'Nossos problemas organizativos passam por questões de documentação e organização do conhecimento?' (Wel)

Minha hipótese é que boa parte dos problemas organizativos que nós temos advém justamente das nossas dificuldades em documentar nossas atividades e organizar essa documentação, e é sobre isso que gostaria de falar aqu

'Nossos problemas organizativos passam por questões de documentação e organização do conhecimento?' (Wel)
"O que proponho aqui, camaradas, é que enxerguemos como central para nossa reconstrução o estabelecimento de uma política geral de documentação do partido, que vise determinar diretrizes para registros de documentos provenientes não somente de atividades corriqueiras da nossa organização, como também relatorias e balanços; uma tabela de temporalidade para determinar a política de descarte e preservação desses documentos, uma vez passado o seu tempo de uso imediato; normas para o estabelecimento de níveis de sigilo de determinados documentos; e, por fim, as diretrizes de organização em termos de nomenclatura, arquivamento, catalogação e indexação desses documentos, de forma a permitimos que as informações sejam encontradas de forma mais rápida, e consigamos assim ter um acesso facilitado aos acúmulos tanto nacionais, como às vezes até de nosso próprio núcleo."

Por Wel para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, acredito que pudemos observar algo corriqueiro em diversas tribunas que vêm sendo publicadas nos últimos meses, que é a questão do “acúmulo”. Não raramente, nos deparamos com tribunas que falam sobre a “falta de acúmulo nacional sobre x aspecto” ou a baixa socialização desse conhecimento que temos ao redor do país. Minha hipótese é que boa parte dos problemas organizativos que nós temos advém justamente das nossas dificuldades em documentar nossas atividades e organizar essa documentação, e é sobre isso que gostaria de falar aqui.

Acredito que antes de tudo, devo fazer uma breve consideração a respeito do que seria um documento. Em linhas gerais, e de forma bem resumida, um documento seria o registro de uma informação (ou do conjunto de informações) em um determinado suporte, que serve como caráter de prova e que é gerado a partir de determinada atividade (poderíamos até dizer que é resultado de um trabalho, mas não vou me ater a essas questões mais teóricas aqui). Sendo assim, o documento tem a capacidade de informar a respeito de algo, provar que certo fato aconteceu e ser um instrumento para organização de tarefas e tomada de decisões.

Vejam, toda decisão que tomamos é feita com base em acúmulos, em informações, em um conhecimento prévio a respeito de algo, seja decidir para onde iremos nos mudar ou até mesmo se iremos ou não participar de alguma disputa. Essas decisões não podem ser baseadas a partir de conhecimentos presentes somente nas cabeças de um ou dois camaradas, pois denota não somente uma fragilidade da nossa organização, como pode suscitar em termos que construir algo do zero se esses camaradas, por acaso, saírem do organismo e levarem com eles esses conhecimentos.

Já que estamos em um processo de reconstrução, acredito ser fundamental colocarmos como algo central no debate qual será nossa política de documentação e organização de nossos documentos, não somente por questões burocráticas, formais ou o que seja, mas porque esse processo de organização afeta em como nossos trabalhos serão tocados e nos ajudará a ter uma visão mais totalizante do estado de nossa organização, tanto em termos de acúmulos existentes, como de saber como estamos agora e do que precisamos reunir para o futuro.

Como disse, o documento serve como caráter de prova, como registro de determinado acontecimento ou atividade. Uma reunião só irá existir para o conjunto da organização se ela estiver registrada numa relatoria, sem relatoria não há reunião. O mesmo sobre a própria forma de registro desta relatoria: algo não registrado é algo não dito. Não importa se as pessoas presentes na reunião se lembram do que foi dito, no futuro qualquer discussão, decisão ou acúmulo que possa ser desenvolvido a partir de coisas que aconteceram nessa reunião só poderá ocorrer mediante o que está registrado em relatoria.

E isso diz respeito não somente a reuniões de núcleo, mas também reuniões de secretariado ou o que seja. Sem registro, o fato não existe para o conjunto da organização, e se ele não existe, não há como aprender com ele. O que nos restará é confiar na lembrança de alguns camaradas ou em outras medidas menos eficientes do que termos essa documentação bem registrada e organizada.

Outro ponto que trouxe mais acima, é que toda atividade gera um documento, e isso perpassa nossa organização em níveis que acredito que muitas vezes não percebemos. Por exemplo, para realizar um bazar, a secretaria de finanças de um Núcleo terá que: a) fazer levantamento dos itens disponíveis para o bazar; b) precificar os itens; c) registrar as vendas; d) fazer um levantamento da disponibilidade da militância para as vendas; e) elaborar a escala de trabalho para o dia das vendas. Cada atividade dessa irá gerar um documento diferente, que terá sua validade condicionada a pertinência da atividade que o gerou. O levantamento da disponibilidade, por exemplo, perde sua validade no momento em que a escala é formada, o que faz com que ele tenha uma curta necessidade de salvaguarda. Já as listas com os itens disponíveis, a precificação e as vendas têm uma validade mais longa, na medida em que eles serão importantes para, por exemplo, fazer um levantamento do lucro obtido com essa atividade, o que pode suscitar em um acúmulo para um balanço de atividades de finanças feito posteriormente (o que, por consequência, irá gerar outro documento).

