Nota Editorial sobre a questão racial
Entendemos como um desvio em relação ao marxismo-leninismo a tendência a limitar a questão racial a uma mera visão identitária e a luta antirracista a uma ferramenta estadunidense para dividir os trabalhadores.
Por Comitê Nacional Provisório do PCB-RR
O Comitê Nacional Provisório do PCB-RR tomou a decisão, há alguns meses, de abrir nossa Tribuna de Debates para a contribuição de organizações comunistas que, desde o primeiro dia de nossa cisão, manifestaram sua solidariedade para com o nosso movimento. Acreditamos que essa nossa iniciativa foi fundamentalmente positiva, uma vez que contribui para elucidar as afinidades e até mesmo as divergências que encontramos no campo da esquerda revolucionária.
Contudo, diante da polêmica levantada pela tribuna "Um mundo em ebulição: crise, guerras e situações revolucionárias", consideramos necessário reafirmar nossa própria compreensão, enquanto organização política, da centralidade do racismo na formação social brasileira, levando em conta seu caráter fundante da estrutura de classes no Brasil e, portanto, da classe trabalhadora brasileira. Sendo assim, o combate ao racismo não é algo menor, mas essencial na luta contra o capitalismo.
Como consta no capítulo “Resoluções de Estratégia e Táticas”, de nosso Caderno de Teses ao XVII Congresso:
§55 Com o advento da colonização, foi imposto, através da violência contra os povos originários deste território e da África, um modo de produção baseado no tráfico de negros e na exploração dos territórios e recursos indígenas sob um sistema latifundiário-escravista. O comércio de negros escravizados e as plantations foram, por séculos, a principal forma de acúmulo de capital e fortalecimento do que viria ser a burguesia brasileira, além de dar ao país o status de maior população negra fora do continente africano, com 56% da população se declarando negra.
§56 Esse modo de produção do período colonial, baseado na exploração da mão de obra de negros sob a condição de escravizados, gerou impactos nas relações de trabalho e na formação do proletariado brasileiro. Tal herança se reflete na maioria negra, especialmente de mulheres negras, nas camadas mais exploradas da classe trabalhadora, ocupando setores precarizados/terceirizados, com menores salários, sem acesso à terra e engrossando o exército industrial de reserva.
§57 A exploração também se impõe de maneira acentuada sobre as proletárias, devido à milenar divisão sexual do trabalho, que recai sobre as mulheres a maior parte das atividades de reprodução e manutenção da vida – muitas vezes, sem qualquer remuneração. Esse fator também deverá ser superado pela revolução proletária.
§58 Assim, a herança colonial e patriarcal define a posição que trabalhadores e trabalhadoras brasileiros ocupam na divisão social do trabalho, onde as desigualdades territoriais, raciais e de gênero concorrem na determinação das condições de vida do proletariado. Isso se expressa na dupla ou tripla jornada de trabalho, na informalidade e marginalização, resultando em massiva criminalização, encarceramento e genocídio. Para a organização do proletariado brasileiro e a construção da revolução socialista, devemos trabalhar considerando que são os trabalhadores/as negros os principais afetados pelas condições do capitalismo brasileiro.
O chamado "mito da democracia racial", que sob diversas formas nega a existência de profundas contradições raciais no desenvolvimento história do nosso país, funciona, em última análise, como ferramenta de legitimação da dominação racista fundante do capitalismo brasileiro. Ressaltamos nosso posicionamento em defesa das cotas raciais e das políticas afirmativas, compreendendo que o colonialismo e o capitalismo brasileiros relegaram a classe trabalhadora negra a uma total exclusão, incorporando-a ao exército industrial de reserva e às piores condições de vida. Tais políticas representam uma mediação para superar tal situação, ainda que não sejam suficientes para pôr fim ao racismo – estrutura fundante do capitalismo brasileiro. Apenas a luta anticapitalista possui condições de por fim ao racismo, mas não podemos aguardar a revolução socialista para lutar contra o racismo e seus reflexos imediatos na vida cotidiana da classe trabalhadora brasileira.
Entendemos como um desvio em relação ao marxismo-leninismo a tendência a limitar a questão racial a uma mera visão identitária e a luta antirracista a uma ferramenta estadunidense para dividir os trabalhadores. É inegável a apropriação das lutas do movimento negro pelo liberalismo burguês, que visa domesticá-lo para defender a manutenção do sistema capitalista, colocando os problemas econômicos do povo negro em um segundo plano e limitando-se às questões culturais e de identidade. Mas é o próprio capitalismo que divide a classe operária com o racismo, desde o processo que escravizou povos inteiros para enriquecer países colonialistas até seus desdobramentos contemporâneos. Ignorar tal realidade em nada contribuir na efetiva unificação da luta classista do proletariado contra o capitalismo e todas as formas de opressão existentes.
Encorajamos nossa militância a desenvolver tribunas aprofundando a discussão, com mais qualidade e profundidade, compreendendo o papel fundamental da polêmica para melhor delimitação das divergências e corrigir concepções equivocadas no seio da nossa classe.