'O feminismo ocidental e seus pontos cegos no Oriente Médio - uma tradução de Maryam Aldossari' (Eduarda Chehade)
Essas então chamadas feministas, não estão apenas falhando em mostrar alguma empatia ou suporte pelo sofrimento de longa data das mulheres palestinas, mas também estão juntando esforços crescentes para silenciar aqueles que expressam qualquer indício de simpatia por elas.
Por Eduarda Chehade para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Esse texto de Maryam Aldossari, que é doutora e pesquisadora em desigualdades sociais no Oriente Médio é, na verdade, um chamado e um desabafo sobre a (não) posição que as feministas ocidentais estão tendo em relação á violência cometida contra mulheres, meninas e crianças palestinas.
Postado originalmente na revista online Al Jazeera e traduzida por mim, Eduarda Chehade.
A mensagem que as feministas ocidentais estão mandando para as mulheres palestinas é alta e clara: seu sofrimento não importa.
Na era atual onde as plataformas digitais exercem uma influência inigualável, X — antigamente conhecido como Twitter — é o mais próximo que temos de uma praça pública global. Dentro desse vasto mercado de ideias, um subconjunto de feministas ocidentais assumiram unilateralmente papéis de liderança, moldando-se como verdadeiras guardiãs do que é um “feminismo” verdadeiro e o que constitui o “feminismo”.
Desde o dia 7 de outubro, essas “guardiãs feministas” têm bombardeado esse cenário digital tão importante com publicações condenando veemente o ataque do Hamas em Israel, enquanto simplesmente ignoravam a punição coletiva em curso de mais de dois milhões de palestinos na Faixa de Gaza. Algumas, inclusive, tentam comparar o bombardeio indiscriminado de Israel e o cerco total ao minúsculo enclave, que já custou a vida de mais de 5 mil homens, mulheres e crianças, como retaliação aceitável pelas ações do Hamas e “autodefesa” legal.
Sejamos claros: o que está em questão aqui não é a condenação da violência cometida pelo Hamas às mulheres israelenses, mas a sua aparente indiferença e, em alguns casos, o seu apoio entusiástico á violência atualmente exercida contra mulheres palestinas.
Essas então chamadas feministas, não estão apenas falhando em mostrar alguma empatia ou suporte pelo sofrimento de longa data das mulheres palestinas, mas também estão juntando esforços crescentes para silenciar aqueles que expressam qualquer indício de simpatia por elas.
Sempre que alguém, especialmente alguém com um determinado perfil público, posta uma publicação no X apoiando a Palestina e reconhecendo o sofrimento de décadas do povo palestino sob ocupação e opressão israelense eles são, muitas vezes, confrontados com as mesmas perguntas: “você apoia o Hamas?”, “você condena o ataque aos civis israelenses?”
Em resposta, alguns se sentem intimidados e invertem o curso, enquanto outros ainda se recusam a se engajar ou tentam desafiar os pressupostos desses auto nomeados interrogadores públicos. Mas independente do que respondam, eles enfrentam a mesma enxurrada de abusos, intimidação e insultos daqueles que apoiam Israel, inclusive muitas proeminentes feministas ocidentais.
Frases e rótulos como “antissemita”, “apoiador de estupro”, “apoiador de estupro e sequestro de mulheres”, “apoiador de grupos terroristas que governam baseado na lei Sharia” e, notavelmente, “não é uma verdadeira feminista” são liberalmente banalizados.
Então eu quero perguntar para todas as feministas ocidentais que não estão apenas fazendo posts, assinando declarações e escrevendo colunas apoiando incondicionalmente que Israel tenha seu “direito de autodefesa”, mas também trabalhando incansavelmente para “cancelar” qualquer pessoa que ouse colocar um holofote em décadas de sofrimento Palestino, ou peçam o fim do bombardeio indiscriminado causado por Israel em Gaza, que está matando e mutilando milhares de mulheres e meninas todos os dias: é isso que você chama de feminismo?
Sua marca de feminismo, que nitidamente se aplica somente a uma certa parcela de mulheres predominantemente brancas, ocidentais e alinhados ao Ocidente, é difícil de digerir. Você certamente condena a violência infligida pelo Hamas às mulheres israelenses. Ainda assim, você não está somente silenciando o sofrimento de mulheres palestinas, mas tentando silenciar qualquer um que é corajoso o suficiente para falar sobre elas.
Hoje, mulheres e crianças de Gaza não estão apenas sob pesados bombardeios, mas também em uma dieta de fome graças ao cerco total de Israel. Isso não é um crime contra mulheres que merecem atenção e condenação? Como você pode se chamar de feminista enquanto desculpa, e até mesmo apoia, ações punitivistas e genocidas de um estado poderoso contra um povo indefeso e preso em uma prisão á céu aberto? Como você consegue tão facilmente eliminar as experiências angustiantes de centenas de milhares de mulheres que não possuem o poder de mudar suas circunstâncias?
A aparente indiferença do feminismo ocidental a declarações como a do ministro da defesa israelense, Yoav Gallant, comparando palestinos a “animais humanos”, é profundamente alarmante.
Se seu feminismo não te permite apoiar um povo que experiencia nada menos do que limpeza étnica, pressão e ocupação desde 1948, que tentam sobreviver sob um bloqueio paralisante há 17 anos, que estão sendo chamados de “animais humanos”, e que estão agora enfrentando o que só pode ser chamado de genocídio, então para que ele serve? Se essa realidade não te encoraja a tomar uma posição, é difícil imaginar o que irá. As mulheres palestinas, de alguma forma, não são mulheres o suficiente para merecerem a sua defesa feminista?
Eu espero que isso pese na sua consciência: ao endossar o direito de “autodefesa” de Israel a qualquer custo, você está sendo conivente com violência contra mulheres e crianças — a mesma demografia que você diz defender. Ao ignorar a situação do povo palestino, ao tentar intitular de “antissemita” e “anti feminista” qualquer um que se atreva a apoiar a sua luta, você está deixando evidente que nem todas as vidas — nem todas as mulheres — possuem os mesmos valores em seus olhos.
Sua mensagem para as mulheres que estão tentando sobreviver sob o bombardeio israelense e para as mulheres que estão embalando os cadáveres de seus filhos assassinados, é alto e claro: você não importa.
Referência: ALDOSSARI, Maryam. Western feminism and its blind spots in the Middle East. Al Jazeera. 2023. Disponível em: Western feminism and its blind spots in the Middle East | Women’s Rights | Al Jazeera Acesso em: 27 out. 2023.