Nota Política: A Plataforma Municipal do PCBR nas eleições de 2024
A política eleitoral municipal do Partido Comunista não pode ser uma colcha de retalhos de casuísmos locais: deve ser a aplicação local de nossa estratégia e tática nacional.
Estabelecemos, no XVII Congresso (Extraordinário) do nosso Partido, as bases para uma nova etapa da reconstrução revolucionária do movimento comunista brasileiro. Como não poderia deixar de ser, o Congresso se debruçou especialmente sobre uma série de questões de princípio e de estratégia. No que diz respeito à questão eleitoral, as resoluções aprovadas são bastante sintéticas, estabelecendo nossa unidade ideológica no combate ao eleitoralismo reformista, por um lado, e à fraseologia abstencionista, por outro:
Sobre a política eleitoral
Como marxista-leninistas, compreendemos que a transformação socialista que desejamos só poderá ser realizada por meio de uma revolução proletária e da expropriação de todos os meios de produção burgueses. É impossível a mudança radical do regime político e do modo de produção através das vias eleitorais burguesas. Isso não significa que renunciamos a utilizar toda e qualquer forma legal de luta em favor da classe trabalhadora, seja para a realização de qualquer demanda imediata, seja para a luta política e ideológica por meio da participação em eleições e parlamentos, como meio de elevar o grau de organização e consciência do proletariado. O Partido buscará formas de utilizar o momento e os processos eleitorais burgueses para agitar seu Programa, evitando o reboquismo em relação a partidos de maior projeção eleitoral, não ocorrendo assim erros do passado próximo. Dessa forma, a participação nas eleições burguesas sempre tem um sentido tático e não estratégico.
O Comitê Central deverá apresentar um plano de legalização do partido a ser referendado pela maioria dos organismos a ele submetidos.
Vale destacar também que a etapa nacional do Congresso rechaçou, por unanimidade, a ideia de que a política eleitoral deveria ser definida de modo independente por cada estado, segundo a qual caberia ao Comitê Central um papel passivo como “observador” dessas articulações eleitorais. Ao contrário disso, no espírito consensual da etapa nacional do Congresso, estamos convencidos de que nossa política eleitoral exige um fio condutor nacional firmemente estabelecido, de modo a evitar as tendências “centrífugas” e federalistas que ora são produzidas nas eleições (em especial no caso dos pleitos municipais). A política eleitoral municipal do Partido Comunista não pode ser uma colcha de retalhos de casuísmos locais: deve ser a aplicação local de nossa estratégia e tática nacional. Se desejamos incidir sobre as próximas eleições de uma maneira que não nos coloque completamente a reboque dos demais partidos (seja por adesismo, seja por isolacionismo), é preciso partir desde já de uma orientação política nacionalizada nítida e bem definida.
Nesse sentido, também consideramos oportuno reafirmar a necessidade da maior unidade de ação durante a agitação e propaganda eleitoral, reservando para o momento posterior o balanço rigoroso dos resultados desta tática.
Sobre as condições políticas nas quais se desenrolam as eleições municipais
As eleições de 2024 ocorrem após dois anos de aprofundamento de políticas neoliberais por parte do governo federal petista, que não apenas vêm dando base a uma postura crítica ao governo em meio às massas populares, como também (na ausência de uma alternativa política revolucionária com enraizamento em meio à classe trabalhadora) têm dado novo fôlego à extrema-direita. Mais uma vez, a única coisa que o campo democrático-popular terá a oferecer nas eleições será a agitação liberal contra os reacionários, embora a política econômica comum a ambos seja justamente aquilo que fortalece a reação em detrimento do campo democrático-popular.
