Novo Ensino Médio prejudica educação de milhões de jovens trabalhadores

é possível e necessária uma mobilização independente dessas categorias e de toda a classe trabalhadora para revogar por completo o NEM e barrar a ofensiva burguesa contra a educação.

Novo Ensino Médio prejudica educação de milhões de jovens trabalhadores
Manifestação pela revogação do Novo Ensino Médio na Av. Paulista, em 15 de março de 2023. Reprodução: Fernando Frazão / Agência Brasil

A contrarreforma do Ensino Médio imposta pelo Governo Temer ainda em 2017 e implementada nos anos seguintes, sob o nome de “Novo Ensino Médio” (NEM), já prejudicou a formação de milhões de jovens trabalhadores cursando o Ensino Médio, enquanto beneficiou apenas os grandes oligopólios da educação privada, agravando as desigualdades entre a educação pública e privada e precarizando ainda mais a carreira docente.

As lutas de milhares de estudantes e trabalhadores da educação contra esse projeto da burguesia da educação vem impondo um recuo à implementação do NEM, expressado fundamentalmente pela apresentação, por parte do governo, de um projeto de “substitutivo” conciliador, que remove alguns dos aspectos mais prejudiciais das contrarreformas, mas ainda mantém, no essencial, seu caráter fundamental: é um projeto de educação que visa preparar mão de obra acrítica e adaptável para trabalho precarizado, especialmente no setor de comércio e serviços.

O que é o Novo Ensino Médio?

O Novo Ensino Médio engloba uma série de alterações no sistema educacional a partir da Lei nº 13.415/2017, especialmente centrados na reestruturação dos currículos e grades horárias do Ensino Médio sob a falsa consigna da “aprendizagem flexível”, desestruturando, na realidade, o ensino de disciplinas básicas da formação dos estudantes.

As principais alterações do Novo Ensino Médio são:

  1. Diminuição da Carga Horária de disciplinas básicas (matemática, história, geografia) de 2.400 horas para 1.800 horas;
  2. Introdução de 1.200 horas obrigatórias de “itinerários formativos”, disciplinas “extras” que incluem até “workshop de brigadeiro”;
  3. Obrigatoriedade exclusivamente do ensino de Matemática e Língua Portuguesa nos 3 anos do EM, permitindo que outras disciplinas sejam excluídas da grade dos estudantes;
  4. Introdução de Ensino Híbrido e EAD no ensino público;
  5. Ensino Integral (carga horária de 7h);
  6. Permissão de contratação de professores não concursados, por “notório saber”.

Em recente consulta pública realizada pelo Ministério da Educação e Cultura após muita pressão dos estudantes e trabalhadores da educação, todos esses eixos foram avaliados negativamente pela população, o que impôs que o governo propusesse a revogação de alguns pontos do NEM.

Porém, mesmo essas pequenas conquistas nas propostas do Governo Federal vêm sendo duramente enfrentadas pelos representantes dos oligopólios da educação e do capital financeiro, com especial destaque ao movimento “Todos pela Educação” (TPE), financiado diretamente pela burguesia.

Mantenedores do TPE. Fonte: https://todospelaeducacao.org.br/quem-somos/transparencia/

A diminuição da Carga Horária da Formação Geral Básica (FGB) em 600h, em conjunto com o fim da obrigatoriedade de ensino de diversas disciplinas essenciais durante os 3 anos significou um profundo aumento na desigualdade do acesso ao conhecimento dos estudantes. Enquanto as escolas particulares de elite seguiram ofertando aos filhos da burguesia (a preços altíssimos) a possibilidade de estudar um arcabouço mais amplo e aprofundado para embasar uma formação completa, as escolas públicas foram obrigadas a reduzir esse estudo.

Essa desigualdade ainda se intensifica quando se avalia que, na lógica do vestibular, justamente as disciplinas da FGB são exigidas para os exames, reforçando ainda mais esse filtro social que impede os trabalhadores de acessarem as universidades. Enquanto os estudantes ricos são preparados pela escola para os vestibulares, os filhos de trabalhadores são obrigados a “escolher” seus focos ainda aos 15 anos, sem ter acesso, no ambiente escolar, a todos os conhecimentos necessários para o vestibular. Se a própria lógica do vestibular é excludente, e por isso faz-se necessário o fim dos vestibulares, enquanto eles existirem será de interesse dos estudantes e trabalhadores garantir o mínimo de igualdade nas condições de estudo e acesso à Universidade.

