O Agronegócio e o trabalho escravo no Brasil
Em outubro, o Ministério do Trabalho divulgou a ‘lista suja’ de empresários e estabelecimentos que submetem trabalhadores e trabalhadoras a condições análogas a escravidão. Entre os nomes está o do cantor sertanejo e latifundiário Leonardo.
Por Redação
A Lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego é uma ferramenta para expor empresas e indivíduos que praticam o trabalho análogo à escravidão. Ainda em agosto, antes dessa última divulgação, houve a Operação Resgate IV, que foi considerada a maior ação conjunta de combate a essa prática na história do Brasil, que envolveu 6 instituições diferentes e resgatou 593 trabalhadores em 15 estados. Cerca de 72% dos trabalhadores resgatados durante a operação estavam no agronegócio.
Na mais recente lista suja, um dos nomes de maior destaque é o do cantor Leonardo. O crime em suas fazendas foi descoberto após uma fiscalização realizada em novembro de 2023 nas propriedades Talismã e Lakanka, localizadas em Jussara, no interior de Goiás. Durante a operação, seis pessoas, incluindo um adolescente de 17 anos, foram encontradas trabalhando em condições degradantes.
O nome de Leonardo revela algo comum entre os casos de escravidão no Brasil: sua estreita relação com o latifúndio e o agronegócio. Nos últimos anos, o agronegócio e as empresas de monocultivo revelaram os maiores índices de exploração do trabalho no Brasil.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), apenas em 2023, 2.663 pessoas foram libertas do trabalho escravo pelo Estado, e foram contabilizados mais 251 casos no campo fiscalizados e denunciados pela Comissão.
Os setores econômicos com o maior número de trabalhadores resgatados foram a produção de cana-de-açúcar (618) e as culturas permanentes, como café e uva (598), lavouras temporárias (477), mineração (176), pecuária (156) e demais atividades rurais (273). Também houveram casos nas atividades de carvão vegetal (129), extrativismo vegetal (98), desmatamento (84), monocultivo de árvores (54), fabricação de carvão vegetal (51) e criação de gado (46).
Os dados da CPT de 2023 revelam que os estados que apresentaram o maior número de pessoas submetidas ao trabalho escravo foram Goiás (699), Minas Gerais (472), Rio Grande do Sul (323) e São Paulo (243).
O trabalho escravo permanece uma realidade brutal no Brasil, alimentado pela baixa fiscalização e pela vulnerabilidade social. Essa vulnerabilidade tem raízes históricas no colonialismo e no racismo contra as populações negras que historicamente tiveram o direito à terra negado.
A concentração de terras, recursos e poder no campo continua a expulsar trabalhadores rurais em um ritmo muito maior do que a geração de empregos nas áreas urbanas, tornando-se o aspecto mais prejudicial da questão agrária no país. Esse processo mantém uma estrutura que favorece uma minoria e marginaliza grande parte da população.
Além disso, quanto menos se distribui terra e aumenta o latifúndio, mais os trabalhadores que moram no campo que possuem lotes ou vivem em pequenas vilas e cidades são forçados a vender sua força de trabalho e a se submeterem a trabalhos exaustivos e sem nenhum direito.
A região amazônica é a região que apresentou nos últimos anos o menor índice de trabalho escravo, mas acredita-se que os casos são subnotificados, pois existem inúmeros problemas que inviabilizam uma fiscalização efetiva. Além disso, empresários, políticos e ruralistas ligados aos setores que lideram o ranking, têm grande influência e representações na política institucional, amparados pelo Estado burguês.
A região possui um índice crescente de grilagens de terras, a segunda maior produtora de pecuária e soja e com inúmeros garimpos ilegais e dados alarmantes de desmatamento. E essas atividades são propícias para o trabalho escravo por se desenvolverem, por vezes, em lugares remotos.
A última lista suja expôs Gilcimar Modesto, o "Gil do Foguete" como é conhecido, que é proprietário de uma fábrica de móveis na BR-174, zona rural de Manaus. Além das acusações de tráfico de drogas, a empresa dele foi incluída na lista, após denúncias de exploração feitas por dois funcionários. Esse fato revela como o Estado burguês permite que figuras como ele continuem explorando trabalhadores sem enfrentar consequências significativas. Mesmo com um histórico de crimes, essas pessoas operam com facilidade, beneficiadas por um sistema legal lento e ineficaz, especialmente em regiões remotas da Amazônia, onde a presença do Estado é fraca ou negligenciada.
Essa região demonstra também que o trabalho escravo não está dissociado da questão agrária e ambiental. Desmatamento, grilagem de terras e mineração ilegal caminham lado a lado com a exploração da força de trabalho, refletindo a lógica capitalista predatória que impera no local. Além de ter seus recursos naturais saqueados, a população é submetida a condições precárias, sem acesso à água potável, moradia digna e alimentação adequada.
A superexploração de trabalhadores rurais e urbanos se insere num contexto de precarização, terceirização e marginalização de trabalhadores, alimentada por um modelo capitalista onde o sagrado é a propriedade privada e maximiza o lucro às custas da dignidade humana. Isso se mantém como uma estratégia essencial para a acumulação de riqueza.
O enfrentamento à superexploração na Amazônia e no Brasil como um todo não pode se limitar a operações pontuais de resgate ou à inclusão de empregadores em listas públicas. Embora essas ações sejam importantes, é necessário reconhecer que o trabalho escravo é um fenômeno histórico. E que as grandes cadeias produtivas globais e os monopólios locais se beneficiam da superexploração da mão de obra barata, seja nas áreas rurais ou urbanas.
A luta contra o trabalho análogo à escravidão é uma luta contra o próprio capitalismo e sua lógica de acumulação de riqueza à custa da exploração humana e ambiental. Somente uma transformação radical da sociedade permitirá que os trabalhadores conquistem uma vida digna e livre da exploração.