Nota Política: A Insalubridade do ar e a celebração do sucesso do agronegócio no Acre

Para compreender onde estamos hoje, necessitamos retornar a história do modelo de desenvolvimento proposto para a região amazônica e em especial nas “terras de Chico Mendes”.  

Nota Política: A Insalubridade do ar e a celebração do sucesso do agronegócio no Acre

Nota política do PCBR e da UJC no Acre

Na segunda-feira (02) o Estado do Acre alcançou o Índice de qualidade do ar (IqA) 26 pontos acima do recomendado pela OMS Rio Branco é tomada pela fumaça e qualidade do ar atinge nível perigoso nesta segunda, esse é o resultado de queimadas intensas que ocorrem há cerca de dois meses no estado e escancara o que o modelo do agronegócio causou na região. Para compreender onde estamos hoje, necessitamos retornar a história do modelo de desenvolvimento proposto para a região amazônica e em especial nas “terras de Chico Mendes”.  

CICLOS DA BORRACHA (1887-1912) E (1942-1960)

A formação social e econômica do Brasil começou com uma estrutura colonial escravista, fundamentada em latifúndios e na produção de monoculturas voltadas para exportação. Com o desenvolvimento do capitalismo e a divisão internacional do trabalho no final do século XIX, a borracha se tornou um produto altamente valorizado. A Amazônia, rica em matéria-prima, especialmente a região que hoje corresponde ao Acre, foi escolhida para a produção em larga escala, atendendo às demandas dos países centrais do capitalismo. Essa produção, contudo, foi realizada à custa de um modelo de semi-escravidão moderna, conhecido como o sistema de aviamento.

Esse modelo econômico, que teve dois ciclos de extração da seringueira, por um lado trouxe lucros exorbitantes para as casas aviadoras (em grande maioria sendo inglesas e estadunidenses), e contribuiu para o desenvolvimento de cidades como Belém e Manaus. Foi responsável pelo extermínio, intensa violência e exploração de milhares de povos indígenas e dos milhares de  nordestinos que, atraídos pela promessa de uma vida melhor e enriquecimento fácil, tornaram-se seringueiros. A interação entre indígenas e não indígenas, em grande parte foi forçada pelo seringalista e quase sempre foi cercada de conflitos.

INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR (1964-1986)

É importante destacar que o Acre só foi elevado ao status de unidade federativa em 1962, sendo anteriormente apenas um território brasileiro. Durante a ditadura empresarial-militar, iniciou-se uma nova fase de exploração e violência na Amazônia, oficialmente como parte do projeto de integração nacional, denominado "integrar para não entregar". Esse projeto marcou a substituição do extrativismo pela pecuária na região e resultou em uma ruptura brusca com os modos de vida dos povos indígenas e tradicionais. Esses grupos foram violentamente expulsos de suas terras, agora ocupadas por "paulistas" — grileiros oriundos do Sudeste e Sul do Brasil que, com o aval dos governos ditatoriais, impuseram sua presença e expansão da pecuária através de muita violência e repressão.

EMPATES PELOS MODOS DE VIDA DOS POVOS DA FLORESTA (1970-1990)

Conforme o projeto de destruição da floresta para criação de gado e a promessa de um desenvolvimento para poucos, os povos que aqui habitavam resistiram bravamente. A partir da unificação dos povos indígenas, seringueiros e ribeirinhos, que tinham um passado de conflitos, foi possível o fortalecimento das lutas e organizações sindicais e indígenas que fizeram a região ficar conhecida. Apesar disso, nomes como Chico Mendes e Wilson Pinheiro acabaram virando mártires de uma luta histórica nessa região, a luta pela terra e a manutenção dos modos de vida.

GOVERNO DA FLORESTA (1999-2018)

A partir da década de 1990, como fruto das lutas forjadas anteriormente, os trabalhadores da floresta conquistaram importantes avanços, incluindo a criação de escolas próprias, cooperativas, conselhos, acesso à saúde e o reconhecimento da Reserva Extrativista Chico Mendes, sendo a primeira do mundo, em homenagem ao líder assassinado em 1988. Porém, tudo isso se desenvolveu de maneira incerta a partir dos governos petistas iniciados em 1999.

Quando a Frente Popular, liderada pelo PT assumiu o governo em 1999, implementou a ideia de "florestania" com projetos de desenvolvimento verde que incluíam de início a extração de madeira por empresas privadas, posteriormente, comércio de carbono, pecuária e o início da produção de soja. O Acre se tornou um centro para pecuaristas pelo baixo valor das terras e facilidade de créditos de incentivos fiscais para os ruralistas oriundos de grandes centros urbanos, ao mesmo tempo que os incentivos à borracha e produtos extrativistas foram insuficientes e careciam da participação popular em sua elaboração. Em 2007, sob o governo petista, a extração de madeira pelas grandes madeireiras foi legalizada como "manejo florestal", apesar da oposição dos extrativistas. Para o governo essa produção seria controlada pelas grandes empresas.

