'O desabafo de uma mulher marrom que luta nas fileiras comunistas do lado ocidental do mundo' (Eduarda Chehade)
Apesar da luta pela libertação do povo palestino e de outros povos marrons estar ganhando força no movimento comunista anticapitalista, ainda vejo uma deficiência muito grande na esquerda quando o assunto se trata do Oriente Médio e suas resistências, suas culturas, seus dialetos.
Por Eduarda Chehade para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Apesar da luta pela libertação do povo palestino e de outros povos marrons estar ganhando força no movimento comunista anticapitalista, ainda vejo uma deficiência muito grande na esquerda quando o assunto se trata do Oriente Médio e suas resistências, suas culturas, seus dialetos. A esquerda, como um todo, ainda tem medo de expor publicamente o seu apoio aos povos e ás lutas do Oriente Médio, ou tem um apoio muito restrito, que quando se depara com a pergunta "mas você condena o Hamas?" ou "mas o que você acha do terrorismo?" acaba sem saber o que responder, e é por isso que toda militância, e especialmente a comunista, deve conhecer a nossa história. Porque a nossa história não começa em 1948, não começa no 11 de setembro, muito pelo contrário, nossas raízes possuem início nas populações mais antigas de toda civilização humana.
Quando forem ler e estudar sobre nossas riquezas, é necessário ler o que nós estamos falando sobre as nossas riquezas, é preciso tirar a venda europeia dos olhos e começar a enxergar as especificidades do Oriente Médio e estar preparade para os nossos meios de resistir e combater os opressores que aniquilam diariamente o nosso povo. Os movimentos de libertação e resistência palestina, e as resistência de todos esses povos, vem sendo socialistas através de uma perspectiva islâmica, principalmente porque a fé nos guia durante a crise. Quando dizemos que os palestinos nos ensinam a ser muçulmanos, estamos falando seriamente. Condenar nossas resistências por serem "islâmicas" é redundante e até, de certa forma, hipócrita uma vez que vários outros líderes revolucionários também foram guiados pela fé, como o próprio Malcolm X e Leila Khaled. Como vamos dizer que o Hamas não é a Palestina, se os combatentes do Hamas são, em sua grande maioria, os nossos jovens rebeldes que descendem daqueles jovens que se rebeliariam na primeira intifada? Se são eles, jovens que também perderam sua família? Pais, mães, irmãos, filhos e filhas? Devo lembrar a todes vocês que todas as forças da resistência palestina estão lutando lado a lado nesse momento, todos com um único objetivo: a libertação do povo palestino sob ás bombas israelenses e a volta do estado único e soberano da Palestina. Devo lembrá-los também que, em 1993, época que aconteceu os acordos de Oslo, as resistências marxistas-leninistas da Palestina se juntaram ao Hamas para defender a soberania do seu povo, e para defender a continuação da revolta armada, ambos os grupos indo contra a decisão do Fatah e da OLP, que decidiram por assinar o acordo de Oslo. Militantes ocidentais precisam parar de tentar gerenciar as resistências não-ocidentais e de julgar e questionar seus meios de libertação. É necessário que se inspirem nas lutas desses povos oprimidos e nas suas formas de lutar contra a opressão.
Além do mais, as mulheres sempre cumpriram um papel fundamental nos movimentos islâmicos e árabes desde a época do profeta, como Khawla bint Al-Azwar no século 7, que foi uma guerreira árabe e muçulmana que lutou na conquista muçulmana do levante, até os dias atuais com Leila Khaled, que foi militante da FPLP e é uma das maiores referências da libertação palestina, e também Jamila Al-Shanti, comandante da ala política do Hamas, que foi martirizada no mês passado. Jamila, além de uma revolucionária pela libertação palestina, também lutou contra o patriarcado em toda sua vida. Fatima Bernawi, palestina negra de origem palestina e nigeriana, que foi uma das primeiras mulheres militantes palestinas que realizaram um ato armado de resistência, e uma das primeiras presas políticas pelos sionistas. Fatima foi resistência como uma mulher negra e como mulher palestina.
Pra além da Palestina, se tem o exército feminino de Rojava, o YPJ, que é um dos melhores exemplos de luta pela libertação e pela construção do socialismo, o povo curdo conseguiu construir um modelo de sociedade, educação, democracia e rebelião que deveria inspirar os comunistas de todo o mundo e, especialmente, a revolução feminista que se escalou com o confederalismo democrático curdo promovendo uma sociedade antipatriarcal e anticapitalista; também a revolução produtiva no meio de um projeto exploratório, sendo a população curda incentivada desde cedo a se dedicar á agricultura, tendo seu sistema de economia popular baseado no trabalho coletivo, na abolição da propriedade privada da terra, na gestão do manejo ecológico pelos trabalhadores.
Por toda a história do capitalismo e dos genocídios cometidos, a luta e resistência dos povos oprimidos e massacrados pelas mesmas forças europeias e estadunidenses, vem tendo seus caminhos cruzados para chegarem juntos em um único destino final: a libertação de todo o povo oprimido, para uma revolução que extinga esse sistema predatório de exploração.