O acesso ao ensino superior depende do fim do vestibular e do fim do Novo Arcabouço Fiscal
O vestibular é uma política que restringe milhares de jovens de entrar no ensino superior, e não sendo o único responsável, mas parte de um projeto político tocado pelo setor da educação privada cujo objetivo é enriquecer a partir do sucateamento da educação pública.
Por Redação
O ENEM de 2024 teve 4,3 milhões de inscritos. O número retoma os patamares de antes do governo Bolsonaro. O aumento é considerado uma vitória para o campo progressista pois representaria que a juventude volta a ter esperanças no futuro. Mas esse aumento não se reflete em entradas de estudantes nas universidades públicas. Isso acontece em função do Novo Arcabouço Fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda de Fernando Haddad, o qual restringe o aumento do investimento público nas instituições de ensino, levando ao impedimento da abertura de novas vagas e um verdadeiro escoamento de vestibulandos para universidades privadas, sobretudo no modo de ensino à distância.
Segundo dados do último Censo da Educação Superior, as IES do setor privado correspondem a quase 80% das matrículas em graduações. Dos quais, 27% estão concentradas em 5 instituições e 49% – cerca de 4,9 milhões de graduandos – no EaD. A explosão do ensino à distância aconteceu a partir de 2019, quando o ministro da educação bolsonarista Abraham Weintraub autorizou que até 40% da carga horária dos cursos pudessem ser ministradas de forma remota. A decisão privilegiou a grande burguesia da educação privada, que reduziu seus custos com imóveis, manutenção, energia, quadro de funcionários e professores, sobrecarregando-os. Apesar do argumento que o ensino à distância democratiza o acesso ao ensino superior, apenas 2,3% dos cursos EaD tiveram no máxima (5) no ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e cerca da metade teve notas inferiores ao mínimo para se manterem ativos (1 ou 2).
A lógica burguesa não é diferente para a educação. Diante da falta de vagas nas instituições públicas, os monopólios do ensino privado atuam para afrouxar regulamentações, obter vantagens fiscais e absorver a demanda pelo ensino superior expressa no aumento de inscrições para o vestibular, ao mesmo tempo que reduzem custos e ampliam as margens de lucro.
Em contraste ao crescimento das matrículas no setor privado, o ensino público sequer preenche todas as suas vagas. O Censo da Educação Superior de 2023 mostrou que quase 40% das vagas ficaram ociosas e as bolsas de permanência estudantil são insuficientes para sustentar aquelas que são preenchidas. A falta de verbas, afeta não só a permanência, mas o próprio funcionamento das instituições, como no caso da Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, que, em nota de agosto, manifestou que os cortes orçamentários anunciados pelo governo às IES colocavam em risco o funcionamento básico da universidade. A mudança no perfil dos ingressantes na última década, que passaram a vir de famílias de renda ainda mais baixa, demanda mais recursos de permanência a fim de materializar um acesso democrático ao ensino superior de qualidade.
Na contramão dessa necessidade, os recursos destinados à educação pública federal vem diminuindo. O acumulado de reposições orçamentárias, fruto das mobilizações nas instituições de ensino superior no primeiro semestre de 2024, chegou a R$638 milhões. O montante corresponde somente a 25% das perdas de orçamento desde 2015, calculadas em R$2,5 bilhões pelo ANDIFES. Esse dado reflete diretamente a política de austeridade fiscal que foi intensificada a partir do segundo governo de Dilma Rousseff, tendo sido consolidada no governo Michel Temer e aprofundada no governo Bolsonaro e também no terceiro mandato de Lula, apesar do programa apresentado na campanha eleitoral ser diferente.
Embora as regras fiscais dos governos Temer-Bolsonaro e da atual gestão sejam diferentes nos detalhes, o cerne ideológico se mantém o mesmo: limitam-se os gastos sociais do Estado para agradar expectativas de investidores e agentes do mercado financeiro no Brasil. O Novo Arcabouço Fiscal, como é chamado institucionalmente, vai na contramão das demandas da base eleitoral e do programa que elegeu a chapa Lula-Alckmin em 2022, ameaça os pisos constitucionais da saúde e educação e não garante a viabilidade material das reformas e construções de novos campi anunciadas pelo governo.
A partir disso, é possível compreender o porquê do aumento das inscrições no ENEM não representar aumento nos ingressos no ensino público superior. As 870.333 vagas presenciais na rede pública correspondem apenas a um quinto das inscrições no ENEM deste ano, segundo o Censo da Educação Superior. Se, por um lado, há um déficit de vagas que impede o acesso ao ensino público e gratuito de todos que concluem o Ensino Médio, a própria estrutura do vestibular, somada às limitações orçamentárias impostas pela política fiscal, muitas das vagas existentes se mantêm desocupadas. Essa conjuntura escoa o excedente de inscritos no vestibular para a rede privada de educação superior, atendendo aos interesses da burguesia do setor.
É preciso rever o sentido da política econômica também sob a perspectiva que a educação não pode ser considerada mercadoria e sim um setor estratégico, onde se formam os profissionais que ensinam na educação básica, atendem no SUS, produzem ciência e tecnologia a partir da pesquisa científica. Revogar o Novo Arcabouço Fiscal é pré-requisito para fortalecer a educação pública superior.