'Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e os comunistas' (Leite e Zelesco)

Imagine se o Partido Comunista Brasileiro sustentasse e formasse militantes para o trabalho em diversas frentes, com o uso máximo das tecnologias que já estão à nossa disposição, com investimento em análise de dados, pesquisa social, uma estrutura de inteligência

'Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e os comunistas' (Leite e Zelesco)
"Cerca de 150 milhões de brasileires têm acesso à internet, 90 milhões só pelo smartphone"

Por Bruno Leite e Luiza Zelesco para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

O idealismo é a doença mais disseminada entre os comunistas. Toda teoria materialista não é capaz de livrar da tradição criada no senso comum atual dos militantes comunistas os preconceitos, principalmente com relação ao uso da internet. A transposição mecânica de práticas dadas como as mais corretas na tradição marxista-leninista é mais fácil do que complexificar a compreensão da conjuntura e separar o que pode ser só um desvio liberal do que pode ser um avanço em termos de eficiência e eficácia na economia dos esforços em prol da revolução brasileira. Concretamente, existe uma resistência grande e injustificável — a não ser pelo idealismo conservador — em relação ao uso de práticas e técnicas, já amplamente disponíveis, seja em termos organizacionais, seja com relação a ferramentas advindas das novas tecnologias de comunicação e informação (NTICs). A internet e as redes sociais são vistas com muita desconfiança, e mesmo rechaço, por uma parte grande da militância, ainda que jovem. A crise atual do PCB expôs isso de forma clara.

Essa crise abriu um espaço enorme onde o silêncio era a regra. Debater sobre o que queremos para o Partido Comunista Brasileiro é algo inescapável e, a meu ver, só se torna possível quando essa contradição, entre os comunistas que já entendem a importância das novas ferramentas e os que se aferram no moralismo analógico e irracional, sair da escuridão. A divisão entre os marxistas-leninistas e os “marxistas e leninistas” não pode ser entendida sem se atentar à questão do uso político (e revolucionário) das novas tecnologias.

Não é à toa que o camarada Jones Manoel foi o primeiro nome a ser expulso do Comitê Central e vítima de perseguição, com tentativa de destruição de sua imagem. Porque o camarada tem clareza da importância da internet e faz política, na prática, com o uso dessa ferramenta. É uma força muito mais eficiente do que qualquer outra até então. Não importa os argumentos que tentem desmerecer esse uso — não só pelo camarada, mas por vários outros que fazem trabalhos na internet e que também foram perseguidos — o critério da verdade se mostra na prática, nos números e na qualidade dos militantes novos, na ampliação sem precedentes da divulgação do marxismo e das obras marxistas, na quantidade de jovens interessados, se aproximando, e com um perfil cada vez menos de classe média e mais proletarizado nas nossas fileiras. Isso é indicativo óbvio de que o caminho deve se aprofundar por esses meios, para além dos tradicionais.

A disputa de consciência se dá onde a classe está. E a classe trabalhadora brasileira está, na sua maior parte, conectada à internet, através, principalmente, das plataformas de redes sociais. Cerca de 150 milhões de brasileires têm acesso à internet, 90 milhões só pelo smartphone.

“Dos 149 milhões de usuários de Internet no território nacional, 142 milhões se conectam todos, ou quase todos os dias – com prevalência nas classes A (93%) e B (91%) e em menores proporções nas C (81%) e DE (60%). No outro extremo, 36 milhões de brasileiros não são usuários da rede. Esse grupo é maior entre habitantes de áreas urbanas (29 milhões); com grau de instrução até o Ensino Fundamental (29 milhões); pretos e pardos (21 milhões); das classes DE (19 milhões); e com 60 anos ou mais (18 milhões).”

No mundo todo isso não é muito diferente.

Usuários da Internet em todo o mundo


2005

2010

2013a

2017

2019

População Mundial

6,5 bi

6,9 bi

7,1 bi

7,4 bi

7,75 bi

Usuários em todo mundo

16%

30%

39%

48%

53,6%

Países em desenvolvimento

8%

21%

31%

41,3%

47%

Países desenvolvidos

51%

67%

77%

81%

86,6%

Fonte: União Internacional de Telecomunicações. <https://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Pages/facts/default.aspx em: nov. 2021>

Todos os atores políticos mais importantes sabem que se tornou imperativo investir no meio mais eficiente, barato e com menos esforço para se obter informações, propagandear e influenciar massas gigantescas de pessoas. A CIA, por exemplo, controla uma empresa de fomento de novas tecnologias, chamada In-Q-Tel, justamente porque sabe que é estratégico para suas atividades fins: manter o domínio imperialista do capital estadunidense.

Os investimentos dessa empresa abrangem um amplo espectro de tecnologias, incluindo biotecnologia, tecnologia de energia, tecnologia da informação, ciência dos materiais, nanotecnologia e software. Alguns exemplos de empresas em que a In-Q-Tel investiu incluem a Palantir Technologies, uma empresa de análise de dados, e a Keyhole Inc., uma empresa de mapeamento digital cuja tecnologia evoluiu para o que hoje é conhecido como Google Earth.

Um argumento muito usado para criticar essa perspectiva é o de que não seria possível guerrear no mesmo campo de batalha da CIA, por exemplo, pois eles têm um aparato tecnológico muito avançado e recursos infinitos. É compreensível esse argumento, pois de fato qualquer trabalho de divulgação, de agitação e propaganda, ou de inteligência sofreria e sofre hoje com grandes barreiras impostas pelos donos das grandes plataformas, que são inclusive os capitalistas mais ricos do mundo. Porém, é importante entender que a internet, na medida em que é o meio mais rápido, fácil e barato de circulação de informações, também se torna o meio de comunicação historicamente com menos possibilidade de controle sobre o que propriamente circula lá, como vemos todos os dias. Trata-se mais de táticas de uma guerra irregular do que de ter expectativa de hegemonizar qualquer meio de comunicação.

Assim, se um trabalho um pouco mais profissional nas redes sociais feito por comunistas, com a leitura conjuntural e linha política corretas, já faz um efeito impressionante, imagine se esse trabalho for 100% profissionalizado? Imagine se o Partido Comunista Brasileiro sustentasse e formasse militantes para o trabalho em diversas frentes, com o uso máximo das tecnologias que já estão à nossa disposição, com investimento em análise de dados, pesquisa social, uma estrutura de inteligência que garantisse formulações mais precisas e atuações mais eficientes e mais focadas, otimizando os preciosos esforços da nossa militância. Isto é, sobretudo, uma questão de preservação da nossa saúde física e mental, e torna o trabalho mais seguro em todos os aspectos.

Não tenho a mínima dúvida que se Lênin estivesse vivo e (re)construindo o PCB em sua versão revolucionária, não seria uma imprensa que ele acharia o melhor investimento como meio de comunicação com a classe trabalhadora.