'O caráter de classe dos trabalhadores plataformizados' (Nicholas)

É imperativo que abandonemos essa categorização de informais e tenhamos um programa que contemple tanto os setores proletários quanto pequeno-burgueses da informalidade, cujo o eixo unificador é fundamentalmente a luta pelos direitos trabalhistas e pelo direito ao trabalho.

'O caráter de classe dos trabalhadores plataformizados' (Nicholas)

Por Nicholas para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A mais nova polêmica em nossas redes acerca da natureza de classe dos trabalhadores plataformizados que expõe uma das nossas maiores deficiências ideológicas.

A primeira delas se dá enquanto uma questão de método e, portanto, não se limita a questão particular aos trabalhadores plataformizados; muitas vezes os camaradas optam por abordar os debates a partir de uma perspectiva estritamente lógico-formal transformando debates de conteúdo político em debates retóricos, vemos isso claramente em nossos debates sobre a China onde sobra espaço para argumentos retóricos e citações recortadas e pouquíssimo para dados e estudos relevantes.

Existe em nossas fileiras um certo dogmatismo que é o pai desse tipo de formulação, muitas vezes, confundimos a necessidade de sermos ortodoxos com um simples dogmatismo que buscar encaixar a realidade em categorias pré prontas, operando um marxismo profundamente anti-marxista buscando simplesmente encaixar a força a realidade em categorias a priori, tratando o marxismo como um grande chat gpt que nos dá as respostas prontas e não como a luz que deve guiar nossas formulações

Vejamos como em nosso último congresso colocávamos a questão dos trabalhadores plataformizados 

“ 108) Informalidade digital: Um dos exemplos mais dramáticos da informalidade na economia brasileira nesses quatro anos de recessão é o fato de que cerca de 3,8 milhões de pessoas têm no trabalho com aplicativos a sua principal fonte de renda, bastando dizer que Uber, Cabify, Ifood e Rappi, entre outros, se tornaram alguns dos principais exploradores da força de trabalho do país. A absoluta maioria desses/as trabalhadores/as perdeu o emprego com a crise e foi obrigada a buscar a sobrevivência em condições de trabalho precárias, sem nenhum direito. Os/as trabalhadores/as dessas empresas são superexplorados/as, não só porque não possuem carteira assinada, mas principalmente porque trabalham com seus próprios equipamentos de locomoção (automóvel, bicicleta, moto) e são obrigados/as a pagar um elevado percentual do que ganham diariamente para as empresas – no caso do Uber, os/as motoristas podem pagar até 40% líquido daquilo que recebem diariamente. Se a esse percentual acrescentarmos o desgaste do veículo, a manutenção, as despesas com gasolina e alimentação e mesmo o aluguel dos equipamentos de locomoção de terceiros, poderemos constatar a intensificação da exploração da força de trabalho.
109) A uberização é um fenômeno de precarização das condições de trabalho na era digital. Por sua condição de produção em que são detentores de seus meios de trabalho, esses setores muitas vezes são cooptados pela ideologia do empreendedorismo e sensíveis às pautas liberais, como pequenos/as proprietários/as privados/as e locatários/as. Contudo, conforme se desenvolve sua experiência de exploração e luta, tais setores se movimentam justamente no sentido da formalização de seu vínculo com as empresas intermediadoras digitais: entregadores/as, como os do Ifood, reivindicam pagamento não apenas pelo produto entregue, mas também pelas horas de espera às portas dos restaurantes, o que gera processos de exaustão física e mental dos/as trabalhadores/as que, sem direitos e garantias, trabalham em jornadas longas para garantir o mínimo necessário à sobrevivência. “(2)

Logo no nome já vemos uma confusão sobre esse caráter de classe, pois o que seria tal “ informalidade digital “ se levarmos isso ao rigor da letra, estamos colocando motoristas de uber, entregadores, influencers, artesãos e pequenos vendedores que dependem de redes sociais no mesmo balaio, isso é uma prova de que abordar a questão da precarização pelo signo da formalidade ou informalidade é análise que se  prende ao aspecto jurídico da relação, pois, um camelô e um trabalhador de canavial ambos são privados do trabalho formal, sendo, pois, informais, mas, tem relações de trabalho e são confrontados com as relações capitalistas de forma absolutamente diferente.

Por isso é imperativo que abandonemos essa categorização de informais e tenhamos um programa que contemple tanto os setores proletários quanto pequeno-burgueses da informalidade, cujo o eixo unificador é fundamentalmente a luta pelos direitos trabalhistas e pelo direito ao trabalho.

Dito isso, para pensarmos a questão dos trabalhadores plataformizados precisamos tirar de nossa frente a ilusão, que por mais batida que seja ainda ilude muitos camaradas, de que seriam na realidade não trabalhadores do setor de transporte, mas, simplesmente empreendedores.

