenhum povo. O petróleo é o principal produto que move a economia venezuelana, mas é explorado apenas para atender a anarquia da concorrência do mercado, e a classe trabalhadora não possui controle deste bem. Devemos lutar contra esse tipo de exploração que nada ajuda a classe trabalhadora, apenas os bolsos dos acionistas da ExxonMobil e outras empresas do ramo que também se aproveitam da PDVSA.

Tal qual o debate sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobras, o ponto não é a maior quantidade de poços a serem explorados por uma estatal que vende a maior parte do que produz (refinado ou não) para o estrangeiro. A questão central é os rumos da produção nacional estarem nas mãos da classe trabalhadora e servirem a ela. E para isso, a guerra não deve ser por territórios e controles exploratórios, mas sim, da classe que trabalha contra a classe que explora.