Indo ainda mais fundo nesse exemplo do bazar, esse levantamento da disponibilidade da militância pode estar condicionado a também, digamos, um documento de controle elaborado pela secretaria de organização, que registra a rotina e disponibilidade de militantes para tocar tarefas. Este documento, por exemplo, influencia em quais são os militantes que irão desempenhar determinada atividade em um momento de delegação de tarefas. Ou seja, um documento influenciou na forma e organização de uma atividade, e consequentemente em sua execução e nos acúmulos que virão a partir dela. Sendo assim, se não temos um registro organizado de nossa militância, tampouco dos acúmulos de tarefas tocadas anteriormente, qual o impacto que isso terá no nosso trabalho militante? É partindo disso que me pergunto: em que medida nossos problemas organizativos não estão diretamente ligados aos nossos problemas de documentação?

Ainda sobre os registros, digamos que alguma secretaria política do nosso organismo tenha uma bilateral com outra entidade, as informações sobre essa conversa (que inevitavelmente irá ocasionar em efeitos para todo o organismo) ficarão registradas onde? Em uma relatoria própria e restrita à pasta política? Em um informe de reunião de núcleo? Em um repasse no grupo do Signal? De que forma o próximo militante a ocupar a secretaria política terá acesso às bilaterais, reuniões e acúmulos da antiga formação?

Isso leva a outra questão dos nossos problemas atuais, que é a limitação que possuímos em recuperar informações. Por mais que tenhamos o Google Groups, que permite com que tenhamos acesso a emails mais antigos, o mecanismo de busca não dá conta de recuperar com qualidade as informações que muitas vezes precisamos. Pegando como exemplo a relatoria, digamos que em uma reunião sobre eleição de DCE, tenham ocorrido falas sobre possíveis debilidades do organismo em agitação e propaganda. Essa informação ficará perdida, já que ela não está registrada de maneira clara para que o mecanismo de busca o recupere, pois seria necessário um nível de descrição temática do documento, coisa que é dificultada pelo funcionamento da plataforma que utilizamos. Nesse caso, seria necessário haver uma descrição documental que extraísse as temáticas abordadas em reunião por meio de palavras-chave, que conseguisse fazer com que pudéssemos recuperar os documentos através dos temas que eles abordam, e não por seu título ou qualquer coisa que esteja presente no corpo dos e-mails.

O que proponho aqui, camaradas, é que enxerguemos como central para nossa reconstrução o estabelecimento de uma política geral de documentação do partido, que vise determinar diretrizes para registros de documentos provenientes não somente de atividades corriqueiras da nossa organização, como também relatorias e balanços; uma tabela de temporalidade para determinar a política de descarte e preservação desses documentos, uma vez passado o seu tempo de uso imediato; normas para o estabelecimento de níveis de sigilo de determinados documentos; e, por fim, as diretrizes de organização em termos de nomenclatura, arquivamento, catalogação e indexação desses documentos, de forma a permitimos que as informações sejam encontradas de forma mais rápida, e consigamos assim ter um acesso facilitado aos acúmulos tanto nacionais, como às vezes até de nosso próprio núcleo.

Precisamos ter uma política que nos ajude a organizar nossa documentação, o que impacta diretamente na nossa comunicação e no conhecimento que temos de nosso organismo e de nossa história. Dizemos que não temos acúmulos nacionais sobre uma série de questões, mas esses acúmulos existem, eles só não estão documentados, organizados e disponibilizados. Precisamos ter definido o que é passível de ser comunicado por chats, o que deve ser por email, e o que deve ser salvaguardado em nossos arquivos para uso posterior, incluindo as comunicações feitas por chat e e-mail: que tipos de informações recebidas devemos fazer um trabalho de elaborar um documento sobre para ser arquivado?

Essa política deve ser pensada tendo em mente a totalidade de nossa organização e as funções que cada parte do organismo desempenha, o que irá refletir no processo de estruturação do sistema de classificação desses documentos, desde a nomenclatura que utilizaremos ao arquivar um documento, até mesmo na ordem que esse arquivamento deve se dar. Uma ilustração de algo que poderia ocorrer, pensando na nomenclatura de pastas e dos documentos, seguindo uma estrutura de organização, seria:

Obviamente, isso necessitaria de algumas coisas:

a) um sistema de gestão documental que possa ser utilizado nacionalmente e que consiga fazer com que tenhamos acesso mais facilitado aos documentos produzidos pela organização, com a atribuição de chaves de acesso que garantam níveis diferentes de permissividade, a depender da posição do militante no organismo (em respeito às questões de privacidade da documentação e nossa própria estrutura organizacional).

b) um conjunto de metadados que dê conta de fazer a descrição temática dos documentos e que, aliado com as propriedades desse sistema, consigam facilitar na recuperação dos documentos através de um mecanismo de busca. Isso pode ser algo a ser pensado até mesmo sobre as próprias tribunas de debates, permitindo que elas sejam recuperadas por assunto.

c) estabelecimento de modelos-padrão de documentos, vocabulário controlado para indexação temática dos documentos, bem como formação da militância sobre organização e gestão documental, garantindo assim uma padronização que facilite a guarda e registro dessas informações.

No mais, estou convicto de que a partir de uma política de documentação conseguiremos organizar melhor as tarefas e os conhecimentos que temos sobre nossa militância ao redor do país, principalmente tendo em vista o processo de reconstrução que estamos desenvolvendo. Assim, acredito que poderemos, daqui há alguns anos, conseguir ter uma visão mais totalizante a respeito das dificuldades e entraves que nossa organização teve, avaliar os caminhos tomados para essa superação, e termos de fato acúmulos e socialização de conhecimentos que nos ajudarão a superar as dificuldades que poderão surgir.