O Estado financia o desmonte do SUS através da saúde suplementar

Como um dos setores mais poderosos da economia brasileira, a saúde suplementar se constrói a partir de abusos de poder contra pacientes, lobby contra regulamentação e cooptação de parcelas cada vez maiores do orçamento público.

O Estado financia o desmonte do SUS através da saúde suplementar
Reprodução: Sindeess.

Por Redação

Embora seja o terceiro setor mais concentrado da economia brasileira, atrás apenas dos setores de energia e intermediação financeira, a saúde suplementar apresenta, constantemente, a afirmação de que as operadoras estão deficitárias nas argumentações contrárias a oferecer tratamentos mais longos e dispendiosos às pessoas que contratam seus serviços. A realidade é que o setor está estagnado em cerca de 50 milhões de usuários  e sem perspectiva de crescer, caso os índices de emprego e distribuição de renda não melhorem no Brasil.

Mas esta aparente crise das operadoras contradiz os dados do balanço econômico publicado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – entidade responsável por regulamentar e fiscalizar essa atividade –, uma vez que, segundo o balanço, as 200 maiores empresas do setor tiveram lucro líquido recorde no ano de 2023, provenientes, em sua maioria, de aplicações financeiras.

Logo, as dificuldades para sustentar o setor parecem estar atreladas à impossibilidade de ofertar saúde de qualidade como uma mercadoria lucrativa, o que cria uma forte dependência do setor aos recursos públicos repassados com base na Tabela SUS. Essa relação estabelece o desmonte do SUS como um ativo para essas empresas, uma vez que a perda de capacidade do SUS para atender a população lhes garante parcelas cada vez mais pacientes, e, portanto, maiores parcelas do orçamento.

Em janeiro deste ano, o atual presidente Lula sancionou uma lei que altera a forma de reajuste dos valores de remuneração dos serviços de saúde prestados ao SUS. Esse conjunto de valores, que é conhecido como Tabela SUS, estabelece os montantes a serem repassados às entidades privadas e hospitais filantrópicos que prestam atendimentos de saúde que o SUS não pode cobrir em determinada localidade. Esse modo de prestação de serviço, que chamamos de saúde suplementar, é regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a qual estabelece uma série de critérios para as operadoras do setor, como o devido registro em Conselho de Medicina e até normas para ajuste dos preços dos planos. O reajuste, por exemplo, pode até ser feito por faixas etárias, mas isso não vale para maiores de 60 anos, como consta na Lei 9.656.   

Entre as sete principais empresas do setor (Amil, DASA, Notre Dame Intermédica, Aché Laboratórios, Hapvida, Eurofarma e Rede D’Or), todas recebem pacientes do SUS para realizar procedimentos médicos financiados pelo Estado, com valores determinados pela Tabela SUS.

A ideia inicial do sistema suplementar seria desafogar os hospitais públicos e reduzir as filas de espera do sistema público. Na prática, diante da manutenção de uma política de austeridade fiscal (com potencial aprofundamento, com a retirada dos pisos constitucionais da saúde), o que ocorre é que o SUS tem cada vez menos capacidade de absorver a demandas por procedimentos de saúde, o que resulta numa espiral de transferência de orçamento público para as principais empresas que controlam o setor.

Para além disso, em casos de tratamentos mais longos e complexos, como casos de câncer e autismos de suportes mais altos, o setor de saúde suplementar delega o ônus desses tratamentos ao SUS por meio de imposições burocráticas aos pacientes, aumentos vertiginosos dos valores dos planos ou até cancelamentos unilaterais desses contratos.[1]  Esse fato expressa a contradição desse modelo, que trata procedimentos médicos como mercadoria, buscando cortar “gastos excessivos” para manter a lucratividade. As empresas que oferecem esses serviços não são guiadas pela ética que o serviço de saúde impõe, mas pela lógica do mercado.

Os próprios termos “suplementar” e “complementar” indicam que esses serviços não podem, constitucionalmente, operar como um mercado de saúde à parte do SUS, mas que está subordinado às mesmas regulamentações e normas éticas a saúde pública está subordinada, a Constituição Federal de 1988 não cria dois sistemas de saúde, mas um único e universal. Isto posto na teoria. Na prática, há um verdadeiro mercado de planos de saúde que tem como objetivo não a saúde, mas o lucro. Mesmo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, que tem como prerrogativa fiscalizar e garantir que a saúde do povo brasilieiro não seja mercantilizada, vem sendo acusada, por consumidores, de inverter seu papel e proteger as empresas.

O fato de que a burguesia do setor da saúde atua de maneira flagrantemente ilegal sem maiores consequências e que os mecanismos institucionais criados pela Constituição Federal não terem capacidade de conter esses abusos, deixa claro que o único caminho é pressão popular sobre esses agentes.