Esse fenômeno não é de modo algum novo. Também as eleições recentes na União Europeia expressaram um fortalecimento das organizações reacionárias a partir da rejeição às alternativas social-liberais. Essa é uma fórmula que já se repete há mais de um século: é quando a democracia liberal se mostra incapaz de dar respostas aos problemas do povo trabalhador que o fascismo se levanta, tão mais forte quanto maior seja a capitulação das forças proletárias e populares ao programa econômico da grande burguesia. Esse quadro só atinge proporções tão dramáticas porque justamente a “esquerda” majoritária se reconcilia sistematicamente com a burguesia sob a bandeira da democracia liberal e do “ajuste fiscal”, em vez de erguer crítica própria à política burguesa e apresentar-se como porta-voz de uma alternativa econômica da classe trabalhadora, uma alternativa verdadeiramente revolucionária.
É desse cenário francamente regressivo que decorrem as tarefas do Partido Comunista nessas eleições. Somos responsáveis por oferecer combate às forças da extrema-direita, denunciando a demagogia reacionária, ao mesmo tempo em que expomos sem hesitação a responsabilidade do campo democrático-popular, com sua política liberal e reconciliadora com a burguesia e os golpistas, por essa correlação de forças. Devemos contribuir para fechar espaço aos protofascistas, ao mesmo tempo em que contribuímos para a demarcação de um campo de oposição socialista ao governo burguês social-liberal.
Sobre as condições para o apoio ativo e declaração de voto a candidaturas
Nessas eleições, como não dispomos de legenda eleitoral própria, o PCBR não poderá lançar candidaturas que representem diretamente nossa política e nosso programa. Ao mesmo tempo, encerrado o prazo jurídico eleitoral para filiações, não há espaço para a retomada da discussão sobre possíveis “filiações democráticas”. Nessas condições, portanto, devemos buscar intervir para, como ditam nossas resoluções, agitar nosso programa e elevar o grau de organização e consciência do proletariado por meio de nossa tática eleitoral.
A despeito da impossibilidade de lançarmos nossas próprias candidaturas, não consideramos que a melhor forma de alcançar os objetivos acima elencados seja uma tática geral de abstenção e voto nulo. Embora não possa também ser descartado em absoluto, para localidades onde não desponte qualquer alternativa consequente com nossa tática eleitoral, o indicativo de voto nulo tem parca capacidade de oferecer uma agitação consistente e conectada aos aspectos programáticos que nos são caros. Para que estejamos à altura de nossas tarefas, não basta compreendermos os limites do processo eleitoral burguês – é preciso compreender também suas imposições. A impossibilidade de apresentarmos candidatura diretamente não muda o fato de que o desfecho deste processo eleitoral pode trazer distintas consequências para a classe trabalhadora em cada localidade. Como Partido de classe, nosso dever é olhar para além de nossas oportunidades imediatas, tendo em vista os interesses do proletariado como um todo em sua luta. A mera abstenção eleitoral por princípio não tem o condão de mudar a realidade de que, nos próximos meses, milhões de trabalhadores brasileiros irão às urnas para endossar essa ou aquela alternativa política. Nosso dever consiste em alertar e orientar quanto aos riscos (ou potenciais) existentes nessas alternativas, não os ignorar ou menosprezar suas nuances.
No quadro de um país regionalmente diversos e de um pluripartidarismo que pulveriza e mina a unidade tática das organizações eleitorais existentes, o Comitê Central compreende que delimitar uma tática nacional unificada para as eleições municipais não é uma tarefa simples. Não basta simplesmente definirmos, por exemplo, quais partidos podemos ou não apoiar, justamente pelo fato de que mesmo partidos de esquerda autoproclamados socialistas adotam muitas vezes posturas erráticas e incoerentes. Não raro, o mesmo partido que em uma localidade apresenta a possibilidade de uma plataforma que faça avançar a consciência de classe, em outra localidade estará em uma aliança até mesmo com partidos da direita, aos quais nos recusamos em absoluto partilhar qualquer articulação e unidade de ação.
Portanto, embora indiquemos a possibilidade de alianças com partidos como o PSTU, a UP, o PCB e o PSOL, esse mero indicativo não é suficiente para assegurar a firmeza ideológica e política que é exigida de um Partido Comunista em sua intervenção política e eleitoral. Em primeiro lugar, será preciso analisar cada situação local à luz de diretrizes nacionais programáticas. Em um segundo momento, será necessário avaliar as correlações de classes específicas de cada localidade, levando em conta a relação efetiva entre os movimentos operários e populares, por um lado, e os partidos eleitorais, por outro lado, no âmbito de cada município.
