Nota da União da Juventude Comunista - Enfrentar o projeto neoliberal e ampliar a qualidade e acesso ao ensino público

É crucial observar as continuidades políticas que permeiam os diversos grupos que têm ocupado o cenário político nos últimos anos, todos com comprometimento com a gestão do capitalismo e a preservação dos princípios neoliberais na condução do país.

Nota da União da Juventude Comunista - Enfrentar o projeto neoliberal e ampliar a qualidade e acesso ao ensino público

O atual momento político brasileiro, marcado pela eleição da coalizão liderada por Lula e Alckmin, representou, por um lado, uma expressiva vitória eleitoral contra o setor reacionário personificado por Bolsonaro. Entretanto, é crucial observar as continuidades políticas que permeiam os diversos grupos que têm ocupado o cenário político nos últimos anos, todos com comprometimento com a gestão do capitalismo e a preservação dos princípios neoliberais na condução do país.

A ampliação do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, através do decreto presidencial 11.498/23, é emblemática nesse contexto. Inicialmente instituído por Michel Temer em 2016, o programa foi expandido pelo governo Lula-Alckmin para abranger áreas sensíveis como saúde, educação, parques públicos e sistema prisional. Esse movimento alarga o espaço para a intervenção do capital privado em setores antes resguardados.

A privatização, por natureza, implica na prevalência de interesses privados em detrimento do bem público. A introdução da possibilidade de parcerias público-privadas nos setores adicionados pelo decreto representa uma ameaça concreta à qualidade dos serviços públicos brasileiros, especialmente na saúde e educação, áreas essenciais para o atendimento das demandas mais básicas do povo brasileiro.

Outro exemplo notório de continuidade com as políticas anteriores é o Novo Teto de Gastos proposto por Fernando Haddad, elogiado pela mídia burguesa. Adotando os princípios do tripé macroeconômico neoliberal, esse teto impõe severas restrições aos investimentos públicos, limitando o governo a gastar no máximo 70% da arrecadação do ano anterior, com um aumento anual limitado a 2,5%. O economista David Deccache alerta que, se essa proposta tivesse sido implementada no primeiro governo Lula, representaria uma redução de R$8,8 trilhões em investimentos.

Essa restrição ao investimento público tem repercussões diretas na educação. Para cumprir as regras do novo teto de gastos, o governo planeja cortar os pisos constitucionais de investimento em saúde e educação. Esse retrocesso compromete o acesso a uma educação de qualidade, que demanda o uso prioritário dos recursos públicos. Quem se beneficia, mais uma vez, de todo esse plano econômico, são as empresas privadas de educação, já que o desinvestimento público abre as portas para o capital privado acessar esse mercado, através das PPPs.

A questão do Novo Ensino Médio é mais um exemplo dessa continuidade entre governos. A reformulação implementada por Temer, que permanece em vigor, reflete a influência dos oligopólios da educação e de fundações privadas no Ministério da Educação. O NEM, ao incorporar matérias vinculadas ao capital privado, como "empreendedorismo", em detrimento de disciplinas consideradas disfuncionais ao modelo brasileiro de acumulação capitalista, mina a qualidade do ensino e adapta a juventude a um mercado de trabalho desregulamentado e precário, impedindo que o sistema educacional cumpra um papel de inclusão e criticidade perante à desigualdade e às injustiças sociais. Apesar de existir um novo projeto de lei proposto pelo MEC, que altera o Novo Ensino Médio, ele ainda está em discussão na Câmara, sem a mesma urgência para aprovação que o Novo Teto de Gastos, e com a relatoria entregue ao deputado do Centrão, Mendonça Filho (União/PE). A depender do MEC, controlado pelas fundações empresariais, a proposta de “revogação” será uma mera reformulação do NEM. É necessária a luta organizada dos estudantes secundaristas e dos trabalhadores da educação para alcançarmos uma revogação definitiva.

Além dessas questões mais imediatas, é preciso lembrar que a denúncia sobre o crescimento do capital privado na educação pública vem de anos. Hoje, mais de 77% das matrículas no ensino superior estão nas mãos de universidades privadas, em sua grande maioria bastante precárias. Não faltam denúncias de salas de aulas lotadas - mesmo as virtuais -, com poucos professores. Enquanto os estudantes lutam para manterem-se matriculados, até endividando-se, os acionistas das empresas de educação enriquecem nas bolsas de valores através da especulação financeira.

Nas escolas e universidades públicas, a evasão escolar é grande, muito motivada pela piora nas condições de vida da classe trabalhadora, que obriga a juventude, em especial a negra e periférica, a abandonar os ensinos para se sustentar, dada a ausência de políticas de permanência estudantil eficazes.

