O Amazonas e a crise climática
Entregues aos riscos de saúde causados pela fumaça e pela alta temperatura do mês de setembro, assim como ao aumento do custo de vida promovido pela seca dos rios, moradores de Manaus vivem a ansiedade climática de estar presenciando o fim da floresta amazônica.
Por Redação
MANAUS — O mês de setembro está sendo de caos e agonia para a população amazonense. Na capital, o nível de qualidade do ar está entre os piores do mundo, em razão da presença de grandes nuvens de fumaça causadas por focos de calor e queimadas na região metropolitana da cidade e no sul do estado. Enquanto isso, no interior está ocorrendo uma grande seca que impede a chegada de comida, combustível e água potável para 15 cidades, afetando a vida de 111 mil amazonenses.
De onde vem as queimadas?
O estado do Amazonas apresentou 6.597 focos de calor durante o mês de setembro, segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A capital convive com temperaturas altas e grandes nuvens de fumaça cobrindo o céu da cidade, causando uma queda considerável na qualidade do ar. Segundo o Índice Mundial de Poluição do Ar (AQICN), no dia 20 de setembro a cidade tinha o pior ar respirável do mundo, condição que oferece diversos riscos à saúde da população.
Os governos estadual e municipal repetem a mesma postura que tiveram durante a crise oxigênio em Manaus, quando a completa inércia deixou manauaras à própria sorte. A política de esperar para ver era, como agora é, a política dos bolsonaristas Wilson Lima (União Brasil) e David Almeida (Avante). Entregues aos riscos de saúde causados pela fumaça e pela alta temperatura do mês de setembro, assim como ao aumento do custo de vida promovido pela seca dos rios, importante meio de transporte para a cidade, moradores de Manaus vivem a ansiedade climática de estar presenciando o fim da floresta amazônica.
Em Iranduba, próximo a Manaus, um incêndio de grandes proporções começou no dia 25 e atinge uma área de aproximadamente três quilômetros de floresta. Na parte sul do estado estão localizados quatro dos 10 municípios mais atingidos por focos de incêndio neste mês, Lábrea, Novo Aripuanã, Boca do Acre e Humaitá. Todos eles são compreendidos pela Amacro, fronteira do Amazonas com Acre e Rondônia.
Somente nesta região de fronteira foram derrubados 231.955 hectares de terras, segundo dados do relatório anual de desmatamento do MapBiomas, em 2022. A derrubada da floresta torna o ambiente, onde antes havia mata amazônica, muito menos úmido, com o solo seco e gera material combustível (como folhas e galhos secos), facilitando com que focos de incêndio se alastrem por grandes áreas da floresta amazônica, incluindo áreas de preservação.
É importante destacar que a parte sul do estado do Amazonas se tornou fronteira agrícola (ou do arco do desmatamento) a partir do começo do governo Bolsonaro, onde o desmatamento cresceu exponencialmente para criação de grandes pastos para atividade agropecuária, assim como abrir espaço para mineração. O garimpo passa a ter expressão já no governo Temer quando em 2017, em Humaitá, garimpeiros incendiaram as sedes do Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na cidade, em revolta.
Em 2021, sob a vista grossa e conivência dos militares, que em muitas destas cidades são a única representação do Estado brasileiro, houve uma nova corrida do ouro ilegal na Amazônia, com mais de 1,8 mil homens se locomovendo para a região do rio Madeira, desmatando a floresta, poluindo e assoreando as bacias dos rios.
Sobre a seca
A forte seca que atinge hoje a maioria dos municípios do Amazonas — 60 dos 62 municípios do estado estão fora da normalidade — era prenunciada por especialistas do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam), em julho. Naquele mês, os focos de calor já haviam aumentado drasticamente em comparação com o mês anterior. Somados, estes dois meses tiveram 7,3 mil focos, comparados com 5,21 mil dos cinco meses anteriores, segundos dados do Inpe. Era notório que o fenômeno El Niño e o aumento da temperatura no Atlântico Norte potencializariam o verão amazônico e trariam consequências para manutenção da vida na floresta. Nenhuma medida preventiva foi tomada por nenhuma esfera de governo e o desastre começou neste mês de setembro para a população das cidades, animais das florestas e dos rios e para a própria vegetação.