Nesse sentido, partindo do Programa aprovado em nosso Congresso, o Comitê Central sintetizou uma Plataforma Municipal do PCBR. Essa plataforma, abrangendo os aspectos do Programa que mais diretamente se conectam aos problemas locais, busca ao mesmo tempo não negligenciar pautas que, embora não estejam juridicamente no campo das competências dos poderes municipais, permanecem sendo bandeiras a agitar a todo tempo, acumulando para sua visibilidade e difusão. Essa plataforma será a base para todos os diálogos políticos que estabeleceremos e para nossa agitação independente, onde nenhum acordo for possível.
Plataforma Municipal do PCBR
- Defesa da redução da jornada de trabalho e da proibição da escala 6x1 (rumo às 30 horas semanais em escala 4x3) no âmbito da legislação municipal, a começar pelos servidores municipais;
- Defesa dos pisos constitucionais da saúde e educação contra quaisquer ataques;
- Defesa do pagamento do piso da enfermagem e do magistério;
- Defesa da revogação do Novo Teto de Gastos;
- Combate a toda forma de privatização. Reestatização dos transportes e Passe Livre. Fim das OSs na saúde e na educação públicas. Anulação e reversão de todas as privatizações, concessões, terceirizações e “parcerias” que transferem recursos públicos para a exploração privada;
- Despejo Zero no município! Especial atenção às moradias em áreas sob risco de enchentes e deslizamentos. Um programa de expropriação de imóveis ociosos ou endividados para fins de moradia popular, bem como para criação de creches, refeitórios populares e outros equipamentos públicos necessários à progressiva socialização do trabalho reprodutivo. Criação de uma empresa pública municipal de construção civil;
- Avanço na demarcação e titulação das terras indígenas, quilombolas e de comunidades de terreiro;
- Desmilitarização e reestruturação da segurança pública e das Guardas Municipais sob controle popular. Apoio às formas comunitárias e populares de autodefesa;
- Contra a militarização das escolas;
- Constituição, manutenção e financiamento adequado de serviços públicos municipais que assegurem o acesso ao direito ao aborto;
- Fim de todos os manicômios e da lógica manicomial no sistema público de saúde. Pelo fim das internações compulsórias de pessoas com transtornos mentais e pelo fim das “comunidades terapêuticas”;
- Investimento em políticas públicas de combate a todas formas de opressão e discriminação;
- A restrição de todos os privilégios dos altos cargos no Estado, a começar pela limitação de seus vencimentos;
- Nenhuma relação política e econômica, convênio ou licitação com empresas, instituições e entidades israelenses ou cúmplices no genocídio e apartheid do povo palestino.
Sobre as articulações políticas em torno da Plataforma
Tendo nossa Plataforma como ponto de partida, portanto, encontramos três possíveis posturas nas eleições em cada município: 1) nas localidades onde houver candidaturas que aceitem e agitem nossa Plataforma, será possível o apoio e a construção orgânica dessas candidaturas; 2) nas localidades onde haja apenas candidaturas burguesas, nossa Plataforma deverá ser a base para nossa agitação pelo voto nulo; 3) por fim, o Comitê Central avaliará caso a caso o apoio crítico nas localidades em que, a despeito de haver candidaturas que vocalizem as lutas e demandas do movimento de massa, as mesmas não se comprometam integralmente com nossa Plataforma. De um ponto de vista tático, havendo condições de um apoio orgânico, orientamos à priorização das campanhas às Câmaras dos Vereadores, optando preferencialmente pelo apoio crítico no caso das candidaturas majoritárias.