No ano passado, as entidades estudantis organizaram algumas greves e mobilizações nas universidades estaduais, pautando a contratação de professores e melhorias nas políticas de permanência, uma vez que, assim como o governo federal, os governos estaduais estão comprometidos com o cumprimento da cartilha neoliberal de redução de gastos, mesmo que isso prejudique - como já prejudica - o serviço público.

Diante desse cenário, é importante refletir sobre o papel do movimento estudantil e suas entidades representativas, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).

Há décadas, essas entidades são dirigidas por forças políticas ligadas diretamente ao atual governo federal, como a UJS (PCdoB) e a juventude do PT. Para nós, essa ligação representou historicamente uma priorização à luta institucional em detrimento da organização das bases e uma adequação ao jogo político burguês, se contentando com pequenas reformas pontuais. Mesmo diante de um quadro preocupante para a política brasileira em geral, e, para a educação em específico, essas entidades são impedidas de organizarem uma luta independente e radical contra os retrocessos.

As mobilizações que ocorreram pautando a revogação do NEM, por exemplo, só ocorreram graças à pressão das forças de oposição que compõe o movimento estudantil, uma vez que a posição original da entidade falava em “reformulação”, contrariando o acúmulo de movimentos de profissionais da educação e intelectuais que pesquisam a área. No último Congresso da UNE, em nome da “defesa do estado democrático de direito”, o ministro do STF, Luís Barroso foi convidado para compor a mesa de abertura, mesmo sendo responsável pela declaração de inconstitucionalidade do piso da enfermagem, conquistada após muita luta da categoria. A direção majoritária tentou silenciar as vaias que ecoavam pelo plenário, em repúdio àquela presença. Mais recentemente, na última Conferência Nacional de Educação, mais uma vez, os movimentos ligados à educação se posicionaram contra a presença de representantes das fundações privadas no interior do Ministério da Educação, aos gritos de “Fora Lemann”, em referência à Fundação Lemann, uma das principais idealizadoras do Novo Ensino Médio. A majoritária, por sua vez, exaltava a gestão de Camilo Santana (PT), negando a situação precária do ensino no Brasil.

Esses exemplos são didáticos para nos mostrar dois elementos colocados para o movimento estudantil. O primeiro deles é que as entidades estudantis, através de suas direções, são incapazes de disputar os rumos da educação brasileira de forma consequente e radical. Sua ligação orgânica com o governo federal as coloca, quando muito, como apoiadoras críticas da gestão. Por outro lado, é visível que existe um descontentamento com os rumos do governo petista, que, em sua campanha, defendia a retomada do investimento público e uma profunda mudança em relação às políticas educacionais de Temer e Bolsonaro.

A realização, nesse ano, do Congresso da UBES e da Caravana da UNE, que visa debater uma proposta de Reforma Universitária, são espaços importantes de disputa e mobilização, mas é imperativo que as entidades se posicionem de forma incisiva contra medidas que comprometem o financiamento e a qualidade da educação no Brasil.

A discussão sobre a Reforma exige uma atenção de todo o movimento estudantil e suas entidades representativas. A proposta de Reforma Universitária que virá da síntese da Caravana não deve servir para referendar diálogos realizados entre a diretoria executiva da UNE e a cúpula do Ministério da Educação, mas atentar-se às reivindicações da base dos estudantes que sofrem com restaurantes universitários caros, moradias estudantis insuficientes, bolsas que não dão as condições de reprodução da vida dos estudantes e a impossibilidade de participação ativa nas decisões políticas das universidades.

Nesse contexto, nós da União da Juventude Comunista (UJC), do Movimento por uma Universidade Popular (MUP) e do Movimento por uma Escola Popular (MEP) queremos contribuir no debate sobre as profundas mudanças que a educação brasileira, do nível básico ao superior, deve passar. Se desejamos a universalização do acesso com políticas de permanência dignas, a plena democracia universitária e a garantia de um robusto e pleno financiamento público, é preciso enfrentar os setores privados da educação que parasitam o orçamento e o direcionamento estratégico das políticas educacionais. A caravana proposta pela UNE pode ser uma oportunidade para reorganizar o movimento estudantil em torno de um projeto de universidade voltado ao interesse da classe trabalhadora brasileira, a universidade popular.

Por fim, apoiamos fortemente a luta dos servidores técnico-administrativos das universidades federais brasileiras, uma importante categoria de trabalhadores que está deflagrando greves por todo o país para conquistar suas demandas. Estamos acompanhando esta mobilização com atenção para conseguir cada vez mais juntar e alinhar estudantes com trabalhadores, em diálogo e combatividade contra as omissões do governo Lula-Alckmin. Este é um momento singular na conjuntura brasileira, onde as universidades estão fervendo com lutas e espaços que precisam continuar com radicalidade e consequência política.

CONTRA O PROJETO LIBERAL: UNIVERSIDADE PRA GERAL!