Todos nós podemos sem muito esforço perceber a falsidade dessa ideia de que esses trabalhadores tenham algum controle sobre a exploração de sua força de trabalho, para além disso, é claro o caráter disciplinar dessa noção de “empresário de si mesmo” que nada mais faz que dar o chicote para trabalhador bater em si mesmo, pois, frente a ausência total de direitos e responsabilidade do patrão, pois como diz Marx sobre o salário por peça:

 “Dado o salário por peça, é natural que o interesse pessoal do trabalhador seja o de empregar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista a elevação do grau normal de intensidade.  É igualmente do interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois assim aumenta seu salário diário ou semanal . Com isso, ocorre a reação já descrita no caso do salário por tempo, abstraindo do fato de que o prolongamento da jornada de trabalho, mesmo mantendo-se constante a taxa do salário por peça, implica, por si mesmo, uma redução no preço do trabalho”(3)

A ilusão do empreendedorismo chega em nossas fileiras através da noção de que a plataforma se limitaria a ser um atravessador , o que além de ser o exato discurso das plataformas, coloca o proletário como um pequeno burguês cuja contradição não se dá através da luta entre capital e trabalho. 

No entanto, muitas vezes afirma-se o caráter pequeno burguês desse trabalho afirmando que esses trabalhadores tem acesso a meios de trabalho[ o que frente ao aumento de uso de aluguéis nessas categorias, não creio ser exatamente verdade], o erro dessa formula presente nos argumentos do XVI congresso, na tribuna de Landi e no vídeo de Gaiofato é esquecer que a contradição principal desse trabalhadores com as empresas é uma contradição entre capital e trabalho, podemos ver isso ao ver as pautas do último breque dos apps:

“Ambas as alternativas, seja das empresas ou a do governo, não cobrem sequer os custos do trabalho e apenas beneficiam os monopólios que operam os aplicativos. Segundo o Relatório Fairwork Report Brazil 2023, a iFood não foi capaz de apresentar evidências suficientes de que todos os trabalhadores da empresa, a maior contratadora do setor, ganham acima do salário mínimo considerando os custos (R$5,50 por hora).

Uma demanda emergente da categoria é a remuneração pelo período integral em que estão trabalhando, não apenas por corrida ou pelo tempo contabilizado durante as corridas. Por sua vez, o interesse das gigantes plataformas é ampliar o tempo de trabalho não remunerado, o que garante a ampliação de suas margens de lucro.” (4)

Vemos aqui uma luta contra precisamente uma forma de salário por peça, isto é o recebimento apenas das corridas e uma luta por um salário pelo tempo logado.

Para além disso, uma das reivindicações que se faz mais presente em todas as categorias plataformizadas é a luta por direitos previdênciarios e de seguridade social, ou seja, se insere precisamente numa luta por condições melhores da venda da força de trabalho.

Por fim, incomoda-me muito a falta de formulações sobre o trabalho plataformizado em nossas teses que se limita a uma reivindicação necessária,porém, genérica sobre a necessidade de estatização e unificação das plataformas em uma única e estatal sob controle  operário.

Camaradas! Somos comunistas, logo somos pela estatização e controle operário da totalidade da economia, esse ponto no programa é vázio, poderíamos trocar por setor aéreo, metalúrgico, petroleiro e etc, sem absolutamente nenhum prejuízo no sentido da frase, termina por ser tautológico.

Esse incomôdo se torna mais doloroso na medida em que falta qualquer formulação nas teses sobre nossa inserção e disputa nesses setores, parecem ignorar que existe uma tendência indiscutível de milhões de jovens proletários irem trabalhar para essas empresas, isso é uma das grandes deficiências ideológicas de nosso partido, sabemos formular muito bem sobre os grandes temas do MCI, fazemos ótimos balanços da falência política e ideológica do velho PCB, mas, mal somos capazes de formular sobre como disputar uma categoria que é central para pensarmos seriamente em qualquer tipo de proletarização de nossas fileiras.

Portanto, é imperativo que nós busquemos construir esses debates nas nossas etapas regionais e na vindoura etapa nacional de nosso congresso, não existe proletarização sem inserção com os trabalhadores plataformizados !!!


REFERÊNCIAS

1() XVI congresso do PCB,perfil do proletariado brasileiro, relações de produção e formas de atuação da classe trabalhadora no enfrentamento ao capital

(2) Marx, O CAPITAL, edição da boitempo

(3) https://emdefesadocomunismo.com.br/entregadores-de-aplicativos-preparam-greve-nacional-em-meio-a-negociacao/