A redução da carga horária da FGB foi massivamente criticada na Consulta Pública, fazendo o Governo recuar e propor a reconstituição das 2.400 horas obrigatórias. Porém, o TPE já vem se pronunciando para manter a redução em 2.000h ou 2.200h. Também a desestruturação do currículo de disciplinas obrigatórias foi duramente criticado pelos estudantes e trabalhadores, que propuseram a recomposição da maior parte das disciplinas obrigatórias.

Os “itinerários formativos” também reforçam a desigualdade na educação brasileira e substituem disciplinas essenciais por conhecimentos frequentemente laterais ou, mesmo, não científicos, com disciplinas como “Empreendedorismo” ou “workshop de brigadeiro”. E, mesmo que em algumas escolas haja itinerários interessantes, a escolha do estudante é limitada pela escola que ele está matriculado (a mais próxima de seu endereço, em geral, na rede pública), agravando ainda mais as desigualdades, dado que, sob uma falsa justificativa de “liberdade de escolha”, o estudante fica preso às poucas opções ofertadas pela escola, reforçando ainda mais que o caráter “flexível” do NEM é, na realidade, uma forma direta de precarização da educação pública brasileira.

Ainda, a formação pedagógica dos professores não é direcionada para estes itinerários e, com o aumento de carga horária e a redução das disciplinas “tradicionais”, o NEM implementa outra medida destinada a desestruturar a carreira docente: a contratação por “notório saber”, o que permite a contratação de professores não formados nas áreas, mas reconhecidos com “notório saber” sobre a disciplina que ministrarão, geralmente, relacionada à itinerários genéricos e esparsos, como “empreendedorismo” e “projeto de vida”. Essa medida, também, abre as portas para consultorias privadas de educação e subcontratação de professores, o que destinará um volume ainda maior de recursos públicos ao setor privado.

Cumpre também destacar que o aumento da carga horária diária (de uma média de 4h para até 7h obrigatórias), combinada com a diminuição de disciplinas essenciais, é receita direta para manter a enorme evasão escolar vista no Ensino Médio público. As centenas de milhares de estudantes que não concluem o Ensino Médio para trabalhar e auxiliar na renda de casa – número que só aumenta com a intensificação da carestia, o aumento dos preços e o rebaixamento geral dos salários, bem como o aumento do desemprego – seguirão sem possibilidades de voltar à uma escola que consome ainda mais tempo do dia, com ainda menos tempo dedicado ao ensino conhecimentos essenciais, seja para o vestibular, seja para a própria formação pessoal.

Em adendo, outros milhares de estudantes, que são obrigados a conciliar longas jornadas de trabalho com o estudo (frequentemente, no regime 6x1 ou com mais de 8h diárias), serão progressivamente expulsos das escolas conforme elas os obrigarem a estar presentes por períodos cada vez mais longos, sem qualquer aumento na qualidade do ensino e sem quaisquer políticas de permanência.

Outro prejuízo imediato do NEM é a expansão de modalidades de “Ensino Híbrido” no Ensino Médio, o que foi aprofundado com a pandemia e pretende permanecer, visando dar vazão às necessidades do novo modelo curricular. Já em novembro de 2023, o MEC, em parceria com o Banco Mundial e o Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais vinculado ao Instituto de Computação da Universidade Federal de Alagoas (NEES-UFAL) lançaram uma iniciativa visando investir na implementação do NEM através do Ensino Híbrido, reforçando a precarização da educação pública e a desestruturação da carreira docente.

Essa medida reforça a precarização e, ainda, abre um espaço ainda maior para a privatização da educação pública e a transferência de recursos do Estado para empresas privadas que prestam serviços para implementar as tecnologias necessárias.