Para os moradores da reserva e arredores, essa prática se tornou uma forma de sobrevivência mais simples e lucrativa em comparação com a criação de gado.

Com o declínio da economia da borracha, os extrativistas tiveram que diversificar suas atividades, incluindo a criação de gado e a expansão das roças. Muitos foram forçados a vender suas terras para latifundiários ou campesinos com diferentes perspectivas. Nos anos 2000, as escolas locais foram institucionalizadas, perdendo o enfoque na educação popular. A pecuária se tornou a principal fonte de renda, e os seringueiros e seus filhos passaram a trabalhar como peões em grandes fazendas ou com gado arrendado, retornando eventualmente às suas antigas ocupações.

Assim, o desmatamento e a pecuária tornaram-se a realidade econômica dessa região, porém ainda havia, mesmo que em pequena escala e completamente desvalorizado, atividades extrativistas como o látex e a castanha.

GOVERNO DO RURALISTAS (2018-ATUALMENTE)

A intensificação da política de exploração e destruição para obtenção de lucro, se aprofundou de forma extraordinária a partir das eleições de 2018, com a eleição de Gladson Cameli (PP). Gladson, que cresceu na vida política, foi deputado federal e senador antes de assumir o governo, é vindo de uma casta política da região do Juruá, sobrinho do ex -governador Orleir Cameli — figura conhecida por abertamente unir a política a negócios familiares. Por falar em família, a família Cameli, proprietária da Marmude LTDA, prosperou a partir da destruição da floresta, de forma legal, com injeção de dinheiro público e também de forma clandestina como foi exposto no processo judicial que durou cerca de 30 anos dos  Ashaninka contra a empresa na época de Orleir, e que  Gladson atualmente é um dos donos, desmatou ilegalmente cerca de ⅓ da comunidade Apiwtxa.  

Gladson, em sua campanha, deixava claro que seria o governador dos ruralistas. Após eleito, em um vídeo que circulou nos principais veículos de imprensa do estado, ele inflamou o discurso de que sob seu governo, nem um ruralista pagaria pelas multas de crimes ambientais, afirmando “agora quem manda sou eu”. E assim tem sido feito. Muito embora os governos anteriores, com suas alianças amplas e atendendo a agenda do “capitalismo verde”, tratou de institucionalizar os movimentos socioambientais, inibiu as críticas mais radicais utilizando um discurso “sustentável”, que era contrário à prática, o que contribuiu para  o processo de despolitização da população. Muitos pequenos produtores e grande parte da população têm profunda aversão aos códigos florestais e leis, pois na maioria das vezes estas foram usadas contra quem menos contribui para a degradação ambiental, e não para os maiores destruidores.

Portanto, quando Gladson, que representa a burguesia, propõe ser o governo contrário a tudo aquilo que foi propagandeado por 20 anos, as camadas menos favorecidas pelo governo do capitalismo verde, veem nele uma mudança. Enquanto isso, os ruralistas viam a possibilidade de aumentar ainda mais as suas taxas de lucro. A mudança na agenda política de um “Governo da Floresta”, para um governo que sua agenda de “desenvolvimento e progresso” se sustenta na expansão do Agronegócio no Acre, abriu feridas profundas das quais trazem consequências devastadoras para as vidas que habitam na floresta.

ZONA DE DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO — AMACRO (2021)

A região AMACRO compreende o sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, inspirada no MATOPIBA, foi “planejada” para ser a região pautada no desenvolvimento sustentável da agropecuária e que daria um salto de infraestrutura para o setor nos três estados. O projeto foi apresentado em janeiro de 2021, pelo vice de Bolsonaro e presidente do Conselho Nacional da Amazônia, Hamilton Mourão, no Fórum Econômico Mundial, como um programa piloto para promover o desenvolvimento sustentável dessa região de 450 mil km².

O projeto que foi criado pelos governadores dos três estados, Wilson Miranda (AM, União Brasil), Gladson Cameli (AC. PP) e Coronel Marcos Rocha (RO, União Brasil), é apresentado oficialmente na Expoacre daquele ano (agosto de 2021) pela SUFRAMA, agora como Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS). A região abrange 32 municípios, 96 áreas protegidas, 53 terras indígenas, 374 comunidades indígenas e 255 assentamentos de reforma agrária, e desde criada lidera os índices de desmatamento, queimadas, grilagem e conflitos violentos contra as comunidades ribeirinhas, indígenas e camponesas na região.

