'O design e a linguagem visual em nossa tarefa revolucionária' (Catherine Calognomos)
A identificação visual de nossa organização nos espaços que ocupamos - seja na internet ou nas ruas - é apenas uma parte desta nossa direção maior: criar um terreno fértil para a construção, no presente, do imaginário de um novo futuro, uma nova sociedade, genuinamente brasileira e comunista.
Por Catherine Calognomos para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Em um gancho com a tribuna da camarada gatasovietica (1), pretendo estender e aprofundar aqui o debate a respeito da importância do design e linguagens visuais em nossas fileiras, principalmente na tarefa de agitação e propaganda. Nossa camarada muito bem ressalta o papel fundamental das redes sociais como “vitrine” do partido, e o design como ferramenta para seu estabelecimento e aumento de alcance. O amadorismo e a falta de preparo para este trabalho são também pontos centrais do texto citado, como nossos desafios perante a essa tarefa. Apesar do bom trabalho que vem sendo conduzido pela comissão de comunicação e mídias do Órgão Central nesse sentido, creio que seja importante trazer este tema cada vez mais à tona nos debates, principalmente neste espaço das tribunas, para que nossas formulações possam guiar nossas práticas, e assim nos aprimorarmos.
“estética comunista” e a elaboração do imaginário
De início, me atrevo a colocar que o papel do design em nossa atuação não está restrito apenas à noção utilitária do aumento de alcance nas redes ou plataformas (que por si já configura um papel bastante importante), mas se estende também ao nosso papel enquanto comunistas de construir um imaginário. A identificação visual de nossa organização nos espaços que ocupamos - seja na internet ou nas ruas - é apenas uma parte desta nossa direção maior: criar um terreno fértil para a construção, no presente, do imaginário de um novo futuro, uma nova sociedade, genuinamente brasileira e comunista. Vocês podem dizer que estou mirando muito alto, ou falando em termos muito vagos, mas sugiro, para começarmos a pensar no assunto, algumas perguntas que serão nossos pontapés iniciais nessa missão. Quais símbolos e signos queremos evocar em nossas mensagens? O que temos de mais original para mostrar aos nossos interlocutores? Onde estão nossas raízes e referências imagéticas de nossos materiais? O que há de melhor a ser produzido com o que temos? Falo aqui, camaradas, de nosso papel de vanguarda em explorarmos todas as linguagens disponíveis, e de referências locais e nacionais para a elaboração de nossa identidade. Como complemento ao que coloco neste parágrafo, recomendo o vídeo do camarada Jones Manoel sobre o assunto (2).
Enquanto comunistas, nosso trabalho é fazer crescer o novo, tanto nas formulações e debates políticos, quanto na cultura, nas práticas sociais, nas artes. É a tão falada “estética comunista” (termo frequentemente usado de forma errada ou pejorativa ao se referir a “estilo de vida”) a ser perseguida. Não se enganem, ela não é uma substância estática, já elaborada, que só resta ser reproduzida. É evidente que devemos sim reivindicar e nos inspirar em experiências socialistas anteriores e nas grandes escolas como a soviética Vkhutemas, porém não deve ser nosso objetivo apenas reproduzir seus signos e gráficos. É preciso se referenciar nelas e nas melhores produções de nosso tempo, e assim elaborar nossa produção enraizada em nossa cultura popular, se utilizando dos melhores recursos, exaltando de onde viemos, mirando para onde vamos.
Um exemplo que acho muito positivo neste aspecto é o trabalho de Don L, tanto em sua linguagem musical - nos ritmos e nas letras -, quanto em sua preocupação com a parte visual de sua produção. Em seu último álbum, Don evoca em suas letras descritivas e imagéticas um encontro entre passado e futuro, onde faz menções à época da colonização e também a um futuro revolucionário. Se utiliza de samples de canções indígenas e cultos, referências a clássicos do Rap, e ritmos atuais para nos convidar a imaginar junto dele a nossa revolução. E para além disso, cria um universo visual próprio, com sua proposta para uma nova bandeira do Brasil (trabalho realizado pelo designer Bruno Lima) e seus clipes curtos que ilustram as páginas de cada música. Acredito que por isso fomos todos tão pegos de surpresa e alvoroçados com as faixas do álbum: Don assume seu papel de artista no presente para trazer à tona os afetos revolucionários e a imagem de uma nova sociedade brasileira - um ótimo exemplo da busca pela estética comunista, sem precedentes. Evidentemente, também tenho ressalvas e críticas a seu trabalho, mas por esse aspecto, Don L merece ser reconhecido como expoente.
nossa comunicação e o “impresso versus digital”
Pensando nesse objetivo e na nossa tarefa de dialogar com a classe trabalhadora, creio que devemos ocupar todos os meios e canais possíveis, não apenas publicando textos formulativos, mas oferecendo espaço para outras mídias e linguagens em nossas plataformas. Podemos publicar trabalhos de nossos camaradas artistas: gráficos em materiais impressos, vídeos em plataformas digitais, fotografias em ambos, etc; para que nosso trabalho de agitação e propaganda se enriqueça, circule, desperte curiosidade, atraia olhares. Nesse sentido, acho interessante o debate que vem acontecendo a respeito do “impresso versus digital” em relação a nosso futuro jornal. A meu ver, a resposta não é tão difícil: adotemos ambos, desde que o impresso ofereça algum diferencial em relação ao digital. O que tem acontecido no mercado editorial é transformar o livro impresso em um objeto de desejo, explorando a dimensão de seu projeto gráfico e belas capas, justamente explorando a dimensão tátil e visual onde o e-book deixa a desejar . Deixo aqui como referência uma matéria da revista digital WePresent (isso mesmo, a revista do WeTransfer) sobre uma experiência indiana que suscita esse debate (3).