A seca em 2023 tem potencial para ser a maior da história, de acordo com o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O nível do rio Negro, um dos principais rios da região, está 2,5 metros abaixo da média histórica para o mês de setembro. Em Manaus, a capital do estado, o rio já atingiu o nível mais baixo desde 1975.
Na cidade de Tefé foram encontrados mais de 100 botos cor-de-rosa mortos no lago que leva o nome da cidade. Nunca havia acontecido mortes desta espécie, mesmo nas piores estiagens, segundo moradores. Pesquisadores do Instituto Mamirauá afirmam que a temperatura do lago no dia 28 estava em torno de 39º, o que é 8 graus a mais do que o registrado no mesmo período do ano anterior. Em Manacapuru, no Lago Piranha, pilhas de peixes mortos aumentam todos os dias devido à seca.
Com os níveis dos rios mais baixos, a Zona Franca de Manaus corre o risco de não conseguir escoar sua produção, assim como de deixar de receber insumos para suas fábricas, afetando em cadeia nacional a disponibilidade de produtos fabricados na cidade.
A grande maioria dos municípios do Amazonas dependem do transporte fluvial para o abastecimento de comida, combustível e agora, com os rios e lagos secos, até para conseguir água potável. Sem o transporte fluvial algumas cidades e suas áreas rurais estão totalmente isoladas, havendo riscos grandes de fome e sede nestes lugares.
A Defesa Civil do município de Envira, próximo à fronteira com a Colômbia e o Peru, afirmou que pediu ajuda financeira para o governo do estado no dia 31 de agosto e até o dia 26 de setembro não havia recebido nenhum auxílio de infraestrutura (como helicópteros para entrega de comida em comunidades agora isoladas) ou financeiro por parte do governo.
A sede do município sofre o aumento de preços devido à dificuldade dos barcos chegarem até lá, enquanto na zona rural, os alimentos estão inacessíveis e as populações correndo risco de fome, sede e falta de energia elétrica. O número de pessoas atingidas pelas consequências da seca tende a aumentar, afetando diretamente mais de 50 municípios e 500 mil pessoas no estado, com indicativos de que o fenômeno El Niño persistirá até janeiro.
A crise climática foi gestada pelo capital
O desmatamento e o garimpo são os catalisadores das queimadas e seca dos rios. A burguesia nacional e internacional não só causou a catástrofe, mas procura amplificá-la. Prova disso é o forte lobby que o governador Wilson Lima vem fazendo para explorar a terra indígena Soares Urucurituba, falsificando ata de reunião com indígenas do povo mura, em favor da empresa potássio “do Brasil”, que pertence a investidores estrangeiros e amazonenses, em meio à pior crise ambiental vivida pelo estado do Amazonas na sua história.
Os políticos representantes da burguesia amazonense culpam a falta de estrutura da BR-317 pela falta de abastecimento devido à seca em cidades do estado, repetindo a mesma desculpa dada quando Manaus sofreu um genocídio sanitário. Culpa-se a suposta falta de infraestrutura do estado quando, na verdade, tanto em 2021 quanto em 2023, o que aconteceu foi que o estado e municípios foram entregues aos desejos da burguesia. Seja para “testar” a imunidade de rebanho e ignorar avisos de falta de oxigênio, seja para ignorar avisos de uma grande seca e deixar morrer milhares de animais, promovendo a fome de comunidades ribeirinhas, sucateando a indústria de Manaus e garantindo o avanço do garimpo em terras indígenas e unidades de conservação ambiental.