EXPOACRE

A Expoacre é uma feira agropecuária que ocorre há mais de 30 anos em Rio Branco, capital  do Acre, e também a edição Juruá, Expo Juruá em Cruzeiro do Sul. Fomenta o agronegócio e o incentivo a uma cultura voltada para o universo do agro, além do empreendedorismo. A cada nova edição, mais investimento do Estado é injetado. Com atrações nacionais com shows gratuitos, parque de diversões, exposição de animais, sementes e insumos agrícolas, rodeios, mas também barracas de pequenos produtores (empreendedores), assim insere no imaginário da população uma ideia de “para todos os gostos”, nos últimos anos, devido o investimento e propaganda, vem sendo extremamente “popular.

Em suma, a Expoacre é um evento financiado pelo governo, que impulsiona e comemora o sucesso do agronegócio e introduz-se como uma cultura regional criada a partir da expansão forçada do agronegócio no Estado. Esse ano ocorre entre 31 de Agosto e 8 de Setembro. A avenida que homenageia o maior ambientalista brasileiro, Chico Mendes — mártir da luta contra a expansão da pecuária, é palco da abertura de um evento que fomenta a agropecuária. A abertura do evento é uma “cavalgada”, e centenas de pessoas fazem o percurso pela avenida até o parque de Exposições, num calor escaldante de mais de 40 graus, sendo comum animais serem vistos abandonados e feridos no meio do percurso.

A Expoacre, é a amostra de todas as consequências desse processo que sustenta esse modelo de desenvolvimento que pressupõe a destruição. Ao servir como uma vitrine do agronegócio, esconde todas as consequências causadas ao meio ambiente, aos povos indígenas e a sociedade, apresentando apenas o lucro de poucos, as produções e solidificando na mente da sociedade a maravilha que o agronegócio traz e o progresso da sociedade acreana, quando na prática representa a degradação, a violência, a escassez e o desemprego.

CONSEQUÊNCIAS DO AGRONEGÓCIO

Entre secas e enchentes, a população acreana e as outras formas de vidas padecem com os impactos devastadores de um modelo econômico de destruição, sem qualquer intervenção e fiscalização por parte dos órgãos do Estado. Uma amarga ironia é que a Expoacre neste ano ocorre na época de uma seca extrema em todo o estado, onde a qualidade do ar está com níveis alarmantes acima do recomendável, decorrentes das queimadas para abrir pastos para gado e para a monocultura principalmente da soja, que servirá de ração para gado. 

Os conflitos de terra, desmatamentos e queimadas são as consequências trazidas pela expansão do Agronegócio nessa região, agravada consequentemente pela não demarcação das terras indígenas e a falta de titularização de comunidades tradicionais. Para se sustentar esse modelo de desenvolvimento, a terra e o seu ecossistema, bem como os povos que dessa terra precisam são os mais afetados, por um modelo, pasmem, tido como “sustentável”.

A pecuária que é responsável pela degradação do solo, emissão de gases efeito estufa, principalmente o metano e poluição dos recursos hídricos, aliado a técnica da monocultura que faz o uso de agrotóxicos traz severas consequências para o meio ambiente e as populações camponesas, ribeirinhas e indígenas, que quando não são expulsas pelos jagunços armados, são expulsas pela contaminação no solo, na água.

A técnica da queimada no período da estiagem é a mais utilizada pelos latifundiários nessa região, o que dentre inúmeros problemas ambientais e sociais, causa prejuízos na produção da umidade, importante para a formação dos chamados ''rios voadores'', que provoca o equilíbrio de chuvas para a região centro-sul do país, atualmente, os rios têm levado as toxinas das queimadas.

Nas últimas semanas, os focos de incêndio na região da AMACRO superaram todos os índices e as capitais dos três estados têm chamado a atenção por estarem encobertas pela fumaça e a poluição do ar apresentarem índices extremamente perigosos para a saúde humana. Na segunda-feira (2), Rio Branco e os municípios do Acre tiraram o “dia da fumaça”, onde a onda de poluição tomou conta do céu. Segundo especialistas, a fumaça era resultado também de queimadas de regiões próximas, transportadas por correntes de ar.

Nós do PCBR e UJC acreditamos que a crise climática resulta da dinâmica do capitalismo monopolista, em sua fase imperialista, evidenciada por mudanças abruptas no clima, seca de rios, aumento do nível do mar e extinção de espécies.

A resolução da questão agrária e ecológica em favor do proletariado requer a nacionalização das terras, garantindo que pequenos agricultores as utilizem e sejam progressivamente integrados à produção socializada. O controle social das terras permitirá uma economia planejada e uma reorganização produtiva sustentável.

Pelo fim do latifúndio!
Pela nacionalização de todas as terras!
Em defesa da produção agroecológica e da agricultura familiar!
Pela titulação e reconhecimento dos territórios indígenas e quilombola!