Governo lança projeto conciliador que não resolve as contradições do NEM

Após amplas manifestações organizadas pelo Movimento Estudantil Secundarista, o governo recuou e suspendeu a aplicação do NEM durante 2023. Agora, tramita na Câmara um novo projeto de lei para “reformar” o Novo Ensino Médio ( PL 5.230/2023), revogando a redução da carga horária de FGB, mas mantendo, no fundamental, a contrarreforma: itinerários formativos, desestruturação do currículo obrigatório, contratação por “notório saber”, brechas para o ensino híbrido, etc.

Esse novo projeto, já avaliado pela UJC, não é do interesse dos milhões de estudantes e trabalhadores da educação que lutam pela completa revogação do Novo Ensino Médio e por uma melhor educação aos filhos da classe trabalhadora, já que não altera os fundamentos da política burguesa para a educação que o NEM expressa: precarização e infiltração privada da educação pública brasileira, uma perversa faceta da ofensiva burguesa sobre o setor, que também ataca o próprio orçamento da educação pública com a proposta de acabar com os pisos constitucionais.

A luta independente de estudantes e trabalhadores pode derrotar o NEM

A partir dos primeiros ataques da contrarreforma, durante o governo de Temer, trabalhadores e estudantes se levantaram contra suas consequências e em defesa da educação pública. Afinal, mesmo que o modelo anterior estivesse forrado de problemas, era visível que o NEM significou um retrocesso em relação às conquistas anteriores.

Porém, a luta ainda foi muito limitada, resultado da fragmentação dos movimentos populares. No movimento estudantil, as entidades como UNE e UBES mantiveram uma posição recuada, conciliatória e frequentemente voltada prioritariamente à luta parlamentar e institucional, mantendo o movimento desorganizado. O mesmo ocorreu com os sindicatos dos trabalhadores da educação. Isso permitiu com que movimentos espontâneos de estudantes e trabalhadores, organizados ou não nas entidades, surgissem com alguma frequência, mas sempre com caráter localizado e sem conseguir uma mobilização mais firme e permanente.

Nesse período, ainda os sindicatos e entidades mantiveram uma bandeira independente pela revogação completa do Novo Ensino Médio, especialmente pela pressão direta do descontentamento das bases do movimento, o que se reforçou nas jornadas de luta contra Bolsonaro, cujo governo acirrou o ataque à educação pública.

Com a derrota eleitoral de Bolsonaro e a posse do Governo Lula-Alckmin, havia grande expectativa de que o NEM fosse revogado. Porém, o governo e o Ministério da Educação e Cultura não tomaram qualquer iniciativa nesse sentido, o que fez estourar uma nova onda de mobilizações que, mesmo com as entidades estudantis dirigidas pelo campo governista, adotaram a palavra de ordem independente da revogação imediata do NEM. Essa jornada de luta foi fundamental para o recuo na posição do governo, primeiro com a suspensão, e depois com a apresentação de um Projeto que recua em pontos importantes.

Porém, a ligação das direções das entidades com o governo burguês não permitiu que essas jornadas atingissem seu principal objetivo e, com os primeiros recuos do governo, logo as direções passaram à atividade desmobilizadora de contar “vitória” aos quatro cantos e passar à agitação pela “defesa” do projeto do governo, o que a própria Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação vem tomando como objetivo principal.

Mas o descontentamento com o NEM ainda segue mobilizando milhares de estudantes e trabalhadores da educação, que sabem que pequenos recuos não são suficientes para melhorar suas condições de vida, estudo e trabalho. Por isso, é possível e necessária uma mobilização independente dessas categorias e de toda a classe trabalhadora para revogar por completo o NEM e barrar a ofensiva burguesa contra a educação.

Somente quando a classe trabalhadora apresentar suas bandeiras de forma independente, ela garantirá a imposição de suas conquistas contra a burguesia e o governo burguês. Vimos como uma movimentação independente, mesmo que apenas por poucos meses, já foi capaz de garantir um importante recuo da burguesia. Por isso, uma consequente mobilização no próximo período pode garantir não apenas a completa revogação do NEM e das contrarreformas na educação, mas ensinará toda uma geração de estudantes e trabalhadores nas perspectivas da luta e permitirá a conquista de novos avanços, ainda muito necessários, nos rumos da construção de uma educação que sirva aos interesses da classe trabalhadora: a Escola Popular.