“O que pode um jornal fazer que qualquer outro medium não pode? Vamos colocar a questão de outra forma. Por que criar um jornal na época digital atual? É uma pergunta que vem sendo feita no mundo criativo por mais de uma década, com muitos exaltando a materialidade física da impressão a despeito da fugacidade das experiências online. Mas o que também se tornou claro nos últimos anos anos é que o material impresso pode oferecer aos leitores uma importante dádiva - aquela da casualidade. Essa dádiva é potencialmente libertadora em um tempo em que aquilo que lemos e vemos é cada vez mais ditado por algoritmos movidos pelo lucro e filtros de bolhas.” (tradução livre de minha autoria - original em inglês)
Não vou entrar aqui no debate a respeito das big-techs, algoritmos e segurança digital, por não ter envergadura para discorrer a respeito, mas ressalto que a materialidade pode sim oferecer uma experiência diferente de leitura e apreensão da mensagem, visto que oferece inúmeras diferentes possibilidades de projetos que o formato digital não é capaz de abarcar - o que creio ser algo interessante de ser explorado por nós. Nesta experiência indiana, os fundadores buscaram criar um jornal de arte que fosse visualmente atraente, publicasse novos artistas e comportasse suas identidades distintas - sendo cada dupla de páginas abertas totalmente diferente das outras -, e enquanto isso, democratizasse o acesso a obras de arte fora do ciclo das grandes feiras. Como? Sendo possível encontrar o impresso nos mais diversos e inusitados locais. Esta é uma experiência no ramo das artes, e não da política, porém o resultado pode nos inspirar e fomentar formulações sobre nossas próprias futuras experiências com materiais impressos.
o design enquanto ferramenta
O design entra justamente no papel de fazer possível a coexistência das diferentes linguagens (visuais, textuais, argumentativas, artísticas, políticas) dentro de nossos materiais e plataformas, sejam eles especializados ou generalistas. Um bom design é capaz de passar a mensagem, sem deixar de lado a preocupação estética, a hierarquia de informações, o espaço da arte. Com uma boa aplicação dessa ferramenta seremos capazes de atingir cada vez mais pessoas em nossas redes sociais, e até mesmo melhorar o retorno de nossas atividades de finanças - afinal, uma boa comunicação visual é capaz de transmitir informações de forma mais eficaz, além de atrair olhares para nossos eventos e produtos. Sim, camaradas, acredito que expandindo nossas visões de design e capacidade de execução, podemos melhorar o alcance de nossas rifas, por exemplo - que, pelo menos até antes da crise, me pareciam oferecer produtos muito parecidos, com pouco alcance fora do círculo social partidário, acabando por reforçar ainda mais a lógica de autofinanciamento da organização. Quando o partido se propôs a fomentar e apoiar financeiramente o trabalho de nossos camaradas artistas? É algo a se pensar também como possível ampliação tanto dos trabalhos de AgitProp quanto de finanças.
Com tantos camaradas talentosos, temos um grande potencial nesse sentido. Tanto de tornar viável e executar objetivamente nossos materiais, quanto de perseguir esse objetivo maior da construção do imaginário comunista, para além da identidade visual partidária. Com isso, entramos na necessidade da profissionalização das tarefas e formação de camaradas para cumpri-las. Nosso rumo a este objetivo já está sendo traçado, mas elenco aqui alguns pontos que julgo fundamentais para o bom desenvolvimento dessa tarefa:
1- elaboração de um manual completo da identidade visual do partido e coletivos
2- elaboração de templates de mídia para cada formato necessário, seja impresso ou digital
3- formação de comissões centrais e regionais de comunicação e mídias
4- formação de camaradas para a execução dos materiais através de oficinas, para que todas as instâncias possam ter sua autonomia na aplicação da identidade e elaboração dos materiais para seu funcionamento
5- assistência por parte das comissões de mídia superiores a suas instâncias de base
Um sistema unificado e centralizado de comunicação é indispensável, porém faço questão de ressaltar que é importante que cada núcleo também tenha sua autonomia de criação e experimentação, ao propor e executar novos formatos, criar novos templates e compartilhar seus resultados e aprendizados. Advogo aqui por um trabalho de agitação e propaganda unificado, mas que saiba dar espaço às pluralidades de nosso partido; que seja rico em cultura e porta-voz da arte revolucionária, popular, que nasce do seio de nossa classe. Devemos estar sempre conscientes de nossos desafios, debilidades e vantagens, para sermos capazes de avançar em nossos objetivos imediatos e maiores, seja qual for a nossa tarefa.
Saudações comunistas
referencias:
- https://emdefesadocomunismo.com.br/oii-e-pra-ler-precisamos-superar-a-artesanalidade-no-design-revolucionario/
- https://www.youtube.com/watch?v=V3Kejtw-AVo
- https://wepresent.wetransfer.com/stories/the-irregular-times-india-art-and-design-newspaper?utm_source=wetransfer&utm_medium=wallpaper&utm_campaign=backfill
