'O grande erro de Francisco Martins Rodrigues' (Zenem Sanchez)
O primeiro erro de FMR é ainda demonstrar uma crença no espontaneísmo. Sim, uma explosão social que seja acompanhada por um processo de subjetivação política do proletariado pode ocorrer. Mas não há nenhuma garantia de que isso ocorrerá espontaneamente.
Por Zenem Sanchez para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
As contribuições teórico-práticas (ou o resgate delas) realizadas por Francisco Martins Rodrigues são incontornáveis. Sua crítica às estratégia-táticas de Frentes Populares — retomando o desenvolvimento histórico dessa política e demonstrando seus erros, suas contribuições para pensar a relação entre estratégia e tática, seu resgate do conceito de Hegemonia Proletária — buscando entender a unidade da esquerda como produto da atuação da vanguarda e não de negociatas e rebaixamento de princípios, entre muitas outras, são de enorme valor para nossa reflexão revolucionária.
Para além de algumas limitações em suas análises sobre a atuação de alguns determinados partidos comunistas e experiências socialistas, seu grande erro e limite é pensar a ação revolucionária em momentos não revolucionários. Tomado por um medo de se distanciar dos princípios revolucionários, FMR propõe uma postura purista que nada a tende mudar o cenário de maré baixa da luta de classes.
Antes de prosseguir, gostaria de admitir uma limitação da minha crítica. Não conheço a totalidade e o desenvolvimento da obra de FMR, pois só tive contato com seus textos que estão presentes na coletânea Anti-Dimitrov organizada pela editora Lavrapalavra.
“O que está em jogo, no difícil período atual, é manter a fidelidade aos interesses gerais e a longo prazo da classe, não se deixando ir atrás de êxitos conjunturais, pagos com absorção pelo sistema. Cabe-nos criar na classe baluartes avançados em volta dos quais se possa fixar a resistência dos mais revoltados. Quanto ao encontro do partido comunista com as massas de milhões, esse só será possível na hora da crise revolucionária, quando as massas, chegadas ao extremo, recusam a ordem burguesa e vão ao encontro das propostas dos comunistas. Essa hora poderá estar distante, mas só ela deve servir de norte à nossa ação hoje.” (Ação comunista em tempo de maré baixa)
Como não estamos em um momento de crise revolucionária, o principal é nos matermos fiéis e puros para, quando houver uma explosão de massas, o proletariado perceber que nós temos o programa adequado para seus interesses. Esse é o cerne do raciocínio de FMR. É claro que ele não ignora a importância de estarmos conectados as lutas imediatas da classe, porém, ele é muito tímido e misticista em pensar como mudar a maré dos acontecimentos. É possível tentar entender as razões desse autor sob a luz dos acontecimento em Portugal e na Europa, do intenso refluxo da luta de massas, do contexto do chamado Estado de Bem Estar Social e da formação da aristocracia operária, da reestruturação produtiva que modifica o proletariado, da ascensão triunfante do neoliberalismo e da nova esquerda que abandona a luta de classes, entre outros. Mesmo assim, apesar desse contexto, FMR não poderia estar mais equivocado.
“Na situação contrarrevolucionária como a que se vive hoje na Europa, um partido de esquerda não pode ser um partido de massas. Ou goza das vantagens de se instalar no sistema, ou sofre as consequências de ser revolucionário. As duas coisas juntas é que não pode ser. […] Amanhã, quando surgir uma situação revolucionária, então sim, a esquerda poderá e deverá crescer. Por agora, é bom não entrarmos em pânico por sermos olhados como um partido “marginal.” (Três Doenças da Esquerda)
O primeiro erro de FMR é ainda demonstrar uma crença no espontaneísmo. Sim, uma explosão social que seja acompanhada por um processo de subjetivação política do proletariado pode ocorrer. Mas não há nenhuma garantia de que isso ocorrerá espontaneamente. O que é melhor: contar com o acontecimento de uma explosão social e ficar esperando e se prepando para tal momento, ou contar que nada garante que ela irá ocorrer e adotar estratégias e táticas para que aumentemos as probabilidades de que ela ocorra?
A tese sustentada por FMR ignora que as explosões sociais não são espontâneas. Pelo contrário, existem diversas tendências que pressionam os agentes para tal caminho e elas só acontecem se determinadas iniciativas são tomadas. A explosão social é iniciada e, mesmo que diante de um contexto de propensão, sempre há um elemento iniciador e politizador que arrasta o restante da massa para a ação explosiva. Podemos até contar que talvez não seremos nós esses elementos iniciadores da tensão necessária para a explosão ocorrer, mas não podemos ter certeza de que esses elementos existirão e nem que realizarão ações nesse sentido. Contar com o acaso é ficar refém da nossa impotência.
Ao invés de pensar um cenário quase ideal e determinista em que uma explosão social vai acontecer e a partir daí entrarmos de fato em ação, FMR deveria ter sido mais realista, materialista e dialético. Dado que nada nos garante esse cenário além de uma crença, qual seria o melhor caminho? É assumir a responsabilidade pela construção da explosão social, refletir, teorizar, levantar hipóteses e planificar nossas ações para aumentar ao máximo a probabilidade de que ocorra o que queremos que ocorra.
Se por um lado FMR é um bom leninista quando vai rebater o social-liberalismo e o revisionismo, é um mal leninista quando vai pensar a práxis revolucionária em uma situação concreta. Ao invés de pensar como produzir ações capazes de gerar mudanças, mesmo que graduais, em determinada conjuntura, o autor se limita ao ato de demarcação de posição e de “esperar”. Se por um lado, entende a importância da Hegemonia Proletária e seus princípios, por outro, não sabe como construí-la.
Se, para nossa estratégia dar certo, precisamos rezar para que a modo de produção capitalista entre em crise, que essa crise seja acompanhada por uma crise política, que as classes dominantes percam a capacidade de dominar e que seus mecanismos de contenção não sejam eficientes, que o proletariado vai abrace sozinho essa alameda aberta pela crise e que olhe para nós e encontre no nosso programa a saída verdadeira… então não temos uma estratégia. Temos qualquer idiotice comparada a uma crença ou uma esperança religiosa, mas não uma estratégia. Podemos sentar e rezar para isso acontecer, mas isso não é estratégia, é covardia. Nossa estratégia depende mais de dos outros do que de nós. Isso não é práxis revolucionária nem leninismo.
Lenin nos mostrou como é necessário tomarmos a responsabilidade por fazer história. Não seremos somente nós que estaremos querendo fazer história e terão forças sociais que tentarão nos impedir. Devemos levar isso em conta em nosso cálculo político e agir com a maior determinação para produzir a mudança encontrando os pontos críticos da conjuntura, nossos potenciais e possibilidades, as falhas na hegemonia burguesa, utilizar da supresa, aperfeiçoar nossa capacidade de organização para ampliar o potencial de nossas ações, etc. A partir de onde estamos, com a quantidade de militante que temos nos locais que estamos, com os recursos que temos no momento, com as experiências que temos de nossos estudos e nossas práticas e atuando em determinada conjuntura (local, regional e nacional), quais são os tipos de ações mais efetivas para conseguir, nesse momento, ampliar nossa base social, aumentar a tensão no modo de produção capitalista e caminhar no sentido de uma ruptura revolucionaria? Esse é o modo de pensar leninista.