Nos grandes centros urbanos, serão permissíveis apenas acordos com candidaturas de organizações políticas socialistas abertamente críticas à política econômica dos governos social-liberais, conforme apontado em nossa Plataforma. Nos municípios rurais e interioranos em geral, por outro lado, devemos estar abertos ao diálogo com as candidaturas representantes das camadas populares não-proletárias, considerando a dinâmica diferenciada da luta de classes em tais localidades (nos termos do § 40 das Resoluções sobre Estratégia e Tática do XVII Congresso). Isso significa que a adesão à nossa Plataforma deve ser um critério para balizar nossa avaliação tática, mas não o único: essa avaliação deve ser suplementada pela consideração da posição da candidatura e do seu partido em relação ao movimento de massas na região em questão. Em pequenas cidades e regiões agrárias, onde muitas vezes organizações como PSTU, UP, PCB e PSOL sequer existem, avaliação cuidadosa deverá ser feita sobre a possibilidade de apoio crítico a candidaturas dos partidos da esquerda liberal (PT, PCdoB, PSB e PDT) que sejam expressão orgânica da luta de movimentos sociais e populares na realidade municipal específica. Em nenhum caso será permissível, no entanto, o apoio aos partidos da direita.
É importante considerar também, nos limites impostos à participação eleitoral sem candidaturas próprias, os saldos positivos concretos que podemos alcançar, assim como as perdas que podemos evitar, também, para nossa organização. A construção orgânica de campanhas que se inclinem em direção à nossa Plataforma permite a experimentação da nossa organização no trabalho político de massas, contribui para a formação de novos quadros e oferece uma alternativa de atuação prática para os novos recrutamentos que batem à nossa porta, podendo inclusive abrir oportunidades de contato com novas bases proletárias ou reforçar os vínculos com as que já possuímos. Por outro lado, não nos posicionar fundamentadamente ao longo do período eleitoral, em que parte expressiva da classe trabalhadora está mais aberta ao debate político, sem conseguirmos fundamentar de modo contundente nossa abstenção, pode nos isolar injustificadamente e fazer com que deixemos de aproveitar um momento que poderia beneficiar o desenvolvimento interno, a experimentação e o crescimento de nossa organização.
Especial atenção deve ser dada, nesse processo, aos riscos da superestimação das promessas de contrapartidas econômicas e de infraestrutura. Também devemos nos manter vigilantes contra a tendência ao sectarismo – haverá locais, inclusive, em que deveremos nos preparar para, com maturidade política e sem mesquinhez, declarar nosso apoio a candidaturas do próprio PCB, onde, a despeito das dificuldades nas relações cotidianas, efetivamente não se apresentem outras candidaturas que coadunem com a nossa Plataforma.
Nos casos de eleições onde o segundo turno apresente a polarização entre candidaturas reacionárias e social-liberais, caberá a avaliação pelo Comitê Central em cada caso concreto da possibilidade de apoio crítico – que ressaltará, desde logo, o fato de que estaremos na oposição a qualquer futuro governo de conciliação de classes.
Ao longo de toda a agitação eleitoral, nossa Plataforma deve servir como um primeiro contato das massas com nosso Programa, expressão concentrada de nossa luta pela constituição de uma alternativa proletária revolucionária à política burguesa. Nesse sentido, além de propagandear a necessidade desta alternativa, devemos também utilizar as eleições para pautar abertamente a necessidade da construção de um partido revolucionário do proletariado, que tenha sua participação independente nas eleições burguesas assegurada por meio de uma legenda eleitoral própria, consoante indicativo de nosso XVII Congresso (Extraordinário).
Sabemos que, na aplicação dessa tática, muitas dúvidas podem surgir, o que é completamente compreensível, uma vez que participamos nas eleições em condições particulares, desarmados de uma legenda eleitoral que nos permita lançar candidaturas próprias, comunistas. Mas temos convicção de que, munidos de nossos princípios e da Plataforma que sintetiza nosso Programa para o contexto municipal, poderemos desenvolver uma política consequente, que não sacrifique nossa independência ao mesmo tempo em que permite a mais ampla visibilidade para nossa linha política, agitando nosso Programa e contribuindo para elevar o grau de organização e consciência do proletário no rumo da revolução socialista
Comitê Central do PCBR